fevereiro 27, 2011

E ao penúltimo dia a coisa deu-se!

Esta última semana foi de loucos, verdadeiramente. Apenas com uma semana para conseguir um lugar que recebesse o Vicente quando eu regressar ao trabalho, vi-me perdida entre chamadas e e-mails intermináveis para creches e amas, à procura dum milagre chamado «vaga nesta altura do ano». Quase todos os sítios têm a entrada dos bebés marcada para Setembro, o que faz todo o sentido mas o que, neste momento, se revelou uma circunstância difícil de aceitar para nós. Ainda contámos com a ajuda de amigos, que se desdobraram em esforços e em contactos sem qualquer sucesso mas que, só por isso, ganharam aquele reconhecimento.

Depois de visitarmos alguns sítios (quase todos simpáticos), tínhamos decidido que ficaria num colégio europeu, mesmo sabendo do esforço financeiro que isso iria implicar para nós - basicamente, íamos deixar de viver mas enfim, pelo menos ele tinha vaga e eu poderia retomar a minha vida activa. A surpresa chegou na sexta à tarde, já quase fora do horário de expediente, com uma vaga numa creche com tantos meses quantos o bebé Vicente, ao lado do trabalho do pai e por metade do preço! O meu pai tinha muita razão quando me disse que não há fome que não dê em fartura - portanto, àquela hora já tínhamos dois sítios onde o inscrever. Decidimos anular a outra inscrição e vamos amanhã tratar das papeladas e das conversas sobre os hábitos do bebé. Para complicar ainda mais aquilo que já por si não era fácil, o bebé Vicente decidiu que não quer beber biberão: nem com água, nem com leite - nada. Ontem entrei em pânico porque, se vou deixar de estar com ele 24h por dia, pus-me a imaginar como beberia ele o leite durante o meu horário de trabalho. Mas decidi descomplicar: é um bebé que já come sopa e papa, que vai experimentar a carne esta semana e que já aguenta umas boas horas sem mamar. Eu só tenho que tratar de o amamentar durante o tempo que estivermos juntos e enfim, terá que se habituar ao biberão como os outros bebés. Se eu deixasse agora subitamente de ter leite, a transição seria igualmente complicada e só tenho que pensar que ambos vamos sobreviver.

(Entretanto, a dor de ter que me separar dele já foi atenuando, especialmente por saber que estará muito, muito perto do pai, num sítio novo e com boas condições, acompanhado de crianças de todas as proveniências e onde os bebés não são tratados por você. Tenho saboreado bem estes últimos dias e a Natureza tem-me feito o favor de me oferecer magníficos dias que não me fazem sentir tão deprimida e que  nos permitem passear um pouco. Resta-me o dia de amanhã, que vai ser passado entre as vacinas dos cinco meses, as burocracias da creche e o restante tempo livre que tenho para encher aquelas bochechas de beijos. Não há-de ser nada...)

fevereiro 21, 2011

Uma espécie de luto

É assim que me encontro desde Sexta-feira: como uma carpideira silenciosa, a chorar um luto que ainda não começou. Até à semana passada, eu não tinha grandes esperanças de encontrar logo um emprego, especialmente sabendo como o mercado está e como a crise se tem alastrado a todos os sectores. Pensava que ia demorar o seu tempo e estava já há muito preparada para ficar com o bebé Vicente até que ele fizesse um ano. Tinha assumido o compromisso de procurar emprego mas sem grandes expectativas e certamente sem grandes pressas. Assim, garantia que ia sondando o mercado, ao mesmo tempo que via o meu bebé a crescer e que cumpria com os meus deveres.

Mas a semana passada veio baralhar todas as minhas contas e as coisas precipitaram-se de tal forma que todos os meus planos ou, pelo menos, os meus desejos, foram por água abaixo. Não estou em posição de recusar uma oferta de emprego tão razoável e com tantas promessas de futuro, ninguém está. E além disso, a simples perspectiva de me ver livre da Segurança Social faria com que aceitasse o emprego, sem contemplações. E então eu disse Sim, sem pensar muito bem no que isso iria realmente significar para a nossa relação mãe-filho. E custa-me mas era a única coisa a fazer.

Mas depois bateu-me tudo o resto: não tinha (tenho) ninguém que fique com o Vicente. E mesmo que tivesse, nunca ia ser a mesma coisa. Quantas vezes lhe mudariam a fralda? Como lhe dariam o almoço? O que fariam quando lhe dói a barriga? Como o iriam entreter? E, finalmente, percebi que vou ter que abrir mão de todas estas coisas, vou ter que aceitar que haverão outras mãos a pegar-lhe ao colo e que outra pessoa o há-de alimentar e sucumbi ao medo terrível de ser substituída por outra "mãe". Já chorei muito. Já chorei e sei que ainda mais lágrimas hão-de vir porque esta dor de o ter que partilhar é imensa e, por muito que saiba que é necessária e até saudável, não estava preparada para uma ferida tão profunda. Eu, a que andava a dizer que precisava de voltar ao Mundo; eu, a que queria voltar a ter bocadinhos para ler e ouvir música; eu, a que estava cansada de quase nunca ver ninguém tinha-me transformado rapidamente em alguém que queria exactamente o contrário.

Como todas as mães (e pais), morro de medo do sítio onde ele ficará porque, na verdade, nunca poderemos saber como ele é tratado. E imagino que a próxima semana seja de muita, muita dor que hei-de tentar disfarçar no emprego sob pena de não corresponder ao que esperavam de mim. Ser uma mãe que trabalha faz doer mas só porque no fundo queria guardá-lo para sempre perto de mim. E eu não posso ser egoísta nem irracional, impedindo o bebé Vicente de crescer e conhecer outro Mundo. Mas quando abrir mão dele, quando o entregar e passar o primeiro dia fora, hei-de chorar essa nossa distância em silêncio porque ele nunca mais será só meu. E catorze meses de (quase) exclusividade, acreditem, custam a acabar.

fevereiro 18, 2011

O primeiro dia do resto das nossas vidas

Cada vez mais acredito no karma e numa espécie de equilíbrio cósmico que nos devolve tudo na mesma medida em que damos. Não no sentido esotérico da coisa, mas antes numa perspectiva de justiça universal que protege os audazes e castiga gente como a do post anterior. Para fechar esta semana, e depois de ser humilhada gratuitamente, recebi um telefonema com a confirmação de que sou agora uma mulher empregada. 

Sinto-me numa espécie de estádio intermédio: por um lado, absolutamente radiante por saber que não volto a depender da Segurança Social para quaisquer prestações (para as quais sempre descontei mas isso não interessa); por outro, completamente feliz por poder regressar a uma rotina profissional, aceitando um novo desafio que, mesmo começando do zero outra vez, me parece muito promissor; e ainda profundamente triste por saber que só me resta mais uma semana com o bebé Vicente. Estamos em fase de sondagem desesperada do mercado para conseguir um sítio saudável, feliz para ele ficar durante o dia e nada me podia magoar mais neste momento. Vou passar de 24h por dia com o Vicente para apenas 4 ou 5, um desafio enorme em termos de qualidade do tempo que iremos passar juntos. Bem sei que vou ter que aprender a confiar nas pessoas e fazer uma escolha responsável com a qual terei que viver no futuro sem pensar muito em que lhe muda as fraldas, como o fazem adormecer, como o tratam em geral. Mas agora, confrontada com a realidade desta situação, esta ideia dói muito mas sei que o dia teria que chegar. Sei que eles se adaptam facilmente a outras pessoas e a outros amiguinhos mas não consigo evitar sentir esta mágoa de o estar a entregar a outra "mãe".

Entretanto, há coisas para tratar e um guarda roupa para refazer que o dress code é business casual - o dia havia de chegar em que eu me tornaria numa mulherzinha. Mas a simples ideia de escrever um mail a cancelar o meu subsídio de desemprego chega para me encher de felicidade, mesmo. E se pensar ainda que a besta do post anterior ainda anda à procura de alguém que queira submeter-se ao seu veneno, então eu rejubilo - que maneira de terminar a semana em grande. Chegou a altura de, tal como o bebé Vicente, crescer mais um bocadinho.

fevereiro 15, 2011

Este país não é para pessoas normais

Como já há muito tempo que a vida não se encarregava de me presentear com novidades, hoje foi dia de festa - e não no bom sentido da palavra. Um dos meus deveres de desempregada é comparecer em entrevistas/concorrer a vagas que me são indicadas pelo Centro de Emprego. Pela primeira vez, recebi indicação de uma vaga bem perto de casa, com um ordenado sofrível mas com outras vantagens (nomeadamente a localização, que me deixaria, por exemplo, almoçar em casa). Devia então, segundo o Centro de Emprego, deslocar-me à empresa onde a vaga estava disponível, a fim de demonstrar o meu interesse e comprovar a presença no local. Teria três dias úteis para o fazer, sob pena de, caso falhasse, me  ser cancelado o subsídio de desemprego e anulada a inscrição no mesmo centro.

Fui recebida, desde logo, com as chamadas sete pedras na mão e deixada à espera numa sala sozinha durante cerca de meia hora, em que conseguia ouvir as conversas na sala ao lado. Má primeira impressão, pensava eu na altura, que nunca gostei de deixar ninguém à espera mas não imaginava o que se seguiria. A excelentíssima gerente da empresa começou por me dizer que eu não tinha nada que estar ali, nem bater à porta se não tinha sido chamada. Eu, cordialmente, expliquei que cumpria os meus deveres com o Centro de Emprego e que queria saber mais sobre a vaga. A excelentíssima gerente disse que não queria ter nada a ver com os meus papéis, que gente como eu só os quer assinados e trabalhar nada, fim de citação. Apenas olhando para mim, concluiu que não teria capacidades de chefia e que não perceberia nada de contabilidade, admitindo depois que nem sequer tinha lido o meu currículo. A partir daí, o que se seguiu foi basicamente ela a expulsar-me do gabinete e eu a insistir que me assinasse o comprovativo de presença, sem o qual posso perder o subsídio.

Muitas considerações poderia tecer sobre o estado em que se encontra este país, sobre os centros de emprego, sobre os patrões que se julgam acima de quaisquer direitos dos trabalhadores, sobre pessoas que desprezam quem se encontra em situações difíceis, sobre a forma como os nossos direitos são espezinhados uma e outra vez, sem qualquer tipo de contemplação. Muito poderia dizer sobre pessoas que se acham no direito de tratar o próximo abaixo de cão apenas porque o dia lhes correu mal, sobre as soluções que nunca chegam para o país sair da crise e aumentar a produtividade, sobre pessoas mal formadas e sobre a falta de humanidade crescente que se vê por aí. Mas não o vou fazer. Estou só cansada e profundamente desiludida mas a aprender. A vida ainda se vai encarregar de me mostrar cada vez mais como estou enganada sobre as pessoas.

fevereiro 14, 2011

Feliz dia de São Valentim

Indiferente às polémicas pró- e contra-o-dia-de-São-Valentim, indiferente ao facto de ser uma comemoração que há muito se foi instalando em todas as montras que se prezem, festejo hoje (mais uma vez) a incrível oportunidade que o destino me deu de (finalmente) conhecer a minha pessoa. É por ter também feito a travessia do deserto sentimental -  que faz com que muitos se insurjam contra esta comemoração -  que sei como é bom valorizar e preservar uma relação que só me tem feito crescer, melhorar como pessoa e que conheceu o princípio do seu auge em Setembro passado. Gosto de ser mãe mas ainda namorada, como se existisse neste estado uma réstia de adolescência que vamos deixando para trás, a profecia de um futuro que promete ser radiante. E não evito as lágrimas tímidas quando vejo os corações espalhados pela casa, consciente de que não me imaginaria em mais sítio nenhum: é contigo que quero estar.

fevereiro 08, 2011

Mudar de vida: o primeiro aniversário

Há precisamente um ano eu sentia que algo estranho se passava comigo mas não sabia o quê. Era o primeiro dia da nossa a vida a dois (a três, se contarmos com os últimos dias da minha irmã na nossa casa; a quatro, se pensarmos na nossa pulguinha) e tinha a sensação de que o resto da minha vida estava a começar ali mesmo. Mal sabia eu que não podia estar mais certa!

Há um ano atrás, fiz o primeiro teste de gravidez ( e digo primeiro porque não acreditei nos primeiros resultados e precisei de confirmar que o Vicente vinha mesmo aí) com aquele a que hoje chamam de meu marido e com a minha irmã, ambos excitados com a ideia e a tornarem os momentos de suspense ainda mais angustiantes. Quando vi o resultado, os meus sentimentos dividiam-se entre as náuseas que adivinhavam já os meses que se iriam seguir, a incredulidade, o pânico de imaginar a gigantesca responsabilidade de trazer uma criança ao Mundo e, acima de tudo, a extrema felicidade de saber que tinha gerado Vida com a minha pessoa. Nessa noite, mal dormi a pensar e a sentir uma avalanche tão grande de emoções contraditórias, enquanto o meu corpo trabalhava já incessantemente para fazer crescer aquele pequeno feijão. Ao contrário de muitas mulheres, não soube desde logo que estava grávida, o meu sexto sentido não estava a funcionar. E apesar de ter uma relação feliz e estável, de achar que teria ao meu lado o melhor pai do Mundo, de ter uma família que iria torcer por mim, eu sentia-me paralisar com medo.

Queria dizer a toda a gente mas, ao mesmo tempo, proteger este segredo tão precioso de olhares e opiniões alheias. Queria mostrar a minha felicidade ao Mundo mas, simultaneamente, achava que poucos eram merecedores de partilhar comigo esta imensa felicidade. Não me vou esquecer das botas que comprei nesse dia, das caras de alegria do pai e tia do Vicente, da maneira desajeitada e quase infantil como contei à minha mãe. E lembro-me de tudo hoje, depois de ter tido o ano mais feliz, incrível e difícil desta minha vida, enquanto o meu filho dorme a sesta tranquilo no seu quarto. E encho-me de saudades do tempo em que ele era um mistério para nós e penso que - talvez um dia - havemos de repetir a experiência!

fevereiro 04, 2011

Voltar às lides

Esta semana fui à minha primeira entrevista de trabalho pós-Vicente. Como já tinha dito, andava arredada do mundo profissional há seis meses, o que é tempo suficiente para as coisas mudarem muito mas, estranhamente, não estava particularmente nervosa com a entrevista. Lembro-me que, há uns tempos atrás, toda eu suava, quase tremia quando se aproximava a altura de ser entrevistada mas agora não sei, parece que relativizei as coisas e deixei de me sentir ansiosa com esses momentos. Preferia ter um emprego para onde regressar após a licença de maternidade mas também fico feliz de poder batalhar outra vez por um lugar, por poder conseguir melhores condições remuneratórias e desafios que me vão obrigar a sair da minha zona de conforto.

Não sei se do outro lado a sensação foi a mesma mas acho que não me saí mal na entrevista: estava suficientemente à vontade para não me engasgar e conseguir falar livremente sobre o meu percurso e as coisas que tinha aprendido e sobre tudo o que me torna uma pessoa indicada para o lugar. Não sei se senti alguma empatia naquele gabinete mas sei que gostei do silêncio daqueles escritórios, um sossego com vista para os arredores de Lisboa num dia tão frio quanto soalheiro. Conseguia imaginar-me a trabalhar ali, tranquila, a dez minutos de casa, supermercados mesmo ao lado, fazendo sempre o caminho contrário às imensas filas de trânsito, conseguindo um sítio mais em conta para o bebé Vicente. Mas ontem recebi mais uma marcação de entrevista, outra que me caiu assim no colo porque já me tinha candidatado há tantos meses que não esperava resposta. E, três respostas depois (tive mais uma que, aparentemente, ainda está em stand-by), confirmo as minhas impressões pré-parto: apesar da crise, eu sou uma optimista e a minha vida ainda se há-de voltar a compor quando menos esperar. Confio em mim, confio mesmo e sinto-me pronta a abraçar um desafio profissional. É só darem-me a hipótese de experimentar!

Acho que é hoje, se os guardiões das efemérides não se enganam: passam sete anos desde que escrevi o primeiro post neste blog. Digo neste blog porque antes tive outro(s), só à experiência, ainda sem saber muito bem o que fazer. Mesmo este começou com aquelas coisas românticas e meio patetas dos amores não correspondidos, coisas que me fazem corar de vergonha quando volto a trás. Mas a verdade é que mais um ano se passou e este terá que ser marcado para sempre pelo nascimento do bebé Vicente, que andou comigo o ano todo e que neste momento se ri enquanto sonha, deitado na sua espreguiçadeira. Aposto que perdi muitas visitas com o tema da maternidade mas ganhei outras que, ainda assim, gostam de me ler. Estou ansiosa por voltar à vida dita normal para que os assuntos se multipliquem, as novas experiências me marquem, o bebé Vicente continue a crescer. Continuo sem fazer planos e vou andar por aqui até que a vontade/inspiração/tempo se esgote, esperando sempre que haja alguém desse lado. Até lá, obrigada. Mesmo.