Não sou nem nunca fui grande fã dos transportes públicos de Lisboa. Pelo andar das coisas, acho que nunca vou conseguir sê-lo. Há pessoas que podem evitá-los e preferem usar o carro e enfrentar filas intermináveis e condutores irascíveis - tudo para não terem que suportar a feroz agitação entre os utentes de transportes públicos. Mas eu não quero ceder e muito menos tenho uma carteira cheia de notas que possa desperdiçar em intermináveis talões de parquímetros. Mas todos os dias sofro horrores quando entro na mesma carruagem e vejo as mesmas pessoas e saio no mesmo sítio.
A minha madrinha dizia que não usava os transportes públicos porque o cheiro das pessoas a repugnava. E portanto pagava mais para não as cheirar. Como eu não sou rica, pago antes o Metro 30 dias e, calhando, lá vou debaixo do sovaco dum trolha depois de 8 horas de cimento e inúmeras médias despejadas num golo. Ou então sentada ao lado duma mulher a dias, que passou o dia com as mãos mergulhadas em lexívia, depois arranjou o peixe à patroa e a seguir ainda lhe descascou umas quantas cebolas. Mas a esta gente uma pessoa perdoa: é gente que suou para alimentar a canalha lá de casa. Quantos de nós não chegámos já ao fim do dia com um leve aroma a eau du suvaque? Depois há os velhos que a) ou cheiram muito mal b) ou são sebosos c) ou contam pela enésima vez todas as suas operações e dinheiro gasto em hospitais e como isto tudo é uma vergonha. Mas a esse mal também já me habituei.
Esta semana os utentes resolveram fazer-me a vida especialmente negra. Ou isso ou então era tudo parte duma gigantesca conspiração cósmica contra moi. Num dia foi o estúpido músico intelectual que, com o seu instrumento à costas, falava ao telemóvel. Perdão, ele não falava: ele usava aquele tom de voz especialmente indicado para toda a gente nesse metro, todas as carruagens umas atrás da outras, saber o que se estava a passar. Que tinham que receber uma indemnização choruda (esta expressão usada até à saturação total...), que a cultura neste país andava pelas portas da morte. A minha escolha era ouvir isto ou rebentar com os tímpanos, levantando o som do ipod. Ouvi-o, claro. Depois foi a mulher (nem sequer vou falar do aspecto dela) que resolveu cortar as unhas à minha frente. Assim. Como se fosse a coisa mais natural no mundo e sem pensar na unhas que saltavam para todo o lado. Um autêntico nojo. Noutro dia, encontrei um amigo de um ex-namorado. Não há coisa pior de disfarçar, olhar para o lado, fingir que não se viu a outra pessoa (coisas que ambos fizemos) e depois acabar na mesma carruagem cheia, quase colados um ao outro. Ter que beijá-lo, então estás bom?, fazer conversa durante mais tempo do que o suportável. Não é que não se goste da pessoa mas a única coisa a ligar-nos já se foi: não há nada que me/lhe interesse, nada que possamos mesmo partilhar. Odeio esta espécie de hipocrisia e, no entanto, cedo.
E depois, hoje, a cereja em cima do bolo. As pessoas pensam que, lá porque se vai de phones nos ouvidos, não ouvimos nada do que dizem mesmo ao nosso lado. Assim, entram dois homens (também não comento o aspecto nojento... ups, já comentei) que ficam mesmo ao meu lado, porque a carruagem vai a abarrotar. Vejo que olharam atentamente para mim mas não ligo. A música acaba e ouço um dizer '...epá, lá isso era. Aqui tinhas fruta para todo o ano!'. Esta foi a fase um, em que me comecei a enojar. Depois, quando o volume de pessoas aliviou, colocaram-se cada um de seu (meu) lado. Um deles começou a fixar-me atentamente: primeiro a cara, depois só as mamas. E depois a cara outra vez, como se eu fosse dizer-lhe 'Sim, possui-me já aqui'. Não aguentei: pedi licença a outras pessoas e fui para o meio da carruagem. Quando ele saiu, lançou-me um olhar como se eu tivesse que pedir desculpa. E eu só a pensar que, no dia em que me sair o Euromilhões, declaro abertamente que não gosto de pessoas. E mudo-me para um sítio onde não tenha que as aturar.