fevereiro 26, 2019

Quatro anos de Malinha (como ela goste que eu lhe chame)

A nossa filha faz quatro anos hoje. A esta hora, há quatro anos atrás, já a tinha há muito nos braços e estava entretida a estudar-lhe aquela carinha inchada que parecia já vir zangada com o mundo. Não imaginava quão agitada seria a nossa vida nos anos que se seguiriam mas também não imaginava como iria gostar desta miúda, mesmo nos dias em que a sua missão é apenas uma: tirar-nos do sério. E olhem que são muitos os dias assim...

Hoje, Amália celebra o seu quarto ano de vida. É valente e, apesar de falar com algum receio de fantasmas e monstros, a verdade é que não tem medo de nada. Corre para todos os cães e gatos que vê na rua, perde tempo a estudar formigas e outros insectos que tal, admira os animais mais selvagens. Salta, trepa, atira-se como se o mundo fosse todo dela e, se por um lado sei que é porque ela não tem ainda noção do perigo, por outro sei que é a natureza dela. Ela é aventureira, audaz, ela quer experimentar tudo, parece querer engolir o Mundo duma só vez. O mérito não é nosso: é claro que a encorajamos a ser destemida e independente mas só ela sabe arriscar como se não houvesse amanhã.

É a filha do meio e isso vê-se bem, todos os dias. Tão depressa quer ser uma menina crescida como quer ainda ser uma bebé. Admira tanto o irmão mais velho e inveja um bocadinho do irmão mais novo, não se sabe para que lado se inclinará hoje. É irascível e doce: tão depressa me elogia (Mãe, és tão bonita!), como me proscreve do seu círculo próximo (Já não sou tua amiga!) apenas em alguns segundos. Diz muitas vezes que quer dar maminha aos seus filhos e, se a deixasse, ainda procuraria as minhas para se confortar. Parece que tem uma vontade gigante de crescer (Mãe, quando é que vou ser uma senhora?) mas logo se comporta como a menina de quatro anos que ainda é.

Aprende as coisas à velocidade e vontade dela. Sabe contar até doze em Luxemburguês mas emperra no sete em Português. Aplica-se em tudo o que faz e é capaz de se concentrar. Infelizmente, isto significa que também se pode concentrar nas birras que faz, o que origina às vezes mais de uma hora de choro e às vezes de gritos até chegarmos ao ponto de já não sabermos porque tudo começou. Quer mandar e impôr-se na escola e por isso talvez não seja muito popular. Se por um lado isto me parte o coração, por outro alivia-me saber que tem esta personalidade forte e só me resta esperar que a utilize para o bem. 

Se antes dormia muito mal e quase me levava ao esgotamento com a privação do sono, hoje é normalmente a primeira a adormecer e não são raros os dias em que volto a entrar no quarto depois de os deitar e ela já ressona mesmo. Largou fraldas e chupetas no ano que passou, as primeiras naturalmente, as segunda fruto da falta de chupetas em boas condições em casa. Em ambas as vezes, ela provou que eu estava errada quando pensava que ia ser difícil ou que ela ia resistir: à parte de um choradinho a querer usar fralda e uma noite a choramingar pela chupeta, ela surpreendeu-me com o seu poder de encaixe e com a sua força.

Ela nasceu sem me dar a hipótese de pensar ou mesmo de uma anestesia. Ela vinha determinada, pequenina mas cheia de vida e assim continuou pelos seus primeiros quatro anos de vida. Apesar de muitas vezes eu não conseguir apreciá-la como ela merece no meio dos seus gritos e exigências, amo-a com todas as minhas forças e apenas espero estar à altura da minha missão: mostrar-lhe o caminho atribulado duma mulher nos dias que correm e fazer com que ela não se demova com nenhum obstáculo. E a continuar assim, o céu é o seu limite.

fevereiro 14, 2019

Luxemburgo - Porto - Luxemburgo, pt. I


Aeroporto do Luxemburgo, dia um, nove da manhã

Às nove da manhã estava sentada frente a um café e a um sumo de laranja, a fazer tempo para a abertura da porta de embarque. Atrás de mim, dois homens falam numa língua incompreensível para mim, talvez sejam de qualquer parte dos Balcãs. Vão olhando para os monitores sem parar de falar ao telefone, cada um com seu interlocutor. No meio do discurso percebo que vão para Munique mas não compreendo mais nenhuma palavra.

Uma mulher pede para sentar-se na mesa onde outra espera o seu marido. Esta aceita com delicadeza e simpatia. O poder destes pequenos gestos tem ecos gigantes em mim e não posso evitar sorrir por uns momentos.

Deve ter aterrado um avião porque passam por nós pequenos grupos de homens de gravata e sobretudo. Trazem apenas o computador às costas, parecem vir só passar o dia. Às vezes parece-me absurdo mas há mesmo quem vá e venha todos os dias de Londres. Imagino que muitos devem estar a desbravar caminho para a mudança de Londres para o Luxemburgo.

É estranha a sensação de ir a Portugal e não ver os meus pais nem ir a Lisboa mas o tempo é curto e a viagem é de trabalho. Gostava de lhes dar um abraço e confortá-los um pouco. Não têm sido tempos fáceis: esta semana morreu-lhes um amigo, na semana passada uma tia. E eu aqui tão longe, a entristecer quando penso na distância. Para as coisas boas e para as coisas más, para as celebrações em vida e para as exéquias no fim.

Um hamburguer de alheira ao almoço, um polvo à lagareiro ao jantar. Se mais razões não houvesse, a comida far-me-ia sempre voltar.

Um escritório no décimo quarto andar, com vista sobre a foz do Douro. Poder trabalhar assim, em dias como estes em que não há uma única nuvem à vista, a luz sobre as secretárias, o Porto lá em baixo cheio de vida, é um autêntico luxo. Não vai haver tempo para visitas, nenhum turismo, a não ser durante o jantar. Mas nestas viagens acabo sempre a trabalhar muito mais ou pelo menos até bem mais tarde (porque não tenho ninguém à minha espera como em casa) e o dia termina sempre mais para o lado da exaustão.

Acabamos a primeira noite num Uber, sem muita vontade de falar. O carro cheira tão bem e está tão limpo e o motorista não diz uma palavra. Cada um entra no seu quarto de hotel, eu fecho as cortinas para poder dormir à vontade. E, hoje que posso dormir à vontade, rebolo na cama vezes em conta, com a sensação que pairo sobre o sono e que não estou propriamente a dormir. Já são horas de acordar?