Agora já é noite cerrada. Ainda são raras as vezes em que me lembro de ligar as luzes assim que também ligo o carro e não é estranho arrancar ainda camuflada pelo manto escuro da noite. A hora ainda está para mudar e por isso parece que a noite só ainda está a começar. Não há carros, não se ouvem passos senão os meus na calçada deste Verão tardio, frente às montras em pausa, esperando que o dia comece finalmente. Não me cruzo com outros condutores, a não ser talvez as carrinhas do pão ou da distribuição de jornais e às vezes sinto que me perguntam o que faço eu a pé a esta hora. Desci hoje para a A5 bem depressa mas antes parei para tentar captar a enorme lua cheia que se via atrás de Monsanto. Nada feito. Os vidros do carro e as doentias luzes amarelas, companheiras de insónia e madrugadores, evitaram que imortalizasse uma gigante bolacha no céu. Subo a alguma velocidade, ainda não há quase trânsito no sentido em que conduzo e a fila no sentido contrário está ainda longe também. Na rádio ninguém fala, as músicas sucedem-se suavemente no éter e a lua espreita entre blocos de apartamentos ainda em silêncio. Da auto-estrada vejo os open spaces vazios, de luzes brancas à espera da ordem para cessarem funções, aguardando os seus moradores que chegarão como formigas num carreiro. Estaciono em frente ao cemitério, como sempre, mas ao contrário de alguns dias à tarde, não sinto qualquer calafrio. Atravesso um andar inteiro de escritórios à escuras, como se aquele tivesse sido sempre o meu posto de trabalho. A máquina do café está desligada e eu, descubro mais tarde, fui incapaz de descobrir o botão on/off mesmo debaixo do meu nariz. São 6:53 e eu precisava de algum café, penso. Abro a janela, esperando passar despercebida, para ver o Sol a nascer. Chega a manhã, tenho Lisboa nas costas e o mundo de pequenos problemas com que me deitei ontem parece ter ficado algures pelo caminho. Há silêncio e a oportunidade de respirar bem fundo - descobri há pouco tempo que sou uma pessoa da manhã.
3 comentários:
Há um travo de bom gosto no titulo deste post.
Todos os dias, pelas 7h, saio de casa para fazer a corrida que tanto gosto ao longo do rio e com a frequência própria da lua vejo-a a desaparecer no poente enquanto no nascente o sol começa a brilhar ainda tímido, agora que já se nota tão bem como os dias estão mais pequenos.
Chegas ao trabalho às 6h53?
A essa hora ainda estou a comer chocapic em frente à sic notícias, a chorar pela cama perdida.
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