março 03, 2012

Voltar a casa (muitos anos depois)

A minha casa voltou a ser a casa dos meus pais. Neste momento em que as nossas vidas estão (mal) arrumadas em gigantes sacos de roupa e caixas envoltas em fita adesiva, voltei a casa. Desta vez trago mais alguém, um pequeno pirata que não quero mais longe de mim, embora me tire do sério várias vezes ao dia com a sua teimosia e tendência para fazer o que não deve.

Agora divido o quarto com ele, o mesmo sítio onde dei concertos para plateias imaginárias, onde sonhei acordada tantos dias a fio, onde sufoquei nos anos de maior calor e onde teclei tantas vezes noite fora, tentando não acordar os meus pais. Acabou-se esta parte da minha privacidade mas, em contrapartida, ganhei o gosto por uma respiração tranquila e um sono profundo. Por quanto tempo não sei - acho que enquanto as burocracias e os ordenados e as identificações nos impeçam de voltar a ser uma família como deve ser.

Ainda continuo a ter responsabilidades, ainda que atenuadas pelo facto de agora ter um pequeno tirano a meu cargo. Ainda se espera que eu cumpra deveres, continuamos a ter horas para as refeições e ainda continuo a ter mimos como se nunca tivesse passado dos doze anos. A grande diferença é que estes mimos agora se multiplicaram para chegar também para o meu filho que cresce entre as máquinas na cozinha e os sofás na sala. Posso ver as minhas avós todos os dias e fazer compras no supermercado do bairro, embora eu já não esteja habituada à falta de variedade de produtos e à ausência de filas para pagar.

É muito bom passar este período transitório no mesmo sítio onde cresci: estar sozinha com o Vicente noutra cidade, sem ajuda nem companhia tornaria este limbo em algo ainda mais doloroso. Mas aqui a conversa é outra e eu consigo mesmo ter uma tarde para ver um filme, com a certeza de que há sempre alguém a olhar por ele. Só não gosto desta ligeira sensação de falhanço: gostava de poder avançar sem poder tornar-me num fardo durante um período de tempo indeterminado. Só que eu sei que nos querem aqui e enfim, o tempo se encarregará de resolver as coisas. É só pena já não poder acordar ao meio dia...


2 comentários:

Catarina disse...

anda sobe até marvão um destes dias e vem ver a minha mercearia

Helena Barreta disse...

O seu cachopinho poder privar com as bisavós é um privilégio, ele agora ainda não sabe, mas mais tarde vai perceber e sentir como esta vivência lhe fez bem.

Um abraço ao pai do Vicente. Espero que logo logo as coisas se componham e possam reunir-se novamente.

Beijinhos