março 27, 2014

O estado das coisas: a saudinha

Aqui, como em tantos outros sítios pelo que leio por aí, o Inverno decidiu regressar assim que a chegada da Primavera se tornou oficial. Temos tido algum céu azul, é preciso dizé-lo, mas as temperaturas voltaram a estar abaixo de zero quando era suposto deixarmos os casacos em casa. Talvez por excesso de confiança na matéria do agasalho, talvez por estas mudanças um pouco drásticas na temperatura (no escritório da sede, em Zurique, fez sempre demasiado calor em contraste com as temperaturas exteriores), consegui arranjar uma faringite e um princípio de bronquite. O miúdo continua fino, sem sinais de contágio, o marido nem por isso e talvez seja o próximo. Ordem do médico? Ficar por casa, até para evitar contagiar os colegas. Quando temos um filho doente, o nosso coração parte-se um bocadinho ao vê-los tão desprotegidos mas quando estamos nós doentes, especialmente a tantos quilómetros do que nos é familiar, também se nos aperta um pouco o coração com a sensação de que não quem tome conta de nós. Sei cuidar de mim e não estou incapacitada mas não ficava chateada se me viessem trazer uma canjinha à cama, if you know what I mean.
 
O médico que me atendeu disse-me umas duas ou três vezes que não tinha nada contra os Portugueses, o que me fez pensar que se calhar até tem. Falou-me bastante dos Portugueses que chegam e não se integram e por momentos pensei que falava de mim, já que lhe pedi para explicar os meus sintomas em Inglês - é-me mais natural e podia explicar-me melhor. Também me pareceu impressionado quando lhe disse qual era a minha profissão, talvez porque esperasse que lhe respondesse que era femme de ménage ou algo do género. Em sua defesa, apesar de tudo, tenho a dizer que no essencial me tratou bem.
 
Depois foi o raio do farmacêutico. Começou a ler a prescrição e diz-me logo "Isto é tudo para si?", com um olhar de desconfiado. Eu respondi que sim senhora e ele diz-me qualquer coisa do género "Mas atenção, o Inverno já acabou!". Na minha cabeça, o que me apetecia dizer era "E ENTÃO, QUAL É O PROBLEMA? ONDE É QUE QUERES CHEGAR COM ISSO?" - limitei-me a abanar a cabeça e a sorrir. Enquanto me preparava os medicamentos, ia sugerindo delicadamente que o médico me tinha receitado uma dose cavalar, que se não caísse para o lado com um, de certeza que o conseguiria com o medicamento a seguir e por aí fora. Tudo isto enquanto acabava de mastigar os restos do almoço que ainda tinha na boca. Maravilha. Lembrem-me de nunca mais ir àquela farmácia.
 
Estar doente e ter, consequentemente, de lidar com profissionais de saúde é uma das coisas mais dificéis de viver aqui. Explicar sintomas numa língua que não é a nossa pode ser complicado ou, pelo menos, vexatório. Normalmente tento em Francês, o que implica que tenho que fazer o trabalho de casa e estudar as expressões mais importantes, procurá-las no dicionário para estar confiante quando tiver que falar e isto torna estas ocasiões em momentos um bocado intimidantes. Este país está bem preparado para acolher o número gigantesco de imigrantes que aqui vivem, legais ou não, mas é nestes momentos que sinto que não é a mesma coisa chegar a um secretariado médico a falar Luxemburguês ou um Francês deficiente, como é o meu. Há serviços que nos deixam procurar médicos que falem uma língua específica mas a experiência que tenho é que, no fundo, eles esperam sempre que possamos ser proficientes nas línguas oficiais do país. Com toda a legitimidade, penso eu mas com o que isso significa para quem não domina nenhuma delas. Até me custa a imaginar as pessoas que vêm sem saber mais que a língua mãe e se calhar até evitam estes contactos até que não possam mais.

Portanto, o plano é manter-me saudável pelo máximo de tempo possível para não ter de procurar online se prise (de sangue) é uma palavra feminina ou masculina. Raios partam a emigração para países onde não se fala Inglês, Espanhol ou Português!

4 comentários:

Vasco disse...

Isto lembra-me quando morava em França, com o meu Francês do mais básico que há. Uma ida ao médico, um telefonema para qualquer instituição e eu tinha de planear bem as frases que ia dizer! Há mais de 8 anos por Inglaterra e EUA, nunca mais tive esse problema :-)

Agora estou a considerar ir para um país com uma língua "estranha", faz-me bem lembrar-me dessa questão...

Johnny Attic disse...

Em Londres, onde estive, nunca tive esse problema, fui sempre bem tratado, o hospital estava quase vazio sempre que me dirigi lá, em todas as três vezes e, na última vez, até me fizeram um questionário de uns 20 minutos. Até pensei que era qualquer coisa grave mas não, como era a terceira vez com os mesmos sintomas (faringite) deviam pensar que tinha alguma bronquite ou coisa do género. E nunca paguei nada, nem pelo raio x que fiz!

Dalma disse...

Marisa, já agora conto-te a minha experiência de há talvez 20 anos. Como acontecia todos os anos eu e o meu marido tirávamos sempre uma semana de férias numa qualquer cidade da Europa, filhos claro está recambiados para os avós! No ano a que me refiro, estávamos em Viena de Áustria e não é que eu fiquei com uma infeção urinária?! Só quem não teve é que não sabe como é incapacitante! O que fazer num sítio em que na altura praticamente só se falava alemão, língua que para nós era como chinês?!
Felizmente a minha irmã já na altura falava fluentemente alemão, então eu telefonei-lhe do telefone do hotel ( nessa altura o Steve Jobs ainda não tinha sonhado os iPads!) expliquei-lhe os sintomas, ela traduziu-mos para alemão, eu escrevi-os num papel e quando o médico chegou ao meu quarto no hotel, mostrei-lho! Lá me receitou um antibiótico e usando o inglês nas instruções genéricas lá resolvemos o problema!
Bom a partir daí, o que significa uns 20 anos NUNCA mais fui para fora sem um antibiótico na mala!
Bom Marisa, depois disto só me resta desejar-te as melhoras! Bjis

M. disse...

@Vasco, como já tiveste fora sabes certamente que isso se ultrapassa ;) é claro que é um pouco constrangedor mas não incapacitante.

@Johnny, não me queixo da qualidade dos cuidados aqui. Pagamos no momento mas entre 60 a 80% é-nos devolvido pelo estado. As instalações são top notch mas a verdade é que senti ali uma pontinha de pouca simpatia pelos Portugueses, só isso ;)

@Professora Dalma, que aventura! E que boa ideia viajar já prevenida, é daquelas coisas que uma pessoa aprende com o tempo. Já melhorei bastante, o descanso do fim de semana foi útil, obrigada!