Quando imaginei como seria o primeiro filho, era uma criança muito delicada, meiga e acedia prontamente a qualquer pedido que lhe fizessem. Adorava a família e amigos e demonstrava esse afecto de maneira inequívoca e exuberante. Gostava de ter tudo arrumado, de brincar em silêncio quando a ocasião assim o exigia e sabia partilhar o que tinha desde tenra idade. Teria, na minha ingénua cabeça, o filho perfeito.
Hoje, mais de quatro anos passados, sei apreciar as pequenas vitórias e também a estratégia que usámos para consegui-las. Uns dias corre tudo muito mal, noutros as coisas parecem estranhamente certas, demasiado perfeitas para serem verdadeiras. Como esta manhã, em que contei zero birras, em que consegui que se levantasse sem nenhuma reclamação, em que ele soube à primeira o que queria comer e deixou sem reservas que o vestisse, em que lavámos os dentes juntos e em que o deixei na sala de aula sem um grito, uma lágrima, um esgar de teimosia. Apenas um até logo, um abraço e cinco ou seis beijos que nunca sei conter. Saí da escola com a maravilhosa sensação do dever cumprido sem perder mais uns meses de vida com as chatices das manhãs, feliz ao passar pelos pais que certamente sofrem do mesmo todos os dias, capaz de enfrentar o dia de trabalho sem já algum amargo de boca.
Ainda não domino totalmente alguns momentos do dia ou alguns acontecimentos específicos, como o banho, por exemplo. Ainda não percebi que espírito toma aquele corpinho de quatro amorosos anos e o transforma quase num miúdo a precisar de exorcismo. E também ainda me falta descobrir como conseguir que não chore sempre que o vou buscar a casa da senhora que toma conta dele quando sai da escola. De resto, ajuda muito falar sobre as coisas e, infelizmente para nós, repeti-las vezes sem conta. Andamos agora a lutar com trauma de dormir sozinho quando está a chover e vou conseguindo sucessos pequeninos: primeiro, dormia na nossa cama; depois, arranjei um amiguinho com música que o ajuda a voltar a dormir se a chuva se tornar muito forte; finalmente, elogio-o muito quando volta a adormecer e passa a noite inteira na sua cama. Fica orgulhoso por ser tão valente e eu espero que isso lhe fique na memória. Depois há sempre a questão de escolher as batalhas: não me chateio muito com os brinquedos que quer levar para a banheira, não insisto nas refeições (mas deixo claro que não há direito a fruta se nem se tocou no prato principal), deixo-o vestir a camisola da selecção até não poder mais.
Às vezes é duro: se não sou fã dos castigos corporais, também não me agrada a constante negociação para as coisas mais simples. Só que não me posso esquecer: é inútil tentar que ele seja razoável e racional nas birras que faz. O mundo é dele, roda em torno dele, serve para o satisfazer. O nosso trabalho é mostrar-lhe, lenta e construtivamente, que não é bem assim. E a seguir o que há a fazer é comemorar com ele as pequenas vitórias, os pequenos passos que dá em direcção a uma vida sem birras, inspirarmo-nos nestes pequenos sucessos para tentar inventar a receita dos próximos e saludarmos a boa e saudável dose de frustração que vem destes pequenos nadas.
2 comentários:
Querida, ser mãe nos tempos de hoje não é fácil, eu sei, mas há que ir em frente, um dia de cada vez como se as birras de ontem não tivessem existido!
Oh se eu faço isso, professora! Hoje de manhã, por exemplo, foi um dia completamente diferente de ontem e houve pouca coisa para festejar. Mas a vida continua, claro :D
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