Uma mulher espera o médico numa sala silenciosa, acompanhada por um estranho. Espera por uma ecografia que lhe mostre se o bebé está bem. Não fala a língua do país onde está nem nenhuma outra que a possa ajudar a comunicar com os outros. O estranho tenta traduzir-lhe as instruções do médico através de palavras soltas que repete articulada e calmamente. Às vezes ela percebe o que lhe dizem, outras não faz ideia do que se passa com o filho. Esperam os dois em silêncio, sem trocarem mais do que as palavras absolutamente necessárias. Este é o quarto filho dela mas o primeiro num país europeu, é difícil saber se alguma vez fez uma ecografia. Ao mesmo tempo, o marido atravessa a Europa em direcção ao primeiro país que o acolheu. Não tem o direito de ficar no mesmo país onde está toda a sua família e não lhe resta senão inventar alternativas. Um dia mais tarde, pede a um conhecido que ligue ao estranho que acompanhou a sua mulher. Falam os dois numa língua que lhe é estranha mas é o suficiente para que ele descanse ao saber que a mulher não está sozinha.
Noutra zona da cidade, uma família de onze pessoas vive numa só divisão. São nove crianças e os pais a dormirem em pouco mais de vinte metros quadrados. Fugiram do seu país, como tantas outras pessoas, sem se saber muito bem porquê. Perseguições políticas, religiosas ou étnicas - os motivos, no fundo, não são importantes. Esperam pacientemente que algum responsável político decida se o seu futuro passa pela liberdade num próspero país europeu ou se devem regressar ao pesadelo que tentaram deixar para trás. Uma equipa de estranhos tenta aliviar-lhes os obstáculos da integração e ajudar a estabelecer uma rotina quotidiana, especialmente importante para as crianças, para criar a ilusão de normalidade. Não podem trabalhar e devem viver com uma quantia irrisória que lhes é atribuída pelo estado mas têm um tecto e alguém que vai tentando tratar deles até que chegue o veredicto final.
Ouço estas e outras histórias diariamente da boca do meu herói. Somos filhos da última vaga de emigração mas não somos refugiados. Temos direitos e podemos circular livremente pela Europa. Podemos escolher e candidatar-nos a qualquer emprego. Não dependemos de uma decisão estatal nem de nenhuma comissão de avaliação incapaz de pesar e decidir na proporção dos dramas que lhe aterram no colo. Deixámos o nosso país para trás mas continuamos a ser mestres do nosso próprio destino. Ouvir falar desta gente é, às vezes, tão inspirador quanto profundamente triste. E faz-me sentir absolutamente fútil e superficial com as minhas angústias de primeiro mundo. Faltar-me-ia estômago para lidar com isto todos os dias e ver famílias inteiras serem deportadas para o sítio de onde tentaram fugir. Mas vivo ouvindo estas lições sobre solidão, coragem e solidariedade e sou feliz por ter escolhido um marido que vive para tentar fazer o Bem. Oxalá tenha sempre forças para aguentar estes nós na garganta e para ver além do superficial. Não se fazem muitas pessoas assim.
2 comentários:
Que realidades tão tristes. Deve ser difícil para um homem de Bem gerir as emoções ao lidar com casos como esses. Que o seu marido continue a ajudar e a fazer o melhor que pode por essas pessoas.
Querida Marisa, tens toda a razão quando dizes que muitas vezes nos queixamos por futilidades, é isso mesmo futilidades perante esses dramas! É muito difícil por um lado não ter pena dessa gente, por outro saber que é impossível à Europa abrir os braços a todos eles... O teu M. deve ser também um médico de almas pelo que depreendi do que escreves...
Beijinhos
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