É uma declaração um pouco radical mas sinto que, como noutros aspectos da minha vida, estou a ficar velha para a música. Eu, que sempre quis tocar um instrumento mas a quem faltou a coragem e a preserverança para aprender; eu, que sempre tive esta voz de bagaço desde que me lembro ou pelo menos desde a adolescência em que começou a ser motivo de chacota entre os rapazes; eu, que sinto ter noção do ritmo mas nunca da afinação - falta-me paciência para a música actual que passa nas rádios luxemburguesas.
Não sou nenhuma erudita nem sequer fundamentalista da música. Há coisas que não consigo ouvir mas gosto de muitos géneros musicais e tenho os meus guilty pleasures. Não percebo nada de composição nem de acordes e muito menos da verdadeira qualidade. Eu gosto da música que me faz sentir triste, da música que me faz recordar, da música que me dá ânimo nos dias em que preciso de ajuda. Nas rádios luxemburguesas não passa música alternativa, não passa música rock nem sequer indie. Não passa boa electrónica, não se ouve folk - só podemos ouvir as canções pop que chegaram aos topes sabe-se lá a custo de quê. São as mesmas que se ouvem nas feiras por aqui, são de mastigar e deitar fora, não se podem levar a sério. Não há estações para minorias como em Portugal, não há intérpretes obscuros, música nebulosa, estrofes que não seguem a ordem generalizada. Não se ouvem baladas para corações que deixaram de funcionar, não há versos que contém em si a evocação de um dia que nunca mais voltará, não ouço música portuguesa.
Quando o meu filho nasceu, eu morri temporariamente para a música, para os livros, para a televisão e o cinema. Durante meses, pensei que nunca conseguiria ressuscitar e apetecia-me chorar. Ele era tudo em que eu conseguia pensar e não existia espaço dentro de mim para nada mais - ele tinha-me acabado com um vazio. Mas o tempo passou e eu consegui voltar a olhar para fora. Consegui aguentar mais do que duas páginas esporádicas, consegui sentir coisas a ouvir música, consegui chorar a ver filmes. Afinal, isto tinha cura. Só que acordei para um mundo limitado e vejo-me muitas vezes a ir buscar a minha música lá atrás.
Por isso, a minha música traz raízes. Traz recordações mais ou menos dolorosas de noites de incertezas, traz os momentos exactos em que tudo parecia, afinal, fazer sentido, traz estações e meses a reboque, traz-me a minha vida até chegar aqui, agora. Hoje é-me mais difícil descobrir música nova, especialmente devido à falta de tempo para fazer tudo o que me dá prazer mas ninguém me pode roubar tudo o que já ouvi (e me marcou) desde que os meus pais me ofereceram uma aparelhagem e dois cds. Mas a música continua sempre, sempre comigo, mesmo nos dias em que a rádio parece conspirar contra mim. Cada amor teve a sua música, cada desilusão a sua playlist, cada conquista a sua própria banda sonora. É isto que também me define. Muito. E esta vai pelas noites que passei sozinha, interrogando-me se o problema seria eu. Não era, sei-o agora, e a música ajudou-me a exorcizar os meus fantasmas.
1 comentário:
aposto que consegues ouvir a Radio Radar online...por isso não há desculpas ;-) toca a sintonizar e a dançar ou chorar ou seja lá o que for !
beijos
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