Já há três dias que, no final dum dia de trabalho, a metereologia me dá a alegria de umas abertas no regresso a casa. Este acontecimento, tão imperceptível talvez para outros olhos, opera em mim uma inegável mudança de humor e faz-me trocar o cansaço de um dia de trabalho por uma breve euforia de final de dia.
Sair do trabalho aqui é uma coisa poética para mim. Não basta a felicidade de me encontrar liberta destes deveres e ainda a máquina capitalista onde sou rodinha da engrenagem me larga em pleno campo. Não são só prados e floresta, na verdade. Antes de me poder esquecer de tudo ainda há obras em que só se fala português, edifícios por acabar, um stand de automóveis. Mas quando me liberto de tudo isto, aí sim, a alegria, quase uma comoção, toma conta de mim.
À minha frente, um prado a perder de vista com erva que me chega seguramente à cintura, verde a perder de vista. À minha esquerda uma criação de cavalos, anfitriã de concursos internacionais e tudo, numa casas de madeira gigante e com muitas janelas que captam o Sol nos melhores dias. À minha direita, um bosque frondoso ladeado por um caminho cujo nome nunca conseguirei pronuciar correctmente e onde alguns funcionários correm na hora de almoço. É pena circularem carros, caso contrário o silêncio seria pastoril.
A paragem de autocarro está invariavelmente deserta sempre que chego e aproveito para respirar fundo depois dum dia em frente às máquinas. Há uma alameda de árvores na sua continuação, plátanos talvez, que mudam explosivamente de cor nesta altura do ano. Nos bons dias, nas boas tardes com abertas, eapanto-me com o amarelo sobre o vermelho sobre o verde do prado e o azul tímido do céu. Quando não chove, tudo é inexplicavelmente perfeito e eu só desejava ter mais tempo livre apenas para olhar.
O caminho para casa é feito num autocarro quase vazio e onde, estranhamente, se ouve pouco português. Desfilam campos verdes pelas janelas, aparece a cidade do Luxemburgo ao longe e percebo mais uma vez como tudo é pequeno aqui. Passamos por vacas deitadas vagarosamente nos prados, à frente dos gigantes rolos de feno, cobertas às vezes pela neblina dos dias sem abertas.
Os aviões cruzam os céus baixinhos, dá vontade de acenar. E eu aceito que é nesta terra que vou vivendo, é nesta terra que tento, a custo, criar raízes e penso que, enquanto não me passar esta mania adolescente de ver poesia em tudo, nada está perdido. Esqueço o amanhã e o daqui a uns anos e abraço este momento aqui.
2 comentários:
Bate sair do trabalho para a Av Fontes Pereira de Melo, de facto (onde não é aconselhável inspirar muito fundo)
Há dias deixei um comentário à cerca da felicidade de poder passar nos campos e ver a sentir a "Fall". Acho que não foi publicado porque como acontece a maior parte das zezes não acerto com a "prova do Robot".
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