janeiro 26, 2012

Estado das coisas

A minha ausência explica-se em três palavrinhas muito simples: falta de saúde. É verdade, 2012 ainda só leva vinte e poucos dias e já teve o condão de me provocar incómodos durante uns dias, deixar-me de cama noutros e fazer com que uma simples recuperação me ensine algo que, francamente, eu dispensava: chorar de dores.

Não vou, pelas razões óbvias, entrar em pormenores sobre o teor deste problema. É suficiente dizer que não passou com medicação e se resolveu (ou pelo menos, parcialmente) com um bisturi à mistura. Se antes da coisa se dar, eu já tinha passado dias num limbo horrível de dores, em que levantava apenas a cabeça da cama à procura de mais um comprimido, depois também não tem sido melhor. Perdi a minha ligeireza, custa-me tossir ou gargalhar e as dores da convalescença são do mais atroz que já senti. Dores de parto e pós-parto? São peanuts ao pé do que tenho sentido nos últimos dias. Custa-me a pegar o Vicente ao colo, a descer escadas, a levantar-me do sofá e foi tudo demasiado inesperado para o meu gosto. É como se a dor devesse primeiro dizer "Hey, prepara-te, estou quase a chegar!".

Depois do penso de hoje, posso dizer que devo ter afugentado todas as pessoas que esperavam as consultas externas no hospital. Descobri gritos que não sei de onde vieram. E a ideia disto se repetir, dia após dia, deixa-me em pânico. Portanto, é normal que a maior parte dos meus dias seja passada concentrada em sentir a menor dor possível durante o mais curto espaço de tempo. Não é nada de grave, é certo, mas a minha percepção está evidentemente toldada pela dor excruciante que tenho sentido nestes últimos dias. E as previsões da Maya dizem para hoje:

SAÚDE: Dia pautado por algumas indisposições; poderá ter de anular alguns compromissos.

Um eufemismo, digo eu. E se por "anular alguns compromissos" ela quer dizer "encerre-se em casa em posições confortáveis, de modo a não incomodar o Mundo com os seus desconfortos", então ela tem toda a razão. Acho que agora entendo melhor o mundo de algumas pessoas com mais de 65 anos e uma colecção de operações.

janeiro 15, 2012

15 anos!

Quando chegar Setembro deste ano, passarão quinze anos desde que me mudei para Lisboa. Hoje, repentinamente, dei-me conta que já passei quase tantos anos aqui como em Portalegre, o que me faz sentir literalmente dividida entres estes dois amores. Tinha dezassete anos quando me mudei e comecei a viver com amigos, quase paralisada com a liberdade que me concedia esta independência e maravilhada com a vista que tinha daquelas águas furtadas na rua Sabino de Sousa. Não sentia medo de Lisboa nem achava que me ia perder e adorava contar ao meu avô que existiam muitos autocarros com o número dezasseis que passavam de dez em dez minutos e ver a sua cara de espanto. Já há uns anos que voto aqui porque não faz sentido escolher representantes numa cidade onde já não vivo e onde cada vez mais me sinto um pouco estranha. O meu filho nasceu lisboeta e tanto que eu gostava que ele fosse alentejano! Tenho uma tarefa muito difícil em mãos, que é fazê-lo ser um bocadinho alentejano.

Na prática, tudo isto significa que vive metade da minha vida em Portalegre e a outra metade aqui. Apesar de para sempre me sentir alentejana e de sonhar muitas vezes em voltar a casa, já não sei muito bem onde pertenço. Senti muitas vezes a solidão de viver numa grande cidade mas também pude gozar do seu anonimato. A minha racionalidade dita que é em Lisboa que devemos viver mas o coração às vezes grita que é para Portalegre que devíamos voltar. Às vezes penso que a solução seria encontrar um lugar a meio para poder alternar entre um mundo e outro. Entretanto, lá me vou rendendo ao laite e ao joalho.

janeiro 07, 2012

Uma mulher só


Eu estava a conduzir, a voltar para casa mas foi como se de repente as minhas mãos e pés dominassem a minha cabeça e a minha vontade e trouxeram-me aqui. Vejo pastos verdes, charcas, sobreiros e algumas queimadas até os olhos alcançarem o horizonte. No ar, apenas o som de alguns carros que passam ao longe e uma motoserra que alguém opera nas redondezas. De resto, só o som do vento frio a esgueirar-se entre as urzes. Está frio mas esse é um pormenor secundário para quem precisava deste momento há tanto tempo.

Se alguém passar, ficará provavelmente intrigado com aquela jovem mulher sozinha, sentada inspirando a vista com sofreguidão, gravando da memória o silêncio desta serra. Quem passar não compreenderá e por certo estranhará a sua imagem, olhando de frente o Sol, imóvel num banco de tijoleira. Só que esta é a calma que tanto procura, este é o sítio com que sonha frequentemente e que, não lhe podendo aliviar as dores, dá ao menos para respirar bem fundo.

Esta mulher que criou já a sua herança, que gerou no seu ventre o melhor legado que pôde, hoje está só, perdida apenas entre os seus pensamentos e o frio que desce da serra da Estrela. E é apenas mesmo isso, apenas uma mulher escrevendo debaixo do Sol de Inverno.