julho 30, 2012

Mais uma volta, mais um emprego!

Esta semana recebi a notícia pela qual tanto esperava: vou mudar de emprego. Eu não procurava emprego -  a minha ambição não me leva ainda a tanta mudança. Mas recebi um dia uma chamada para uma conversa sobre um emprego que talvez me interessasse e fui. Depois fui convidada para uma entrevista e também fui. E no fim parece que correu tudo muito bem e o emprego é meu.

Enviei muitos currículos em Abril, assim que nos instalámos. Enviava uns dez por dia, talvez. Recebi bastantes respostas, maioritariamente explicando que o meu perfil não se adequava ao que procuravam mas agradecendo a candidatura. Fiquei pelo menos com a sensação de que aqui se tratam os candidatos com um pouquinho mais de dignidade e anunciam-se também os Não em vez de deixar os deixar no limbo de não saber o que esperar. Claro que muitas empresas nem se dignaram a responder: pelos vistos, um e-mail pré-formatado, automático, com duas ou três linhas ainda tem muito que se lhe diga.

Deixo o meu emprego presente num misto de alívio e satisfação. Já aqui tinha escrito como me sentia perdida nesta empresa, sem conseguir perceber se realmente fazia alguma diferença. Mas acho que esta semana senti pela primeira vez que estava a encontrar o meu lugar ali - já devia saber que não podemos ter everything, all the time. Saio satisfeita por vários motivos: o novo emprego parece-me mais desafiante e mais geek, o que me faz instantaneamente sentir melhor; a diferença salarial é do género Oh nem quero acreditar que vou receber isto!; consegui negociar as condições salariais pela primeira (e acho que única) vez com um bluff simpático; consegui manter as férias já marcadas e ainda adicionar uns dias extra antes do contrato começar.

Estou cheia de vontade de começar! Parece que há toda uma onda de promessa no ar e eu posso aspirar a ser um bocadinho mais do que tenho sido até agora. O meu chefe pareceu-me uma pessoa muito prática e pouco dada a futilidades ou aparências. Só espero (com muita força) não me arrepender e ir parar a algum buraco profissional muito escuro. Mas enfim, quem não arrisca não petisca e eu assumo a minha vontade de arriscar. Sempre.

julho 27, 2012

Burro velho não aprende línguas

Quando decidimos vir para o Luxemburgo, talvez o meu maior medo fosse o da língua. Apesar de aqui em casa um falar bem Francês e outro razoável Alemão, nenhum de nós sequer arranha o Luxemburguês. É claro que conseguimos viver (até porque ambos ainda falamos Inglês, Espanhol e, claro está, Português) mas não é a mesma coisa. É verdade que o Português está por todo o lado - no outro dia tirei os phones por momentos no autocarro e, não fosse a temperatura e o tamanho do autocarro , parecia Lisboa) mas isso não é estar integrada.

Como quero estar totalmente integrada nesta comunidade que, até ver, tão bem nos acolheu acho essencial saber o pelo menos o mínimo da cultura, da identidade e da língua. Falamos o Português em casa e esperamos conseguir que o Vicente ainda apanhe algum também mas todo o resto em feito em línguas estrangeiras.

Apesar de tudo, temos a vida facilitada porque o Francês foi a língua escolhida para a legislação e expedientes administrativos e porque toda a gente o fala. Mas outra questão se me colocou: e quando o Vicente andar na escola e precisar de ajuda para o Luxemburguês? É uma ajuda sabermos algumas coisas para reduzirmos a possibilidade de ele falhar.

Para as pessoas que dizem que saber Alemão chega para o Luxemburguês ( que devem achar o mesmo do Flamengo ou Neerlandês) eu tenho uma palavra: não. Se fosse, eu pegava em dois ou três manuais e dominava isso. Só que não dá: a ortografia e os fonemas são muito diferentes. Mas nada que umas horas de estudo e um curso na comuna não possam resolver. Ou assim espero, que não sei quanto mais conhecimento consigo enfiar na mona!

julho 19, 2012

Eu, que sou uma pessoa descrita por alguns como anti-social, às vezes tenho muita inveja de quem tem grandes grupos de amigos. Se, por um lado, me sinto auto-suficiente no meio da minha pequena família, por outro parece que há ali um vazio qualquer que nunca, até hoje, soube preencher. Lembro-me de viver em Berlim durante aquele Erasmus, de ter sempre amigos de um dos companheiros de casa a chegarem e a partir, a enviarem fotografias e a trocarem cartas e eu a perguntar-me porque raio não me acontecia aquilo com os meus amigos. Nunca encontrei resposta para isto mas esta maneira de estar sozinha no mundo ensinou-me a viver também sozinha.

Eu gosto muito dos meus amigos. São poucos e alguns têm cada vez menos tempo para nós e para os outros mas isso não impede que eu goste deles. Só que não posso ignorar que uns nos têm mais no pensamento que outros e que até nós sofremos dessa diferenciação. Gostava que nos importássemos mais uns com os outros, que tentássemos encontrar gestos que sejam especiais para cada uma das nossas amizades mas, francamente, às vezes parece que toda essa preocupação cai em saco roto.

Estar longe (outra vez) não é fácil. É verdade que os horários eram incompatíveis, as vontades também mas sempre se podia combinar um picapau no café da esquina ou um gelado no Chiado. Estar sem amigos é difícil e torna este caminho muito mais penoso. É por tudo isto que eu celebro ainda mais os amigos que conquistei recentemente, os amigos que, apesar das distâncias, apesar de terem chegado apenas agora, mostram o calor de quem já cá anda há muito tempo. E, mais do que isto, eu celebro uma amiga: neste momento confuso e difícil, era tudo o que eu precisava. E, como um pouco em tudo ultimamente, eu tive a sorte de conseguir uma assim. As coisas que ela me oferece não se podem comprar e talvez nem as pudesse pedir a outra pessoa. Às vezes ela chega a ser o meu grilinho falante sem o desconfiar, fazendo-me acreditar mais no meu instinto e lembrando-me que tanta ansiedade nunca levou ninguém a lado nenhum.

Eu gosto muito dos meus amigos mas gostava que estivéssemos (metaforicamente falando) mais perto, que pudéssemos celebrar mais amiúde esta nossa ligação. Não me esquivo às responsabilidades e prometo também não deixar os laços esmorecerem, seja lá como for. Entretanto, recebi uma carta linda e fiquei realmente menos só.

julho 12, 2012

Capital de província




Às vezes lembro-me que já passaram quase quatro meses desde que chegámos. Digo às vezes porque sinto que me habituei a este país, a esta cidade, a este subúrbio mais depressa do que imaginava. A minha rotina, a nossa rotina, apesar de ser muitas vezes rígida e difícil de gerir, sabe-me bem. Ajuda muito que as coisas tenham corrido sempre com uma fluidez a que não estávamos habituados na confusa e burocrática república portuguesa. Não é cedo para olhar para trás e rir-me daquelas três ou quatro semanas antes da nossa partida, uma família partida em dois, ansiosa por recomeçar, nervosa com o salto, de coração meio partido por deixar tudo para trás. Ajuda muito já estarmos habituados a ser apenas três e a gerir o nosso tempo sempre com isso em mente. Mas ainda dói um bocadinho, não vou mentir.

O que eu mais gosto aqui no Luxemburgo é que há campo por todo o lado. Há campo a poucos metros da porta, há campo a rodear centros comerciais e escolas, a campo dentro da cidade. Cada vez que passo na ponte Adolphe parece que estou mesmo noutro mundo e não sou capaz de não impressionar com todo o verde que divide estas duas partes da cidade. Há percursos pedestres no campo, o centro de reciclagem está rodeado de prados verdes, há passeios onde a erva nos passa a cintura. Nem quero que o Inverno chegue para me apagar estas cores.

A cidade do Luxemburgo é uma capital europeia e, mais que isso, aloja algumas das instituições europeias mas não é realmente uma metrópole no que diz respeito a habitantes ou a dimensão. Há muitíssima gente a entrar e sair do país todos os dias para trabalhar, há demasiados carros para um país e uma capital tão pequenos, há transportes públicos que nunca mais acabam mas no fim sinto que isto está a milhas de Berlim, de Londres, que raios, de Lisboa! Só que, em contrapartida, aqui há muito sossego e as pessoas ainda se cumprimentam aqui e ali. Muitos dos meus colegas optaram por viver nos países à volta, especialmente atraídos pelas baixas rendas mas perdem umas duas horas por dia em transportes e perdem algumas regalias sociais. É, até agora, um bom sítio para viver.

(eu ia acabar isto sem falar do tempo mas não posso, não consigo. 12 graus a meio de Julho? Chuvas torrenciais e nuvens negras todos os dias? No Inverno ainda se aceita, faz parte, mas agora? É o gigante defeito deste país, especialmente para quem vem de um país com tantas horas de Sol e de uma cidade com Verões tão quentes. Custa olhar para a rua todos os dias mas há que pensar em tudo o que há de bom. O tempo é apenas um pormenor - isto sou eu a tentar convencer-me...)

julho 10, 2012

Ossos do ofício

Ora estando eu longe (mais uma vez) de ter encontrado a profissão de sonho ou onde pudesse exercer a creatividade em vez dos números atrás de números, há uma coisa que me aborrece (e de que maneira) no meu novo emprego: a falta de noção para onde eu e a empresa estamos a caminhar.

Profissionalmente falando, eu sou filha dos call centers. Como tantas outras pessoas da mesma geração, foi aí que comecei a aprender o que era trabalhar em condições um bocadinho precárias para ganhar um ordenado ainda mais precário. Fi-lo para ganhar dinheiro enquanto terminava o curso (que já se prolongava beeeeem para lá dos semestres aceitáveis) e saí assim que pude, já de (inútil) canudo na mão. Aquilo preparou-me para o pior: quase nunca conseguia fazer uma pausa porque alguém chegava sempre primeiro; tinha que pedir por favor para ir à casa de banho porque havia sempre gente a mais na sala dos fumadores; não podia conversar com o colega do lado porque isso podia incomodar quem estava ao telefone; tinha que lidar com clientes que, mais do que um serviço, precisavam e procuravam ali alguém que os ajudasse a combater a solidão e demasiado tempo nas mãos. As avaliações eram lixadas, ouviam-nos as chamadas às escondidas, havia já uma elite de operadores efectivos que faziam o que lhes dava na gana e mandavam os clientes para aqui e ali, os clientes muitas vezes era miúdos mal educados ou velhotes cujo domínio de palavrões envergonhava qualquer um. Havia muito favorecimento entrem chefes de equipa e pessoas que lhes caíam em graça e enfim, não precisava de o dizer, eu não era uma delas.

Depois trabalhei quatro sólidos anos numa empresa, onde verdadeiramente cresci profissionalmente e onde me foi dada a oportunidade (sempre muito controlada) de me desenvolver. Deixei de lidar com o cliente directamente, ganhei funções que exigiam alguma liderança, fui obrigada a mentir e a florear decisões até ao dia em que, apesar de todo o trabalho e vagas ainda disponíveis, me trataram como apenas um número e me despediram (juntamente com o resto da equipa). Foram anos duros e esse crescimento veio muitas vezes à força mas foi, sem qualquer sombra de dúvida, o sítio onde eu percebi que tipo de pessoa quero ser no meu local de trabalho, seja qual for a sua natureza.

E no fim tive a última experiência em Portugal, um sítio onde eventualmente poderia ter também aprendido muitíssimo, não fosse dar-se o caso de ter emigrado. Era um sítio onde me sentia verdadeiramente bem, nunca me lembro de ter acordade sem vontade de ir trabalhar, começava a fazer amigos entre os colegas, tinha um chefe com um estilo de liderança que não sufocava as personalidades, tinha os meus pet peeves (mas até isso lhe dava piada), uma esplanada à nossa espera, uma área de conhecimento totalmente nova.

O ponto comum a estes empregos: tinha objectivos e sabia exactamente o que fazer para os cumprir. Isso tanto podia implicar ter que atender uma média absolutamente louca de 156 chamadas por dia, como reduzir os custos da equipa da empresa, como tratar de 17 pedidos por dia, como aumentar exponencialmente a eficácia do atendimento aos nosso clientes através de projectos especialmente delineados para esse efeito. É verdade que muitos desses objectivos se podiam traduzir em números, o que diz muito sobre a natureza das tarefas, mas também não é menos verdade que nos ajudava a saber exactamente em que ponto estávamos.

Aqui... bem, aqui a coisa é diferente. A área de negócios está ainda em expansão e está apontada a quem não sofreu ainda com a crise, a própria empresa parece viver os tempos antes de 2008, em que tudo era crescimento, inovação, resultados impressionantes. Talvez isso também seja o resultado de estar localizada neste pequeno paraíso fiscal e ter uma sólida e reputada casa mãe. Mas ter que trabalhar todos os dias sem saber se o que faço é suficiente, se o que faço começa a ter qualidade, se faço diferença no todo que é aquela equipa, se sou uma mais-valia como contratação deixa-me desorientada e um pouco só. Não será isto que me faz desistir de ser uma boa profissional mas que desanima, isso desanima. Mas antes isso que pertencer às outras estatísticas, que também aqui sobem. Nada a fazer, a não ser suspirar pelos dias em que os sonhos eram possíveis.

julho 04, 2012

Uma dura realidade

As coisas continuam a apertar. Depois de ler estes três artigos sobre a emigração aqui no Luxemburgo, deparo-me simultaneamente com histórias de miséria e com a nossa imensa sorte.

Segundo os artigos, os portugueses são já 21% da força de trabalho activa aqui. O maior problema desta percentagem é que os portugueses constituem também 75% da mão de obra não qualificada no Luxemburgo. No outro dia, falávamos com o pediatra do Vicente (luxemburguês, como a maior parte dos funcionários públicos) e ele dizia-nos que a lista de pacientes desse dia era quase na sua totalidade de nacionalidade portuguesa, acrescentando que se começava a ver cada vez mais a chegada de portugueses com qualificações. Só que a verdade é que os portugueses aqui ainda continuam a ser a mulher da limpeza e o pedreiro para toda a obra.

Vivendo algumas vezes no limiar da pobreza, falando pouco mais do que o português, dependendo da boa vontade da família e com insuficiente acompanhamento da escolaridade dos filhos, este português típico prolonga o estereótipo que os estigmatiza aqui. Viver aqui não é fácil: o senhorio só arrenda se o inquilino tiver um contrato de trabalho, a comuna só aceita a inscrição e carta de residência se houver um contrato de arrendamento, o patrão muitas vezes esquece-se desse contrato de trabalho. Há muitos preconceitos em relação aos estrangeiros e especialmente em relação aos portugueses (ao pai do Vicente perguntaram, na segurança social, quantas mulher tinha, naquilo que eu entendi como uma clara provocação e intencional demonstração de ignorância), muito em parte consequência de quem opta por vir: poucas qualificações, nenhuma aptidão para línguas estrangeiras, uma comunidade em números impressionantes por todo o país.

Ler estes relatos de pobreza, de falhanço, de inadaptação deixa-me triste. É claro que concordo com a ideia que a ida para outro país deve, nos dias que correm, ser pensada com extrema cautela. As anteriores vagas de emigração viram países capazes de absorver todos estes trabalhadores pouco qualificados, indiferenciados mas hoje essas posições estão já preenchidas e o crescimento nestes países da Europa Central começa também a abrandar. Além disso, os portugueses enfrentam a concorrência dificílima do frontaliers (os habitantes dos países vizinhos que são, regra geral, altamente qualificados e dominam duas das línguas oficiais) e dos emigrantes de Leste que ainda buscam a sua sorte aqui. É um combate quase desleal. Numa reunião de trabalho na semana passada, por exemplo, contei doze pessoas na sala e onze nacionalidades diferentes mas falamos de pessoas com alguma/bastante formação superior e que falam pelo menos uma combinação de três línguas.

Fazer uma viagem até aqui com mulher e filhos, sem contrato de trabalho e sem sequer um sítio onde ficar é uma aventura perigosa que quase garantidamente acaba em desastre. Ouvem-se já relatos de enfermeiros, advogados e psicólogos que vêm à aventura mas que, apesar das suas qualificações, esbarram nas línguas estrangeiras que todos pedem. Eu sei que é difícil viver em Portugal mas ainda mais difícil é vir gastar os últimos cêntimos em vão e ter que partir com a ajuda da Caritas. O Luxemburgo dos Mercedes em Agosto e das vivendas arrancadas a ferros já acabou. Resta um país cada vez mais exigente, à procura de mão de obra qualificada. O ministro da Imigração luxemburguês já mandou o recado ao nosso Primeiro Ministro: a emigração como acto de desespero não deve ser incentivada. Há lições que demoram a aprender.

julho 01, 2012

(conseguir respirar)

Hoje foi o ponto alto destas últimas semanas. E se disser que este ponto alto foi um simples parque infantil, então é fácil perceber que a vida não tem sido fácil. O melhor do dia de hoje foi o silêncio apenas interrompido pelo vento, as nuvens em passo apressado, os aviões a levantar ali ao lado, poder também baloiçar sem vergonha, um bebé a correr desenfreado pela vizinhança fora. Não precisei de carro, de tempo nem de dinheiro para esta paz d'alma. E ainda conseguimos chegar a casa a tempo de cozinhar coisas doces.

As coisas são assim. Nós escolhemos como queremos viver, comprometemo-nos aqui e ali e, se queremos levar muitos planos até ao fim, precisamos ser firmes e aguentar essas escolhas. Fomos nós que nos colocámos neste papel de gente sem tempo para nada, gente que se cansa bastante mas por uma boa causa. Nestas duas semanas, sofri na pele as consequências deste período que parece ainda mais longo do que quando começámos. Pensei muitas vezes em dormir, em deitar-me, imaginei-me num quarto de hotel completamente insonorizado. Fui uma pessoa amarga e faltou-me a paciência mais vezes do que gostaria de admitir mas, ao mesmo tempo que reconheço os meus erros, encho o peito de ar e prometo ser uma pessoa melhor nesta recta final. A vida é muito curta para tudo o que gostávamos de fazer mas é ainda mais curta para ser desperdiçada com angústia e impaciência.