setembro 29, 2010

Querido Vicente,

chegou finalmente a hora. Nem quero acreditar que está para breve o nosso encontro, depois das semanas contadas com ansiedade e das horas que já passámos a pensar em ti. Não posso, como muitas pessoas, dizer que esta gravidez passou num instante: alturas houve em que o tempo passou mais depressa, noutras parecia nunca avançar. No início tive medo, Vicente. No início, pensei muitas noites que poderia não ser uma mãe capaz e que não conseguiria estar à altura das responsabilidades. Foi um Inverno muito longo e muito chuvoso e demasiado escuro, Vicente.

Mas depois veio a Primavera e com ela também os teus primeiros pontapés e a primeira certeza de que estavas ali, ainda nadando na minha barriga e as preocupações foram passando para segundo plano. Sentia-me radiosa por te ter dentro da minha barriga, sentia-me vaidosa, sabes? Lentamente, começava a sentir que eras o maior privilégio que alguma vez tinha sentido, ia buscar forças à ideia de estares deitado ao meu lado e gostares de mim sem pedires mais do que a minha protecção em troca. O ritual de me ver ao espelho começou a ser cada vez mais importante para mim, estudando o teu crescimento, a formação da minha barriguinha, até ao momento em que me achei mesmo bonita - grávida e já a caminhar para o enorme.

Esta fase descendente da tua aproximação, este cavalgar até ao dia em que estarás cá fora foi difícil mas apenas fisicamente. Na minha cabeça, não restavam dúvidas: tu ias ser muito amado e eu, como todas as mães do Mundo, só ia fazer tudo ao meu alcance para te ver crescer muito feliz. Espera, não era só eu: o teu pai, a quem os olhos brilham desde o dia em que fiz o primeiro teste de gravidez, esteve sempre do meu lado e nunca se cansou das minhas fadigas e das minhas incertezas, das minhas frustrações e das minhas dores. Se pudesses lembrar-te dos beijinhos que te deram através da minha barriga, de certeza que saberias que o teu pai te deseja tanto quanto eu. Depois, devias vê-lo a montar os móveis do teu quarto, a escolher os teus primeiros brinquedos, a olhar para o sítio onde irás dormir: espero que consigamos mostrar-te como o nosso amor é incondicional.

Está quase na hora e eu hei-de despedir-me da minha barriga. Não terei saudades do peso que me impedia de me levantar sozinha do sofá ou da cama à noite mas de certeza vou sentir a tua falta dentro de mim, protegido de tudo, embalado pelo meu andar, um bebé que foi meu durante nove longos meses. Se tudo correr bem, dentro de pouco tempo vou saber como cheiras bem e sentir a tua pele na minha pele - não há nada que queira mais neste Mundo. O nosso Futuro começa agora ♥

setembro 26, 2010

Em absoluta contagem decrescente


O pai do Vicente lá se arriscou a balançar a cabine do teleférico.

A médica acha que afinal ele nasce esta semana. Apesar dos sinais de trabalho de parto serem quase nulos ou ainda bastante suportáveis, pareceu-lhe que estava tudo encaminhado para o bebé chegar antes das quarenta semanas e pediu-me que passe no hospital antes da última consulta, ainda assim ele não esteja já pronto. Saímos de lá felizes - eu, pelo menos, já com uma ténue sensação de alívio por imaginar que alguns desconfortos estão perto do fim. E deixou-nos uma palavra de ordem: andar! Por isso, lá fomos mais uma vez para perto do rio para poder andar bastante em terreno plano e ainda subir algumas escadas. Sim, a gravidez é um estado maravilhoso e de permanente graça e eu vou ter saudades da barriga mas agora o que eu quero mesmo é o MEU FILHO CÁ FORA!

setembro 23, 2010

Pensar no futuro


Chegou ontem o nosso kit de criopreservação das células do cordão umbilical do Vicente. Optámos por uma recolha e armazenamento num organismo público (o Lusocord) em vez dos centros privados que se estão cada vez mais a instalar no mercado e calculamos que a maior parte das pessoas que recorre a estes últimos o faz por desconhecer outras alternativas. Fizemo-lo por duas razões distintas mas complementares: em primeiro lugar, não tínhamos neste momento capacidade financeira para um investimento deste género; em segundo lugar, a probabilidade de alguma vez recorrermos a estas células ainda está calculada abaixo dos 0,1%, pelo que o investimento se torna ainda mais dispensável.

A desvantagem, se a quiserem ver como tal, é que, em caso de necessidade, o banco público não garante o acesso às mesmas células que armazenámos. Isto quer dizer que as células do Vicente estarão disponíveis para ajudar outras pessoas ou para possíveis avanços em investigação mas, ao mesmo tempo, o leque de dadores compatíveis com o Vicente também é bastante mais extenso, o que aumenta a probabilidade de encontrar uma amostra compatível. Os centros privados criaram essa sensação de que o nosso bebé se encontra muito mais protegido e é, de facto, uma óptima ideia de negócio mas passam por cima da ideia de partilha e intervenção numa comunidade onde também podemos contribuir.

Já lemos todas as instruções e os consentimentos informados e tudo e agora só nos falta uma coisa essencial: o Vicente resolver deixar a barriga da mãe. Tínhamos esperança nesta mudança da Lua mas bem, era (ou é) hoje e não se sentem aqui quaisquer sinais de trabalho de parto. Chamem-nos ansiosos e apressados e digam que ele só virá quando tiver que vir - a verdade é que (há já muito tempo) estamos em pulgas para o conhecer! Se nada mudar entretanto, faltam precisamente doze dias e daí o cachopo não passa!

setembro 20, 2010

Como destruir ilusões numa trintona com um coração adolescente:


As memórias visuais são, como de costume, da autoria deste senhor.

ir a um concerto dos Eels.

(era suposto ser tudo delicodoce, como há tantos anos atrás. O senhor E. havia de estar afogado em melancolia e tristeza, enquanto eu discutia online se o álbum era um sinal de desistência ou a pista de que nos devemos sempre recompor. Quando os Eels se tornaram numa grande coisa para mim, eu estava completamente perdida, sem qualquer hipótese de resgatar o meu sentido de orientação, entre mudança de casas e cicatrização do coração. Não percebia o que me estava a acontecer nem fazia ideia de como voltar a ser a pessoa que tinha sido até ali. A única vez em que me senti desesperada o suficiente para escrever numa parede do quarto, usei uma letra deles (Life is funny but not ha-ha funny/ Peculiar, I guess/ You think I got it all going my way/ Then why am I such a fucking mess) que ficou lá até eu deixar aquela casa. Secretamente, tinha esperança que era um bocadinho dessas ilusões que ia encontrar ontem no Coliseu mas não: todos crescemos e todos aprendemos a não sucumbir fatalmente aos males de amor. Não tenho saudades nenhumas de estar angustiada mas ontem gostava de ter ouvido mais memórias do que rock'n'roll.)

setembro 14, 2010

Esperando...

Alguns retratos da recta final por mim e pelo pai (já) babado.

Estamos, como já tínhamos dito antes, oficialmente à espera. Temos aproveitado os últimos dias para dar os últimos retoques ao quarto do Vicente e ao resto da casa para que ele tenha tudo pronto quando chegar. Para isso, contámos com a preciosa ajuda dos amigos que, entre brocas e força de braços, nos ajudaram a fazer mais coisas acontecer. Tenho tentado andar um bocado e evitar parar desnecessariamente no sofá mas enfim, com a minha caixa toráxica tão apertada e as dores nas articulações fazem com que seja mais um fardo do que outra coisa. Dormir qualquer coisa que se veja é mentira, não há posição que me alivie totalmente o peso e confesso que em algumas noites começo a pensar na responsabilidade que aí vem e, apesar de a desejar profundamente, fico assustada.

Estivemos na festa da Catalunha no Largo do Carmo, que não tinha muita gente mas estava bastante animada com um coro, histórias tradicionais e divulgação de outras iniciativas da comunidade catalã (que não imaginava tão activa) em Portugal. Também nos atrevemos a enfrentar a fila para comprar um gelado na Santini e, apesar da qualidade estar ao nível do que se ouve por aí, continuo a achar que o hype é exagerado. Espero voltar lá apenas no Inverno, na esperança de encontrar lá muito menos gente. Em todo o caso, vamos saciando a vontade de gelado nestas últimas semanas, até que o Vicente decida que chegou a hora de conhecer o Mundo.

setembro 08, 2010

Breve Declaração de Amor *


* com imagens que trouxemos desta exposição.

setembro 06, 2010

Leaning into the afternoons *

 As fotografias têm, como é hábito, a assinatura do pai do Vicente.

Ainda temos tardes em que estão trinta graus à sombra mas já corre uma espécie de brisa que agita a folhagem que vai já também cobrindo os relvados da Estrela. Levaram línguas de gato, um pudim que infelizmente não provámos e tínhamos cerveja fresca. O jardim estava cheio de outros piqueniques, outras raparigas grávidas e muitos visitantes da feira de artesanato. Vieram amigos de longe e fizemos amigos novos e gostávamos de ter continuado a conversar. Talvez haja muita gente que se esquece mas a tranquilidade e a descontracção não custam nada e são especialmente fáceis de encontrar sobre uma manta na relva.

*Leaning into the afternoons, I cast my sad nets towards your oceanic eyes. numa tradução do grande Pablo Neruda.

setembro 05, 2010

Aproveitar o que resta do Verão!


É verdade que já sinto uma pontinha daquela depressão que se abate sobre nós quando às oito da noite já não é bem de dia ou quando se sente que ir para a praia já é um bocadinho estranho. Não exactamente por esta razão, o pai do Vicente decidiu combinar um piquenique entre amigos e eu vou aproveitar para uma espécie de comemoração dupla: a (quase) chegada do Outono e a (quase) chegada do Vicente! Ontem, lá fomos pela primeira vez (sim, tenho vergonha...) ao mercado de Campo de Ourique para nos abastecermos de produtos frescos e ontem foi cozinhar até os meus rins e pernas dizerem Basta!: sopa de legumes, lasanha de salmão fumado, biscoitos da Saxónia, muffins de stracciatella e uma tarte de legumes e atum. Eu gosto bastante de cozinhar mas estas maratonas (neste momento) dão cabo de mim. Mas não interessa: estou pronta a estender a toalha na relva e fechar os olhos debaixo das copas frondosas do jardim da Estrela!

setembro 02, 2010

À noite na Lapa


Ora, por aqui temos aproveitado algumas noites de Verão para fazer coisas para as quais em breve vamos deixar de ter tempo. Não temos dado tantos passeios como gostaríamos (e deveríamos, a julgar pelos conselhos relacionados com o parto que mais ouvimos), especialmente porque à noite o cansaço e as dores em todas as articulações abaixo da cintura já são difíceis de suportar. Ontem, mesmo assim, ainda fomos até ao jardim da Estrela refrescar-nos com os maravilhosos 21º que deviam estar todos os dias.

Esta experiência do Scrabble tem sido um bocado traumática para mim porque chego à conclusão que o meu vocabulário anda pelas ruas da amargura e levo sempre grandes coças do meu companheiro de casa (também conhecido como pai do Vicente). Mas isso não me faz deixar de gostar deste conceito tão simples e, não fosse eu uma rapariga feliz e resolvida, passaria a incluir gostar de jogar Scrabble nas características do homem ideal. De resto, temos visto uns filmes, uns episódios do Allo Allo (temos planos para devorar as séries todas) e, considerando os últimos tempos, tenho lido bastante (devorei este e este em pouquíssimos dias). Com o corpo (ou os corpos, que o Vicente está a sair-nos um rapaz bem robusto) a pedir descanso, confesso que, apesar de tudo, tenho saudades duma noitada daquelas à antiga mas acalma-te cabecinha, isso ainda vai ter que esperar!