novembro 30, 2012

Ossos do ofício

O director da empresa chegou ao pé de mim, estendeu-me a mão e disse Félicitacions!

Flashback: ontem tive um dia de trabalho bastante difícil. Sou nova ali, é uma posição onde tem que se saber tantas coisas que no início achei que nunca seria capaz. Mas as coisas vão andando e as coisas progridem e eu aprendo todos ps dias mais. Só que não posso aprender bem se os colegas - por desleixo, incompetência ou má fé - me ensinam as coisas incompletas. Ontem fiz calhou-me a mim esse papel de incompetente, depois de um colega resolver não me dizer tudo o que devia fazer, mesmo depois de eu o perguntar directamente. Enfim, encolhi os ombros e lembrei-me que é preciso tempo e paciência para se conhecer as pessoas e, sobretudo, para se poder julgar um carácter.

Depois foi o meu chefe que resolveu implicar por eu às quatro e cinquenta e nove ter tudo pronto para partir. Tinha feito mais do que as minhas obrigações, esse minuto que me faltava não me ia resolver nada mas ele fez questão de o dizer a rir, parecendo que tudo não passava duma brincadeira. Não foi só a injustiça deste momento que me irritou mas acima de tudo sentir que estes padrões não são para toda a gente da equipa. Mas enfim, eu tenho que compreender que há relações ali que ele mantém relações com outras pessoas fora do emprego e que isso lhes dá direito a que ele feche os olhos aos seus desvios. Pois.

Flashforward: hoje não me apetecia ir trabalhar mas foi até me lembrar que o chefe não estava lá. Lá fui eu, pronta como sempre, empenhada para fazer boa figura. Ontem tinha-me calhado fazer a minuta de uma reunião, o que fiz com gosto mas sem pretensões. Só que esqueci-me que a minuta vai para o management todo e que é capaz de haver alguém que realmente lê aquilo. E então o senhor CEO deslocou-se do seu gabinete ao nosso departamento e fez questão de me felicitar em público. Eu, vermelhona e encavacada, não consegui dizer mais do que uns Mercis muitos tímidos. E depois pensei que mais vale cair em graça que ser engraçada e enchi-me dum orgulho solitário, interior, silencioso. É que eu cá gosto de reconhecimento mas gosto ainda mais de fazer o melhor que sei. E bem, a minha experiência diz que mais cedo ou mais tarde isso há-de trazer uma recompensa...

novembro 19, 2012

Baby blues


Ver isto hoje foi fatal: lembrou-me que, mais do que saudades da minha barriga e dos nove delicados meses da gravidez, eu tenho saudades do meu filho recém-nascido. E ver isto também me fez descer à realidade e voltar a uma certeza já antiga: não há espaço para erros nas relações com um filho. Não há começar de novo, não há corrigir e emendar as falhas, o que fizermos hoje ficará para sempre na vida deles sem que possamos voltar atrás. Isto não é uma experiência, é uma vida que se tem entre mãos (e braços e peito e pensamento a toda a hora), é o nosso maior feito e também o que mais facilmente nos desarma, é o que nos dá a esperança de um mundo melhor e o que nos faz temer por esse futuro que teima em não chegar. Eu gostava de poder voltar atrás e não perder tempo com pormenores enquanto amamentava o meu filho. Gostava de não ter sofrido por antecipação, gostava de nunca ter estado exausta, gostava de poder ter sido inteira em todos os dias da sua curta vida. Gostava de não odiar secretamente as histórias de bebés perfeitos e mães sempre impecáveis e noites sempre bem dormidas, gostava de ter confiado mais na minha intuição e menos nos livros e nos testemunhos de gente que nem conheço, gostava de ler lido menos e experimentado mais. Gostava de ter aceite mais o filho que me calhou em sorte, perceber desde a primeira hora que ele é diferente dos outros, nem melhor, nem pior, apenas o milagre espantoso que eu gerei com outra pessoa. É claro que tenho a vida toda para ser a mãe que ele merece mas todos estes dias para trás, todas as tardes em que caí um pouco de cansaço, todas as noites em que senti o terror de não poder dormir, todas as vezes em que pensei que me tinha calhado uma criança difícil - nada nem ninguém poderá apagar o tempo que não passei a apenas cuidar dele, nada me fará esquecer os momentos em que não confiei que saberíamos o que fazer.

E lembro-me dos primeiros dias, aterrorizada com a avalanche de sentimentos e esmagada pelos medos irracionais, em que não lhe dei banho com medo de o deixar escorregar na banheira. E agora vi isto e desejei, mais do que nunca, que o tempo voltasse atrás e eu pudesse conhecer e transmitir toda esta tranquilidade. Aprendi, é verdade, mas aquele recém-nascido indefeso e desconhecido já ficou para trás. Quase nunca há uma segunda oportunidade.

novembro 17, 2012



Ter conseguido uma casa mobilada e, na perspectiva de alguém que muda de país e precisa de um tecto rapidamente, absolutamente perfeita para recomeçar foi uma sorte. Tínhamos visto dezenas de casas ainda em Portugal mas alugar uma casa não é uma coisa que se possa fazer à distância: é preciso ver, imaginar in loco se nos vemos a morar ali, conhecer o senhorio, deixar que ele decida se gosta de nós, perceber se vale o nosso dinheiro, se a vizinhança nos agrada, se chegamos a todo o lado rapidamente. E por isso fiquei um mês em Portugal (que a mim me pareceu um ano) à espera que encontrássemos a casa ideal, a casa que poderíamos pagar unida à casa onde gostaríamos de viver. O mercado imobiliário aqui é absurdo: quase não há apartamentos alugados por menos de mil euros por mês, os senhorios pedem normalmente três vezes o preço da renda como caução e ainda se reservam o direito (que lhes assiste, é óbvio) de escolher quem querem a viver nas suas casas.

Agora, oito meses depois, esta é a nossa casa. Só que há coisas que eu queria mudar, queria deitar o sofá fora, compras tapetes e cortinas, queria cadeiras novas e mais armários, queria mais paredes com as nossas memórias mas parece que vou ter que esperar. Gostava de não sentir que é uma casa temporária, de passagem, gostava de não me sentir uma intrusa, de fazer realmente parte mas é difícil eliminar permanentemente esta sensação de estarmos numa ante-câmara da vida que está ainda para chegar. É claro que não queríamos ser já donos de uma casa aqui: não sabemos (ainda não sabemos, é verdade) o que nos trará o futuro e, apesar de boas perspectivas, não sabemos se o nosso lugar continuará a ser aqui. E então inventamos maneiras de nos sentirmos aconchegados, de chegarmos a casa e sentir que aqui pertencemos, que não estamos só de passagem. Afinal, casa é onde nós os três estamos.

novembro 12, 2012

Boa tarde, em que posso ajudar?

Lembro-me de querer ser professora desde muito cedo, diria aí desde a quarta classe. Ainda sou do tempo em que os professores marcavam a vida dos alunos e os encorajavam e ajudavam muito para além das aulas. Acho que tentei copiar a minha caligrafia de uma professora que admirava imenso e ainda hoje mantenho contacto com pelo menos uma das minhas professoras preferidas. Mas depois, num momento qualquer da universidade, decidi que não estava para estender o curso com mais dois anos de cadeiras pedagógicas e um estágio que podiam não me levar a lado nenhum. Mal sabia eu no inferno que a vida dos professores se ia tornar...

Isto tudo para dizer que as duas saídas profissionais mais lógicas do meu curso eram o ensino ou a continuação da investigação académica. Tinha desistido de ser professora e também nunca tive nenhum interesse por uma carreira académica (não sou uma pessoa excepcionalmente paciente, interessada, curiosa, aplicada e estou longe de ser uma intelectual) e por isso as minhas opções profissionais estavam limitadas à minha vontade de aprender outras coisas e à vantagem de saber outras línguas - e foi assim que cheguei ao serviço ao cliente.

Já trabalhei em várias áreas (telecomunicações, facturação, seguros e pagamentos electrónicos) e também já desempenhei várias funções (de operadora a chefe de equipa) e acho sinceramente que a única experiência de call center que tive acabou por condicionar indefinidamente a maneira como olho para o trabalho. Nunca a considerei uma posição menor, embora saiba perfeitamente o que toda a gente pensa. Só que acho que o operador de call center é uma figura injustiçada por duas razões distintas: porque o serviço ao cliente funciona bastante mal (pelo menos nas empresas onde trabalhei e nas empresas onde sou mais frequentemente cliente) e porque as pessoas não têm, por norma, qualquer brio profissional. Como eu acredito que qualquer emprego deve ser feito da melhor maneira que nos for possível (não interessa área, posição, experiência ou escolaridade), chateio-me um bocado com o desleixo das pessoas cuja principal função é dar suporte a outras pessoas.

Mas hoje as minha palavras não são para os empregados, mas sim para os clientes. Acordei com aquela sensação normal de "Vamos lá a mais uma semana de trabalho" e foi assim que comecei a trabalhar. Mas os clientes logo se encarregaram de me acabar com o optimismo todo com a sua arrogância, com o seu desdém, com a sua sobranceria, com a sua falta de tempo para resolver os seus problemas. É que uma pessoa até pode ser bem intencionada mas ser desconsiderada por três ou quatro pessoas de seguida desanima qualquer um. E por isso, porque todos somos clientes mas nem todos sabemos o que significa ajudar clientes, é que acho que nos devemos pôr no lugar dessas pessoas. Ser cliente de alguém não nos traz poderes infinitos para destratar pessoas, para nos libertarmos da pressão de outros problemas. Às vezes pode parecer o contrário mas na maior parte dos casos não é uma máquina que responde: é uma pessoa. E não nos fazia nada mal lembrarmo-nos disto com alguma frequência e darmos o benefício da dúvida. De vez em quando, vá. E acreditar que ainda há gente que se importa. Garanto que sim.

novembro 06, 2012

Um lema para os trinta e três *


Passam hoje trinta e três anos desde que nasci. Gostava de conseguir imaginar-me como bebé mas tenho a sensação que fui sempre assim e, como não sinto nostalgia de nenhuma época em particular da minha vida, perco apenas o tempo essencial a pensar nisso.

Vai ser um aniversário diferente: já antes o tinha passado longe de casa, da família, dos amigos mas intencionalmente. Lembro-me dos vinte e cinco anos em Amesterdão, em pleno Erasmus, sem um sítio decente para dormir senão o carro que tínhamos alugado, ou os vinte e oito em Bruxelas com o meu grande amigo R. brindando num bar cheio de fumo. Mas desta vez a distância foi-me imposta - por mim, claro, que decidi mudar-me para aqui mas mesmo assim custa um bocadinho. Um bocadinho só. Pelo menos agora já tenho um filho que me pode cantar os Parabéns e roubar-me o protagonismo no momento de soprar as velas e por isso dou-me por satisfeita.

Tinha este postal perdido nas caixas das mudanças e quando me chegou às mãos este fim de semana foi como se fosse um sinal. Eu sei que muitas coisas são difíceis mas, se parar para pensar, há algumas que só precisam de nós para acontecer. E por isso gostava de adoptar isto como o meu lema nos próximos anos: nada é impossível! E assim sendo há umas coisas a que me proponho no futuro: perder peso (claro, e como eu todas as mulheres), ter mais filhos (provavelmente só mais um, há que testar a logístia do plural), continuar a viver pelo Mundo (embora me tenha afeiçoado ao Luxemburgo e agora esteja a aprender a gostar do frio, do campo, da língua demoníaca) e escrever um livro. Infelizmente, para este último desejo falta-me muito, inclusivamente perceber como se faz. Mas ninguém paga por tentar!

E prometo tentar viver com menos ansiedade, aceitar os ensinamentos que os momentos mais vulgares nos trazem tantas vezes, ser menos colérica e impulsiva, duvidar menos do meu desempenho maternal, gastar menos e não me esquecer que o nosso filho é apenas uma criança. Nada mau, para apenas mais um anos de vida.

E hei-de acreditar tanto em mim como a minha mãe e o meu pai. Eles sabem bem o que dizem. E criaram duas miúdas porreiras, mesmo que não muito normais. No final de contas, os Parabéns são todos para eles :)