fevereiro 29, 2012

Diário de uma futura emigrante: deixar o trabalho para trás

Há exactamente um ano atrás, eu pensava como iria conseguir deixar de estar com o meu filho 24 horas por dia para passar a estar num emprego a tempo inteiro. Mal dormi antes do primeiro dia mas cedo percebi que aceitar esta mudança radical era o caminho para me sentir menos ansiosa e facilitar o necessário corte deste laço. Hoje, exactamente um ano depois, deixei para trás o meu emprego, com a esperança de, a partir de agora, olhar sempre em frente.

Daqui a uns dias, todos os meus acessos, toda a informação que guardei ao longo deste tempo, todas as minhas autorizações serão apagados. Daqui a outros dias ou semanas, eu deixarei de ser uma imagem de uma colega de trabalho para ser apenas uma recordação longínqua na cabeça dos restantes colegas. Saio com a sensação de entrar num imenso espaço vazio, sem som nem medidas, sem orientação nem luz e com a sensação angustiante de saber que estava lentamente a criar laços fortes, amizades precisamente nesta altura, relações que não mais poderei regar como antes. Assumo, é claro, as consequências da minha decisão mas isso não implica que fechar estar porta não traga consigo um imenso peso. É que estou cansada de despedidas e elas nem sequer acabaram ainda.

Não mais vou conduzir na A5, pouco depois das 6h30 da manhã, noite cerrada e apenas rasgada pelas luzes amarelas, longe dos engarrafamentos de quem quer entrar Lisboa pela manhã. Não mais serei eu a primeira a chegar, ligando todos os computadores, maldizendo a senhora da limpeza por nunca tratar da minha secretária, desfrutando do silêncio e da ausência de pessoas. Não mais ouvirei o telefone a tocar e fico feliz por isso. Não mais apanharei Sol naquela esplanada quase privativa, não mais passarei pelo Satélite dos Bifes. Terei saudades de algumas pessoas, com toda a certeza, mas apenas me resta esperar que a distância não mate relações, que a distância não me lance para o esquecimento. Estou cansada de me despedir e de chorar e de ouvir dizer que vai correr tudo bem. Vejo hoje que gostava de acreditar tanto em mim como acreditam as pessoas à minha volta, que me piscam o olho e me garantem a felicidade já já. Agora, com licença, vou respirar fundo e gozar as férias forçadas. Que sejam curtas, é o que desejo.

fevereiro 24, 2012

Diário de uma futura emigrante: começar as despedidas

As paredes já estão vazias. Nos armários não resta um pacote, um livro, um filme que seja. Os brinquedos estão empacotados, alguns móveis guardados em local seguro. Apesar de não sabermos ainda o dia exacto da partida (o pai partirá Segunda-feira mas nós só nos podemos juntar quando as condições necessárias se verificarem...), começámos a época das despedidas.

A primeira de todas começou com a nossa casa, o sítio que viu nascer esta família. Entrar hoje aqui é muito estranho, especialmente por não ver todas as nossas recordações espalhadas pela parede. O quarto do Vicente está nesta altura transformado em arrecadação e muitas vezes não conseguimos evitar tropeçar numa montanha de caixas ou objectos para empacotar. É que isto não é bem só mudar de casa: é não poder levar tudo, ser obrigado a escolher o essencial e esperar que se possa mandar buscar o resto muito em breve. Esta espécie de limbo torna as coisas um pouco mais difíceis do que gostaríamos mas, felizmente, não há nada que um bom par de amigos não se ofereça para aliviar.

Depois, os amigos. Almoçamos com uns, jantamos com mais outros, bebemos uma cerveja com mais três ou quatro. Muitos nos ofereceram a sua ajuda e nós aceitamos quase tudo o que podemos. Eu sei que na verdade isto é mais um até já do que outra coisa: o mundo hoje já nos ajuda a ficar perto de quem mais gostamos. Mas a proximidade física é outra coisa e ficamos tristes por deixarmos tanta gente boa para trás e com ela petiscos na tasca da esquina, jantares e lanches ajantarados, passeios pela marginal, cafés em praças geladas. E logo eu, que não sou propriamente muito boa a fazer amigos, vou deixar pessoas que me vão fazer muita falta, com quem aprendia a partilhar os meus dias, ganhando confiança e à vontade, já pronta a juntá-las aos amigos de longa data. Respiramos fundo e esperamos encontrar gente assim daqui para a frente.

Próxima etapa? Dizer adeus à família, ainda que nos sobrem uns dias para as despedidas. Vai ser coisa para custar e fazer-nos esquecer como foi empacotar uma vida e deixá-la em stand by. Esperamos sobreviver com alguma sorte.

fevereiro 17, 2012

Diário de uma futura emigrante: um lar, doce lar

É oficial: não temos ainda casa onde morar. Depois de tratarmos da maior parte das formalidades em Portugal, impunha-se começar a pensar onde vamos viver (pelo menos) durante o próximo ano e meio e nós pusemos mãos à obra. Procurando online, fomos vendo e contactando possíveis imobiliárias com casas com boa pontuação no binómio "chega para nós/conseguimos pagar".

Mas a verdade é que de nada servia estar a contactar casas a partir de Portugal, uma vez que não as podíamos visitar e nem sequer assinar um possível contrato. Então, o homem (grande) da casa fez-se ao caminho e foi ver as casas possíveis in loco. Também não resultou: casas demasiado pequenas, pessoas que não admitem bebés nas casas para alugar, pessoas que não parecem dispostas a alugar casas a estrangeiros. Já nos passou tudo pela cabeça, é certo, e, de forma absolutamente frustrante, vemo-nos regressados ao ponto de partida: nenhuma casa em nenhuma cidade do Luxemburgo.

O tempo começa a apertar seriamente e nós estamos com muitas dificuldades em decidir qual será o plano B - na verdade, isto deveria estar já pensado desde o início mas nós temos deixado que as coisas se resolvam por si mesmas. E é capaz desta estratégia não funcionar muito bem para este problema em particular. Então, o compromisso é decidir (finalmente) uma estratégia para contornar isto e arranjar um tecto razoável com um preço condizente no menor espaço de tempo possível. Projecto fácil? Não, definitivamente. Mas há que pensar que daqui a uns meses nos vamos estar a rir disto tudo (eu quero acreditar nisto com todas as minhas forças).

fevereiro 13, 2012

O amor (em tempos de crise)

Exactamente a esta hora estarei a entrar no registo civil para (finalmente) casar, o passo mais definitivo (à excepção dos filhos, claro) que darei na minha vida. Se será uma ocasião como sempre sonhei? Não, não será. É claro que tinha a minha ideia de casamento e de festa, construída através do tempo e dos muitos casamentos a que fui (e sobre os quais jurei não querer nada igual), não era esta. Mas as circunstâncias e o nosso pragmatismo assim o ditam.

Fui comprar um vestido de noiva porque achei que, apesar de tudo, será um dia único. Como qualquer noiva que se case de consciência, esta é a única vez que quero casar e por isso, apesar de dispensar muitos outros adereços ou tradições, eu quis um vestido. Não é um vestido convencional - seria incapaz de pagar um balúrdio por um vestido que só usaria uma vez na vida - mas é o vestido que me conquistou. Não usaremos alianças, o que exclui a imagem tão fofa de ter o Vicente a levá-las durante a cerimónia. Também não haverá festa, até porque as nossas atenções financeiras neste momento estão necessariamente viradas para outro lado.

Convidámos a família mais chegada e os amigo que estão mais perto - sabemos que os outros estarão connosco no pensamento e que a distância não ajuda mas aceitamos as consequências das nossas decisões. E esperamos, de coração, poder festejar nos tempos mais próximos da maneira mais simples que encontrarmos mas com toda a gente que nos está no coração.

Vou casar com a minha pessoa. Temos muitos planos, temos um passado já com vinte anos e temos a vontade constante de estarmos juntos. Tem sido, ao longo dos anos a minha melhor companhia, o meu melhor amigo, um namorado de fazer inveja. E é assim que queria mantê-lo (como meu namorado e não como meu marido) mas mandam as circunstâncias que o estado civil se altere. Não interessa onde vamos viver ou onde vamos trabalhar nem nos importam as opiniões dos outros: somos feitos um para o outro e é tudo o que importa. Eu espero nunca me enganar mas tenho a certeza de que seremos muito felizes. Com muito trabalho, algumas discussões e dias menos bons, contando com o ombro um do outro para seguirmos em frente, agradecendo todos os dias termos chegado aqui e suspirando - a felicidade é um caminho muito longo.

fevereiro 08, 2012

Respirar fundo (é preciso)

Esta semana de férias já tinha sido marcada há algum tempo porque são dias do ano passado e andava mesmo a precisar de descansar. Ter calhado agora, que a grande mudança se fez anunciar, era uma grande vantagem porque nos deixava tempo para tratar de alguns pormenores muito importantes. Agora, ter o Vicente com varicela é que não estava definitivamente nos nossos planos.

No Sábado a coisa já se fazia anunciar: duas borbulhas solitárias na barriga mas a minha recusa em aceitar que realmente fosse varicela. Depois de Domingo, a coisa espalhou-se de tal modo que foi impossível não procurar um médico para confirmar o que já era óbvio. Eu lembro-me de ter varicela, na minha memória foi depois dos dez anos (não sei se é verdade ou não) e sei como custou. Já me conseguia controlar e já entendia bastante bem as consequências de me coçar e mesmo assim foi difícil. Agora com um ano, com uma paciência do tamanho de um berlinde e um mau estar generalizado, sem saber falar nem como estar, a coisa aumenta exponencialmente de dificuldade.

Há duas noite que mal se prega olho cá em casa e as coisas não têm corrido de forma pacífica. Já desesperei vezes suficientes para questionar o meu instinto maternal: não poder aliviar um filho, não entender o que posso exactamente fazer por ele são coisas que me deixam brutalmente triste. Já precisei de sair de casa para respirar fundo e fazer uma pausa do choro descontrolado e contínuo - ironicamente, ir aos correios foi muito calmante. E entretanto os nossos planos não têm andado para a frente. Não é fácil organizar as ideias num momento assim mas achamos que as melhorias têm aparecido. Só esperamos não estar a tomar as decisões erradas, resultado de uma cabeça quente e do nervosismo que nos tem dominado nestes dias. Mais do que nunca, quem me dera que a maternidade trouxesse livro de instruções...

fevereiro 03, 2012

Um pé em Portalegre, outro no Mundo

Chegou o dia que (simultaneamente) mais desejava e temia: o dia de deixar o país para trás. Tanto tempo a sonhar com uma mudança assim, tanto tempo a invejar outras vidas noutros pontos do Mundo e agora chegou mesmo a nossa hora. Em menos de um mês seremos três novos habitantes do Grão-Ducado do Luxemburgo.

Se me tinha imaginado a viver aqui? Não, nunca. Sempre que se pensava e falava e sonhava em emigrar era um país que não me atraía, demasiado neutro para o meu gosto, demasiado desconhecido, onde aparentemente nunca se passa nada. Mas as oportunidades são exactamente assim, surgindo onde menos se espera, pedindo para serem aceites. Acho que cedo se tornou evidente para nós que, a ser verdade, era algo que não podíamos recusar. E foi assim que nos aterrou no colo a notícia de que a vida poderá recomeçar no Luxemburgo.

Não levamos os dois um contrato de trabalho mas um já é um começo. Tanta gente partiu daqui sem nada, sem dinheiro nem expectativas, sem falar outra língua ou sequer ter andado de avião. Porque raio não haveríamos nós de aceitar esta como a oportunidade para onde dirigíamos as nossas preces? Apesar de aceitar parecer algo óbvio, não o fizemos de coração à larga. Com esta decisão, soltámos uma enxurrada de cartões e contratos para cancelar, famílias para consolar, apartamentos e casas que adoramos e não podemos pagar, uma quantidade absurda de escolhas que ainda não resolvemos. Se estamos entusiasmados? Claro que sim: afinal, é uma maravilhosa oportunidade de começar de novo e começar melhor. Se estamos terrivelmente assustados? Obviamente que sim: afinal, não é o nosso país, a nossa língua e também já não somos só dois. A três, as expectativas sobrem exponencialmente. E a solidão que nos espera faz apertar um bocadinho o coração.

Acreditamos que esta é a melhor decisão e contamos com o ombro um do outro para acalmar os nossos medos. Mas na verdade, quando imaginamos que podemos vir a ter um quintal para o Vicente brincar, quando pensamos que vamos finalmente deixar de contar todos os cêntimos que nunca chegam para mês nenhum, quando nos imaginamos com a Europa toda à mão, a coisa alivia um bocadinho. E agora, além de sorte, precisamos de muita, muita perseverança para levar isto a bom porto. Começar de novo é muito, muito assustador.