janeiro 21, 2017

Crónica de um nascimento não anunciado

Quando disse, várias vezes, que este bebé havia de chegar antes da data prevista, não estava a contar com toda esta antecipação. A meio da trigésima quinta semana, ainda a cinco longas semanas do fim, o nosso terceiro filho, Augusto de seu nome, decidiu que tinha chegado a altura de nascer!

Foi quinta de madrugada que acordei com aquele acontecimento inequívoco que é a ruptura das águas e que, em pânico e muita, muita negação (não pode ser, ainda não pode ser, isto não pode acontecer...), confirmei que o melhor era começar a ir para o hospital. Só tinha começado a fazer a mala: a criança ainda não tinha roupa escolhida, eu não tinha nada à parte de um par de chinelos e à pressa, sem conseguir racionalizar ou seguir a lista à risca, tentei meter lá dentro tudo o que podia. Depois foi acordar os miúdos, enfiar-lhes um casaco, um gorro e explica o que estava a acontecer, enquanto lhes garantia que regressariam à cama num instante. Estar assim longe significa que não tínhamos ninguém que nos ficasse com eles e por isso fomos (ainda) os quatro para a maternidade. Assim que me deixaram na entrada de urgência, puderam voltar a cama e dormir.

Para mim (e para o menino Augusto) a noite tinha apenas começado. Poupo-vos, evidentemente, aos pormenores sórdidos e digo apenas que, dadas as circunstâncias (ruptura das águas à trigésima quinta semana de gestação), o diagnóstico era muito simples: só voltaria a sair do hospital quando o bebé nascesse, quer isso significasse as horas, dias ou até semanas seguintes - tudo dependeria do estado do bebé. Só havia um pequenino problema: eu começara a sentir contracções bastante fortes e cada vez mais frequentes que os monitores não documentavam e por isso ninguém achava que o parto estava iminente! Cinco horas a sofrer em silêncio para não acordar a minha companheira de quarto, tentando respirar mais fundo possível e imaginando-me a surfar as contracções como se pudesse aliviar-me na crista da onda.

Já era dia quando implorei pelo alívio da dor e me levaram para a sala de partos. Mesmo desejando outro parto totalmente natural, não pude resistir à epidural, dada por um médico sem maneiras nem um pingo de humanidade mas que me serviu para aguentar o que se seguiu. Menos de uma hora e meia após a minha entrada na sala de partos, nasceu o Augusto, um rapaz como sempre suspeitara desde o início, a chegar ao Mundo num dia de céu totalmente limpo e temperaturas bem negativas.

Há todo um outro post à espera de ser escrito, desta vez sobre a prematuridade mas que deixarei para mais tarde. Agora, enquanto escrevo este, olho para aquele corpo frágil mas valente dentro da incubadora - são horas de treinar a amamentação. Aliviada mas ainda não completamente feliz - talvez amanhã, se ele deixar a incubadora, possamos finalmente estar juntos a cinco.

janeiro 11, 2017

Vicente joga à bola


Um breve disclaimer: aqui em casa gosta-se de futebol moderamente. É conhecida a divisão clubística: eu do Benfica, o marido do Sporting. Mas como nenhum de nós liga verdadeiramente a futebol, a nossa convivência desportiva é bastante saudável. Não acompanhamos o campeonato mais do que o estritamente necessário, não conhecemos os jogadores das nossas próprias equipas e só vibramos realmente com os jogos da selecção. 

Isto pode ajudar a explicar a admiração que senti quando comecei a perceber que o miúdo respira futebol, sonha com futebol, não quer fazer nada senão praticar futebol. Quer ver os resumos de todos os jogos, conhece os nomes dos jogadores, festeja sempre que vê imagens do golo do Éder neste Verão, copia os gestos do Ronaldo. Continua a gostar de outras actividades e entusiasma-se com muitas coisas (ainda ontem com um rato morto que encontrou no passeio quinzenal da escola ao bosque...) mas, in the end, ele gosta é de bola. Gostava mais que ele se inclinasse para a natação ou para um instrumento musical, por exemplo, mas ele gosta de futebol e ser mãe significa isto mesmo: deixar para trás as aspirações que temos para eles e aceitar os seus gostos, apreciar a sua personalidade sem tentar moldá-los à nossa imagem.

Por isso, chegou finalmente a altura de passar à acção e ontem acompanhámo-lo ao seu primeiro treino a sério no clube aqui do bairro ou da comuna. Dois dias por semana (agora apenas um, devido ao mau tempo) treina com outros miúdos (escusado será dizer que há algumas camisolas da selecção portuguesa e há um ou outro Ronaldo...), vai passar a ser federado e, correndo tudo bem, há.de jogar no campeonato local na categoria de Bambini. Levei-o ao treino, ajudei-o com os atacadores dos ténis que ainda não sabe atar, vesti-lhe o equipamento que o tio lhe comprou pelos anos. E ele entrou em campo e correu muito, tentou fazer os exercícios o melhor que pôde, olhou vezes demais para nós nas bancadas, acenando e chamando por nós, e depois não marcou nenhum golo. Enquanto lá estive a vê-lo, não consegui disfarçar a alegria de vê-lo a fazer aquilo de que gosta, a gastar energias, a seguir instrucções. Ele estava muito feliz, eu estava ainda mais. Pelo menos até ele regressar a casa e começar num pranto porque não marcou nenhum golo na partida que fizeram a seguir. Teve que haver pep talk e explicar-lhe que o Ronaldo também não marca em todos os jogos e que não existem só avançados numa equipa, os defesas, por exemplo, também fazem muita falta.

Portanto, estamos já na fase das necessidades de afirmação e de pertença, deixando para trás as necessidades básicas que ficam, por enquanto, reservadas para a irmã. Nunca insistimos em nenhuma actividade extra-curricular e em casa instigamos apenas à leitura e às brincadeiras com Lego mas abraçamos com força esta primeira manifestação de real vontade própria. E agora só espero que ele vá marcando uns golos ou que encontre o seu lugar na equipa ou então tenho de preparar uns quantos discursos diferentes para lhe aliviar a frustração. E, quem sabe, ainda nos sai dali um craque e eu torno-me na próxima dona Dolores...

janeiro 03, 2017

Trinta e três semanas (em esforço)

Sei que todas temos experiências diferentes mas para mim chegava-me passar por apenas uma gravidez. Na primeira vez, é tudo uma novidade, é tudo uma emoção, fazem-se videos e fotografias, balança-se entre o terror da responsabilidade que aí vem e a incrível sensação de ter gerado vida. Não quer dizer que não existam desconfortos mas para mim estes foram abafados pela gigante tempestade emocional que era vier a ser mãe. À segunda, já muitas coisas parecem dispensáveis. À terceira, então, nem comento.

Da mesma maneira que não fui bafejada com a sorte de ter filhos que dormem bem, também não pude saber o que significa a expressão gravidez santa. Desta vez, os enjoos foram terríveis mas felizmente pararam cerca das treze semanas (parece mesmo que o meu corpo sabe quando termina o primeiro trimestre). Depois seguiu-se um período de vigor, de tranquilidade e de ausência de qualquer desconforto. Sentia que estava a abrandar, algumas subidas já me custavam mas nada que não pudesse ignorar.

E agora a recta final. Entrada ontem nas trinta e três semanas de gravidez, já há muito que não acho piada a isto. Dores de ossos todos os dias, não importa se me sento, deito ou estou de pé; ataques massivos de azia, especialmente durante a noite, capazes de me fazerem chorar; cãimbras nas pernas que me deixam efectivamente a chorar por evitar pedir ajuda; uma constante falta de ar, especialmente depois das refeições, cortesia de um bebé que já está na boa posição mas que insiste em esmagar-me todos os orgãos que consegue; uma constipação que persiste e para a qual não tomo nada, que concorre com as outras causas que não me deixam dormir. Segundo a ciência, o bebé já está pronto, só está apenas a receber os últimos retoques. Eu cá estou mais do que pronta e a única coisa que me alivia o desconforto é saber que esta é a última vez na vida que vou passar por isso. Se eu vier aqui daqui a uns tempos dizer como tenho saudades deste tempo, por favor lembrem-me de que estava a escrever este post procurando, simultaneamente, a melhor posição para conseguir respirar.

E de repente caio em mim e lembro-me que faltam apenas seis semanas para passar a ser mãe de três e ainda me sinto surpreendida de isto me ir acontecer, logo a mim, que nunca me imaginei mãe de mais do que dois. Apesar de preferir trabalhar até ao fim da gravidez e ter mais tempo depois do nascimento, agradeço silenciosamente a lei luxemburguesa que nos manda para casa dois meses antes do parto.É certo que o trabalho me iria distrair muito mas passar oito horas sentada em frente a um computador daria cabo do que resta da minha bacia. Sei que estas últimas semanas fazem falta mas por mim ficávamos já por aqui.