março 21, 2018

Seis anos de Luxemburgo!


(esta ilustração é da Julia Bres, que tem este Instragam divertidíssimo sobre viver no Luxemburgo)

Há seis anos atrás saí de um avião e fazia muito frio. Tinha acabado de aterrar com um bebé de um ano e meio naquele que iria tornar-se o nosso país de estimação. Há seis anos atrás começou a nossa vida no Luxemburgo, este bebé tem quase oito anos e um irmão e uma irmã a fazerem-lhe companhia.

Quantos anos pensava ficar, quando aterrei? Não faço ideia mas acho que secretamente tinha a esperança de que fossem menos de cinco, talvez só um enquanto as coisas não se ajeitassem. Eis que passaram seis anos e não estou a ver o fim desta vida luxemburguesa, embora pense sempre muito no que seria voltar a ter a nossa vida portuguesa. Se tivesse de escolher uma razão para que esta nova vida valesse a pena, seria apenas uma - os nossos filhos. Se não tivessemos emigrado, provavelmente teríamos só um Vicente para contar a história, que a vida lá não dava para mais. E depois nunca ia conhecer a rainha das birras e das doçuras, nem o príncipe da tranquilidade que estava cheio de pressa em chegar.

Estes seis anos foram, obviamente, os mais intensos da minha vida: muito chorei, muitas saudades me apertaram a garganta mas, principalmente, muito aprendi e isso não tem mesmo preço. Voltei a falar Francês e a dar uns toques no Alemão; descobri uma empresa em que sempre me senti em casa, mesmo quando as coisas não davam para isso; fiz coisas para as quais nunca estudei e outras a que já estava habituada; conheci gente de todo o mundo, confirmei e desfiz estereótipos, desiludi-me e surpreendi-me muitas vezes; não fiz muitos amigos, é verdade, mas sinto que a minha integração ainda está a acontecer e esforço-me por fazer parte desta sociedade.

O dia da nossa chegada aqui desfez-se um pouco na minha memória. Lembro-me da viagem com os meus pais para o aeroporto e do tristes que estávamos todos, com dificuldades em falar. Lembro-me de tentar suster o Vicente sossegado e adormecê-lo no avião enquanto ele se debatia como um louco. Lembro-me de sair do aeroporto e o dia estar cinzento e de soltar umas lágrimas no caminho para casa. Depois disso tanto, tanto aconteceu! Mudei de emprego, mudámos de casa, pari dois filhos em hospitais diferentes e sempre sozinha, fui muito feliz, chorei muito com a vontade de regressar a Portugal, fizemos muitos planos que concretizámos e ainda mais que continuamos a adiar. Ninguém me vai devolver estes anos que passo fora do meu país, longe da minha família e dos nossos amigos. Ninguém me ajuda a recuperar os nascimentos que perdi, as festas a que não pude ir, as mortes que não pude chorar. Mas é assim mesmo a vida e eu estou grata por termos tido esta oportunidade, mesmo que nos custe pensar no que deixámos para trás.

Nem de propósito, a minha chegada ao Luxemburgo coincidiu com a chegada da Primavera, com tudo de bonito que essa analogia pode trazer. E hoje está mesmo um dia de Primavera à Luxemburgo: gelado mas com um sol radiante, para me lembrar que não, não podemos ter tudo ao mesmo tempo. Resta agasalharmo-nos bem e fazer o melhor deste dia tão luminoso. É como na vida, também.

março 15, 2018

É uma casa cheia!


Talvez a coisa que mais ouvi desde que temos três filhos seja a frase "É mesmo uma casa cheia!". Parece que a opinião geral de ter uma casa cheia é sempre muito positiva mas eu acho que é porque estas pessoas não têm que intervir a cada cinco segundos, ou para evitar que uma irmã estrafegue o mais pequeno, ou para evitar que o mais velho roube as coisas à irmã do meio, ou para evitar que a irmã do meio dê conta dos outros dois. É divertido, é, mas é extenuante na mesma medida e há uns cinco anos que a única coisa que me apetece fazer depois de jantar e metê-los na cama é - justamente - enfiar-me na cama também.

Cada família é diferente, eu sei, mas eu tendo sempre a comparar-nos com as famílias com crianças sossegadinhas, que não armam birras por absolutamente TUDO, que respondem com calma e atenção às nossas tentativas de argumentar e chamá-los à razão. É mais forte do que eu, mesmo que eu o combata todos os dias. É inevitável pensar muitas vezes "Mas o que é que eu estou a fazer mal?". Penso-o várias vezes ao dia, quando estou com os miúdos e não consigo dois minutos de sossego. Mas na verdade eu sei qual é a maior causa dos nossos problemas: com o Vicente, ele era só um. Tinha-nos aos dois concentrados nele a cem por cento, havia tempo para actividades e trabalhos manuais e mesmo assim ele fazia aquela birra ocasional. Fast forward para os dias de hoje: os filhos ultrapassam-nos numericamente, não há atenção que chegue para pessoas de sete, três e um ano, há uma rapariga que tem o feitio mais exasperante que já vi na minha vida, há um bebé que está literalmente a aprender a fazer tudo, há um irmão mais velho que, de vez em quando, se ressente e quase pede para voltar a ser bebé. Colo há sempre para os três, cabeça para parentalidade positiva é que está mais escassa.

Com três filhos, há que repensar o espaço que necessitamos para eles. Não só para dormir ou brincar mas também para guardar todos os desenhos, cartões, colagens, recortes, fotografias e demais trabalhos manuais que vão fazendo ao longo dos anos. Com um filho, ainda se arranjava um espacinho para expor as suas obras de arte. Com dois, a coisa ficou realmente mais difícil. Quando o terceiro começar a artes manuais, o melhor mesmo é mudarmos de casa para alguma que dê para manter um pequeno museu!

Mas há mesmo coisas muito boas quando se tem três filhos. Quando eles se controlam e chegam mesmo a brincar os três - o que aconteceu para aí uma vez, para ser honesta - é delicioso de se ver. Quando encontram uma brincadeira divertida e se riem a bandeiras despregadas, é maravilhoso de se ouvir. Quando se preocupam uns com os outros, quando parece que não sabem viver sem os irmãos, o coração acelera. Quando tomam banho juntos (e não estão ocupados a esvaziar a banheira), é incrível ver o nosso ADN a chapinhar todo junto num sítio tão apertadinho. Quando estão todos a dormir (podia brincar e dizer que é a melhor parte do dia...) e eu ouço as suas respirações tranquilas, sinto-me com toda a sorte do mundo. De vez em quando, no meio das queixinhas, dos gritos, das rasteiras e empurrões, das birras inexplicáveis, dos sonos a que às vezes todos parecem querer resistir, sinto que estamos a fazer um bom trabalho. Vejo-os a rir, saudáveis, a formar a sua personalidade, a progredir na sua educação, a desenvolver a empatia e a sua relação com os outros e, durante alguns minutos, tudo parece estar no seu lugar. Até que um grito noutra divisão me desperta do sonho e vou a correr separar mais uma disputa pela coisa mais banal e desinteressante que temos em casa. Casa cheia sim, monotonia é que nunca mais!

março 01, 2018

Três anos do doce furacão Amália

Amália celebrou o seu terceiro aniversário na Segunda que passou. Como seria de esperar, houve muito choro e muita birra mas também aquela doçura de menina e aquela insistência chata de querer tudo em cor de rosa.

Às vezes penso (mesmo a sério) que ela veio ao mundo com o objectivo de me educar a mim e, em última instância, de me atazanar tanto o juízo que começo a ver tudo vermelho. Passámos estes últimos dias com os meus pais que, mais uma vez, puderam comprovar que ela chora por tudo e por nada: não quer acordar, não quer ficar na cama, não quer um vestido, não quer calças, não quer leite, não quer sopa, não quer ver bonecos, não quer ver estes bonecos, não quer lavar os dentes e, mesmo para acabar o dia, não quer dormir.

É a filha do meio e é mulher, ainda por cima, dizem-me por aí. Eu compreendo esta coisa do filho do meio ser meio esquecido: o mais velho já se desenrasca sozinho; o mais novo ainda precisa de nós para tudo. O filho do meio precisa e não precisa, tudo ao mesmo tempo. Mas a necessidade de atenção desta pequena Amália é tal que uma pessoa fica fora de si. Várias vezes por dia. Ora passa o dia a cuspir, ora bate em todos os colegas da creche, ora aperta o pescoço do bebé com os seus abraços descuidados, ora arranca das mãos do irmão mais velho tudo o que ele consegue apanhar. Foge quando queremos mudar-lhe a fralda, exige cuecas para fazer chichi nas mesmas segundos a seguir, salta na cama quando os dois irmãos já adormeceram.

Talvez a minha luta seja porque ela é mulher e eu lido mal com os constantes desafios. Respiro fundo muitas vezes e tento dar aos seus comportamentos a importância que realmente merecem mas depois de minutos a fio de choro descontrolado, de gritos e inflexibilidade, a coisa dá-se. Como outros miúdos, de manhã não quer ficar na creche e à tarde não quer ir para casa. Às vezes não quero acordar nem regressar a casa para não me deixar abater por aquilo que muitos chamam personalidade forte e eu chamo apenas teimosia pura.

Mas Amália é uma doçura também, com aquela ingenuidade de uma menina de três anos que me pergunta se o passador serve para caçar borboletas. Não pode ver-me a chorar que chora ela também por solidariedade. Não pode passar sem o seu 'Centinho (quer saber onde está, quando regressa da escola, se também vai dormir) para o bem e para o mal. Ri-se de tudo o que ele se ri, imita-o em tudo e segue-o pela casa fora. No outro dia, fez o seu primeiro puzzle pela primeira vez e ficou super orgulhosa. Desenha muito melhor do que o irmão com a mesma idade e faz tudo com muito mais cuidado do que o irmão: com três anos, quase pode tomar duche sozinha.

Não herdou a feminilidade da sua mãe, infelizmente. Mas chega a casa e só quer vestidos de princesa, tudo deve ser cor de rosa, quer o laço e os sapatos da Minnie. Gosta de fios e pulseiras, quer cremes como gente grande e anda a chatear-me para furar as orelhas. É um balanço muito curioso entre todas as coisas de meninas e dois irmãos que não estão obviamente para aí virados. Amália tanto joga à bola como está pela casa varrendo o chão, divide a atenção pela Princesa Sofia e pela Patrulha Pata - no fim, guarda o melhor de dois mundos.

Eu sei que me queixo muito dela. Eu examino as minhas reacções e reconheço que talvez dê demasiada importância às coisas más em detrimento de todas as coisas boas que a nossa filha faz, traz e é. Muitas vezes o cansaço não ajuda nada. Muitas vezes há um irmão que precisa de ajuda nos trabalhos de casa e outro que precisa de colo para acalmar os dentes que aí estão. E ela está no meio, a precisar do mesmo colo, a precisar que cantemos com ela ou que nos sentemos a ver um livro com calma. E eu sei que os outros também precisam de mim mas o meu compromisso é também com ela, para que ela nunca se sinta posta de parte e perca, finalmente, este síndrome de filho do meio.