outubro 21, 2015

Outono, dentro e fora


Há muito silêncio por aqui. Quer dizer, não é silêncio completo ou profundo mas o suficiente para me ouvir a respirar. Corrijo: não é silêncio, é apenas a ausência de azáfama e correria doutras cidades, doutros países. Aqui eu consigo viver devagar. Aqui as ruas estão misteriosamente vazias e as janelas desocupadas. Ouve-se o ruído interminável da auto-estrada ao longe, bem abaixo do bosque cerrado e frondoso onde também se esconde o cemitério. Ouvem-se as empresas de jardinagem que se multiplicam nas manhãs por todos os quintais e jardins das casas donde saem pessoas de meia idade em Porsches. Ouvem-se os corvos pousados ora nos jardins, ora nos telhados que esperam os primeiros flocos de neve com alguma antecipação.

Não sei se faço parte. Quando saio com a miúda, alterno entre a minha música ou os meus podcasts e o ruído da vizinhança. Os parques estão vazios e estranhamente silenciosos. Ao fundo, a igreja marca a passagem to tempo a cada quinze minutos. Parece que tenho sempre que morar perto duma igreja (ao lado da igreja na Taborstr. em Berlim, quase ao lado da Basílica da Estrela em Lisboa, a metros desta igreja em Howald - é este um sinal?). Cruzo-me com poucas pessoas nos nossos passeios de higiene mental: outro carrinho de bebé, a senhora que veio apanhar o correio, os senhores das obras sempre a esquecerem-se que o mais certo é que quem passa fala Português. O Outono chegou e bem até aqui, mesmo nas zonas com menos árvores. Está frio e às vezes Sol mas esta ausência de vida é transversal a todas as estações.

Numa janela vislumbro um piano. Nunca vivi perto de pessoas que podem e têm um piano em casa. Os jardins das traseiras alternam entre a simplicidade e os intricados trabalhos de arquitectura paisagística. Começo a ter vergonha do nosso jardim, coberto pelas folhas débeis da cerejeira que perdeu há muito o fulgor do Verão. É como se a relva, mal aparada mas verde, se estivesse a preparar para o manto de neve que ainda há-de chegar. Às vezes cai uma chuva muito miudinha, é de noite quando levo o miúdo à escola mas agradeço a escola ser no fundo da rua para nos poupar a percursos de carro. A carteira passa sempre à mesma hora e eu ouço o bater da nossa caixa do correio. Os homens do lixo passam sempre à mesma hora e eu ouço o caixote a voltar ao passeio, já vazio. Os nossos vizinhos já não trabalham e eu vejo-o da janela da cozinha, enquanto recolhe as folhas que se acumulam no seu lado da cerca. Aqui dentro, o calor da nossa casa. Aqui dentro, eu perco toda a vontade que alguma vez tive de sair. Não preciso, sou só eu e ela e podemos passar o dia em pijama. Aqui dentro, conto os dias para este silêncio acabar e, com alguma ansiedade num estado inicial, peço para o tempo demorar muito mais a passar.

outubro 19, 2015

A mama acabou! Viva a mama!

Por estes dias demos como terminado o período de amamentação da mais pequena.Como em tantas coisas, os sentimentos foram contraditórios: por um lado um imenso alívio; por outro, aquela sensação de que estou a perder uma coisa muito especial.

Apesar de ser da escola pró-amamentação, nunca fui uma fundamentalista da mama. Antes do Vicente, li tudo o que podia sobre o assunto e esse foi também um dos temas importante no curso pré-parto. Começar a amamentá-lo não foi, infelizmente, tão natural como muitas vezes se apregoa por aí. Tivemos muitos percalços, muitas dores e nervos, muitos palpites a favor e contra a continuação da amamentação mas no final lá conseguimos e ao terceiro ou quarto mês a coisa já era natural. Com ela foi naturalmente diferente: eu já sabia das dificuldades e das alegrias da amamentação e sabia uma coisa importantíssima: o stress é o maior inimigo do leite! Se há ensinamento que eu tirei disto e que poderia dar a alguém é este. Quanto mais nervosa estava, mais me custava a amamentar e por isso nada como relativizar e deixar o corpo seguir o seu rumo.

Os meus dois filhos mamaram mais ou menos o mesmo tempo (7-8 meses). Não considero que seja a o período perfeito mas foi com certeza o período que nos serviu a todos. Ter conseguido mantê-los vivos e a crescer apenas com o meu leite é, a seguir ao parto natural sem anestesia, a minha maior conquista. O orgulho que senti durante este período é incrível e deve estar muito próximo daquilo a que se costuma chamar de empowerment. Olhando para trás, uma pessoa parece ser capaz de tudo porque já fez a coisa mais incrível de sempre: trouxe pequenas pessoas ao mundo e manteve-as saudáveis apenas com o poder mágico da natureza.

Nesta segunda vez estava mais tranquila. Sabia que se alguma coisa falhasse não hesitaria em procurar e pôr em prática as alternativas. Essa ideia custou-me muito mais na primeira vez: eu achava que o mal estava comigo e que as alternativas seriam uma espécia de traição ao meu filho. A minha mãe lembrava-me que nós tínhamos crescido com farinha torrada no forno e que não tinha sido isso a impedir o nosso crescimento. E é mesmo, mesmo isso: mais do que todo o leite natural ou em pó do mundo, o que faz crescer os bebés é o amor e o cuidado extremo que os pais põem nesta relação. Tudo o resto é conversa, como aliás tantas coisas à volta da gravidez e da parentalidade.

Confesso que me fazem alguma confusão as mulheres que decidem não amamentar sem sequer experimentarem. Imagino que muitas mudariam de ideias se lhe dessem pelo menos uma oportunidade. Mas, ao mesmo tempo, sinto-me um pouco solidária: amamentar, especialmente nas primeiras semanas, é um bocadinho como se fosse uma prisão, pelo menos para mim foi. É difícil fazer coisas tão simples como sair apenas por umas horas para espairecer e esquecer as noites mal dormidas. Mas ao mesmo tempo, a mama é tão conveniente e quase sempre resolve! Seja como for, a mama chegou naturalmente ao fim, sem ajudas nem medicamentos, sem dramas e apenas com a medida certa de saudades. A miúda não se queixa e nós brindámos com um copinho de Monte Velho! À mama!

outubro 12, 2015

A place to call our own


Finalmente acabámos de arrumar e decorar a nossa casa. Oito meses depois de nos termos mudado, oito meses depois de ter feito mudanças grávida de quase nove meses, oito meses depois de arrastar sacos e caixotes pela neve mas chegámos aqui.

Nem a propósito, vi hoje um episódio desta série e uma das personagens dizia qualquer coisa como A house is like a marriage, you have to be in it for the long run. E é mesmo isso, é mesmo assim que me sinto quando olho para a maneira como a nossa casa tem progredido. É duro, é um processo lento, requere muito tempo e ainda mais vontade mas em troca dá-nos a melhor das sensações: a ideia de pertencer a um sítio. Primeiro foram algumas coisas que trouxemos da casa antiga que ficaram por fazer; depois foram coisas novas que idealizámos juntos que foram ficando por montar; e ainda foram as coisas que ainda tínhamos guardadas em Portalegre e que este Verão fizeram  finalmente a viagem até aqui. Foram precisos alguns pregos e parafusos, discutir as ideias que ambos tínhamos para os mesmos sítios, a paciência inesgotável dele para montar móveis! Este fim de semana demos os trabalhos por concluídos (os interiores, que para o ano quero tratar de aproveitar melhor o pequeno - mas jeitoso - jardim que nos calhou em sorte). E eu respirei de alívio porque só estou bem quando a lista de coisas a fazer (milagrosamente) desaparece.

No dia em que visitámos esta casa pela primeira vez (faz este mês um ano, é incrível a velocidade do tempo!) eu senti-me estranhamente em casa. Era um dia cinzento, a luz já começava a escassear, a casa estava vazia e húmida. Eu disse durante a visita que me imaginava a viver ali e no final disse ao rapaz da imobiliária que queria mesmo ficar com a casa. Não visitámos mais nenhuma: esta casa tinha o tamanho e disposição ideiais, já para não falar da localização perfeita. Seria impossível encontrar outra casa com a mesma relação tamanho-preço-localização. Eu tinha pressa e nunca me arrependi, pelo contrário. Assinámos a promessa de compra no dia em que fiz os trinta e cinco anos e aposto que se podia ver bem a felicidade que sentia!

A nossa casa faz-me não ter vontade de sair. A nossa casa tranquiliza-me e fez-me perceber a dimensão das memórias que já vamos recolhendo como uma família. A nossa casa ainda é nova para nós mas faz parte da nossa história. É um bocadinho de sorte mas também (todos os dias) uma imensa parte de nós.