dezembro 30, 2014

Adeuzinho 2014!


Nem quero acreditar que este ano já acabou! Parece que ainda ontem estava a programar a passagem de ano com os meus miúdos aqui em casa, a tratar das playlists e da pista de dança, a encher a mesa de petiscos e já estamos aqui outra vez.

Este ano foi... intenso, para dizer o mínimo. Com as novas responsabilidades profissionais seguiram-se os voos para visitar clientes e potenciais clientes (passei cento e quatro horas em aviões e percorri cerca de cinquenta e oito mil quilómetros, o que chegava para 1.45 circumnavegação da Terra...) e outros em passeio. Pude, finalmente, concretizar o meu sonho de pisar outro continente, ao mesmo tempo que visitava uma cidade do meu imaginário. Pude tomar banho nas fresquinhas águas portuguesas e também nas águas com temperaturas caribenhas. Em Ibiza, não vi mais do que o interior de um hotel e a vista a partir do aeroporto. Comi umas quantas tapas entre Madrid e Barcelona mas sozinha, o que lhes retirou algum encanto. Fui a Portugal mais vezes do que podia imaginar e por isso consegui atenuar as saudades de casa.

Vi-me num novo trabalho para o qual, entendi mais tarde, não estava realmente preparada. Mas creio que estive à altura do desafio e fui fazendo o melhor que podia e sabia, tentando, em silêncio e com muita observação, aprender com os outros. Muito do que sei hoje resulta dessa atenção e desse estudo meio dissimulado das atitudes que são esperadas neste meio. Ainda tenho um longo caminho pela frente, que nem sequer sei se quero percorrer. Foi o ano das piores dúvidas da minha vida: perguntei-me muitas, muitas vezes o que fazemos nós aqui. Posso dizer que foram meses de total angústia, a pensar que nada disto tem sentido, a querer fugir a pessoas e a responsabilidades sem nunca o conseguir inteiramente, a pôr em causa todas as minhas decisões, a minha vocação, até o meu instinto maternal. Chorei muito, durante esse período, e pensei que podia ter entrado em depressão. Felizmente, tive a mão de sempre à minha espera para me ajudar a levantar e ver para além das... hormonas!

Entendi depois que a pior parte das minhas dúvidas chegou ao mesmo tempo da notícia por que tanto esperávamos: vinha aí mais um bebé! Muita da minha angústia se pode explicar com essa fase inicial da gravidez, onde tudo me parecia aterrorizador e onde eu me sentia completamente perdida, sem saber o que queria ou como deveria mudar. Já o disse antes: foi um ano e meio a tentar ter este bebé, à procura de razões para esta demora, à procura de respostas que não precisava - apenas precisava de descansar e deixar as coisas acontecerem naturalmente. Depois seguiram-se os meses de dúvida (será que a gravidez aguenta? Será que o bebé está vivo? Será que está inteiro e são?) que finalmente se dissipou. Apesar de me sentir muito mais tranquila agora, a verdade é que as semanas de enjoos e náuseas constantes e agora os dois últimos meses de dores nos ossos não me têm propriamente ajudado a gozar tudo como queria. Eu brinco a dizer que é da idade mas não sei, se calhar é mesmo e o corpo começa a dar os primeiros sinais de que necessita abrandar.

Acabo este ano a agradecer a família que me calhou em sorte e a família que escolhi. Os que estão longe tudo fazem para minimizar esta distância e estão sempre disponíveis para nos ouvir; os que tenho ao meu lado são realmente a melhor coisa que me aconteceu: um amor que nunca desertou, mesmo depois de tanto disparate e tanta crise hormonal, sempre pronto a ouvir-me e a abrir-me os braços, mesmo que às vezes precise de ser lembrado que esses abraços fazem falta; um filho que se tem tornado numa criança mais sociável, que amadurece e ainda luta para deixar as birras, que gosta muito dos outros, que é sensível e preocupado, que me fala em Português, Francês e Luxemburguês, que gosta de mim com tanta força que às vezes preciso de o afastar. E agora uma filha, uma menina para aumentar a família e encher ainda mais a nossa casa de gritaria, choro e amor.

Em 2014 passei mais tempo sozinha e isso fazia-me falta, consegui fazer mais coisas de que gosto (ler vinte e cinco dos trinta livros que tinha previsto já me parece uma vitória), só me faltou um bocadinho mais de Sol e de céu azul. Para o ano que aí vem só peço muita paciência e muita calma para o momento em que passarmos a ser quatro. Peço clareza de ideias e confiança no meu instinto maternal - afinal, já temos um filho de quatro anos, portanto alguma coisa fizemos bem! E espero poder resolver o emaranhado de ideias que me assombra as decisões profissionais, ao mesmo tempo em que encontro o tempo para mim no meio das três outras cabeças cá de casa. E para vocês, o que ainda vêm aqui ler-me, desejo um ano memorável, em que possam viver com muita tranquilidade e prosperidade, mesmo que isso signifique diferentes coisas para diferentes pessoas. Que não tenham que viver na incerteza e que encontrem sempre forças para lutar pelo que desejam. Para o ano há mais!

dezembro 18, 2014

Reconhecimento


Eu sei, eu sei: nos últimos meses, não andei muito feliz a nível profissional, o que me fez questionar muitas coisas, em especial o meu percurso futuro. Quando pensava que já tinha encontrado uma resposta, aconteceu-me uma coisinha chamada Amália e digamos que todos os planos (ou esboços de planos) que tinha na cabeça foram necessariamente colocados de lado. Não custou muito, aceitei a mudança tranquilamente, afinal é por uma boa causa.

Mas é preciso ser clara: o meu desalento não foi causado directamente pelo sítio onde trabalho mas sim pelas expectativas e planos que eu mesmo tenho vindo a criar para mim. É apenas um reflexo de alguns anos de trabalho em áreas em que nunca me imaginei ou em que sou, na prática, forçada a aprender tudo de raíz e em que a natureza das actividades não podia estar mais longe da minha personalidade. Isto partindo do princípio de que sei exactamente do que falo... Ainda não fui capaz de verbalizar o que gostava exactamente de fazer mas sei duas coisas: gostava que envolvesse uma parte criativa e de alguma liberdade e também que me fizesse sentir que o meu trabalho é importante e que posso ajudar outras pessoas com ele. Não está fácil, eu sei, porque isto pode ser muita coisa. E bem, com o tipo de qualificações que tenho ou fui adquirindo, o mais fácil é ser engolida por qualquer monstro capitalista que tenha sede no Luxemburgo do que fazer qualquer coisa que valha mesmo a pena.

Isto tudo para dizer que me sinto grata por trabalhar na minha empresa, mesmo com todas as dúvidas e hesitações idealistas que me assaltam às vezes. Para mim, continua a ser muito difícil a batalha entre fazer o que é preciso para viver e (tentar) fazer aquilo que me faz feliz, sendo que a primeira hipótese ganha sempre. Cada dia, cada mês ou ano que passsa, fica ainda mais complicado renunciar à estabilidade e conforto que é ter um emprego fixo, com oportunidades de desenvolvimento e desafios constantes e agarrar o desconhecido - é cobardia, eu também sei. E com todos os seus defeitos e com todas as decisões com as quais não concordo ou com todas as mudanças um pouco assustadoras porque temos passado este ano, preciso dizer que mesmo assim é bom trabalhar numa empresa sólida, com planos para o futuro e com uma cultura empresarial em pleno desenvolvimento. Algumas vezes, um pouco cega com os pequenos problemas do dia a dia, esqueço-me dos esforços e dos investimentos que se fazem nos funcionários. Noutras vezes, em que tenho mais tempo para apreciar verdadeiramente a estrutura que me rodeia, sinto orgulho por fazer parte desta organização bem oleada e gerida à boa maneira suiça.

Gostava poder ser mais constante e, algum dia, sentir que estou finalmente no sítio que sempre me tinha esperado. Talvez isso não seja realista - no próximo ano, não será com toda a certeza, embora vá estar no melhor sítio possível, que é a cuidar da minha filha. Até que encontre essa paz de espírito, agradeço o que tenho vindo a conquistar, assimilando as partes boas e más da experiência, consciente de que o mundo é um pañuelo, já dizem os espanhóis, e que é preciso deixar sempre a melhor impressão possível. Uma pessoa lá sai preparada para isto duma universidade... Aprender a trabalhar e a conduzir são actividades exactamente no mesmo plano: a teoria é muito linda mas só quando somos obrigados a meter as mãos na massa ou a fazer aquele ponto de embraiagem é que vemos como elas são. Para já, não tenho conduzido muito mal.

dezembro 10, 2014

(Ainda aqui estou...)

Os dias arrastam-se pelo lamaçal que têm deixado a chuva e a tímida neve que já caiu aqui pelo grão-ducado. De hoje exactamente a um mês, estarei livre das obrigações profissionais para me dedicar simplesmente a esperar que a nossa filha nasça mas o tempo parece que teima em abrandar e um mês ainda me parece uma eternidade.

O que me consola é que, ao contrário do ano passado, iremos a casa pelo Natal e pelo menos esse conforto já não nos tiram. Será a última viagem que farei antes da miúda nascer e depois dedicar-me-ei a ficar com os pés bem assentes na terra. Lembro-me de como me sentia por esta altura no ano passado: um pouco vazia e desanimada, obrigada a passar o primeiro Natal longe de casa. Há quem o faça com frequência ou até mesmo voluntariamente mas para mim foi um golpe difícil, só possível de aguentar porque estava de férias com os meus dois rapazes e acabámos por passar uns dias no quentinho da nossa casa, entre pijamas, presentes e filmes de bonecos, que o rapaz mais novo custa a entreter. Via toda a gente a preparar o seu Natal por aqui, via os portugueses a comprarem as caixas gigantes de bacalhau e a encherem os carros de vnho e licores portugueses e sentia-me ainda mais deprimida por nos faltar essa estrutura aqui: uma familia que fizesse valer a pena uns bons quilos de bacalhau e uma garrafeira cheia. Mas este ano não, este ano sinto o alívio de quem vai estar em casa nesta altura do ano. Não que eu dê muito valor à quadra religiosa - para mim, é simplesmente uma altura do ano para estarmos juntos e, desde há muitos anos, reencontrar amigos que não vemos com tanta frequência (amigos emigras e não-emigras, estamos lá!).

De resto, novidades que manterei discretas neste momento (o tempo ensinou-me que não devemos fazer foguetes antes da festa e que os poderes da inveja e maldicência são fortíssimos) vão fazer que este Natal seja exactamente só dos miúdos, já que nós temos muitas coisas em que pensar. Não sei se o timing para isto foi o melhor mas foi de certeza o único possível e tem ocupado as nossas cabeças em muitos momentos livres. Os presentes, esses, já estão confortavelmente à espera de serem entregues em Portugal, já que este ano decidimos comprar tudo online (para não carregar com eles quando formos de viagem e para pagarmos apenas os portes indispensáveis). Continuo a lamentar não ser daquela malta criativa, que faz os seus próprios presentes, embora tente (sempre que possível) dar aquele toque pessoal no que oferecemos.

E agora seguir-se-ão dias em que apenas distinguimos se é dia ou noite pelos relógios, já que parece que apenas existem duas alturas no dia: escuridão completa e anoitecer constante. Eu pergunto-me como é que a malta da Escandinávia consegue sobreviver a tanta noite seguida e com a palete de cores limitada ao cinzento. É a minha única maneira de colocar as coisas em perspectiva: lembrar-me que este Inverno não é nada comparado com outras latitudes e longitudes. Até agora tivemos uns dois dias em que nevou mas nunca o suficiente para manter um manto branco sobre o chão mais do que uma hora ou assim. Eu cá agradeço, é conhecido o meu desprezo pela neve (sim sim, é muito linda mas quem é que tem pachorra para andar sempre com medo de cair assim que põe o pé fora de casa, quem é que tem paciência para escovar bem o vidro do carro todas as santas manhãs umas cinco horas antes do Sol nascer, quem é que gosta de ter a casa cheia de pegadas fresquinhas? Eu não, claro está).

Se desse, o que eu faria agora era deitar-me para a sesta mais comprida de sempre e acordar apenas quando fosse hora de meter esta miúda cá fora. Já me chateio a mim mesma com as queixas das dores de ossos e de como me custa levantar de uma simples cadeira e de como as minhas articulações me têm dados maravilhosas noites de insónia. Mas não, diz que ainda há muito trabalhinho para fazer, muita roupa cor de rosa para lavar e abraçar já em antecipação, muitas escadas para subir e descer com gemidos de dor quase a cada degrau. Pelo menos, até ver, não sofro daquele inchaço terrível de estar grávida em pleno Verão. Deixa-me cá bater na madeira, entretanto!

novembro 26, 2014

Seis meses de Amália: um balanço

Há já seis meses que ando a carregar com esta miúda para todo o lado. Parece-me incrível e parece-me que ainda foi ontem que as náuseas me faziam sentir como se estivesse num pesadelo. Bem comportadas, elas desapareceram assim que terminou o primeiro trimestre, o que eu e até o meu trabalho agradecemos muito.

A segunda gravidez é mais ou menos como a ouvi descrita: já passou um pouco daquele entusiasmo, daquela sensação de magia e sobra o desejo que, tal como da primeira vez, aí venha um bebé saudável e é tudo. É especialmente mais difícil concentrar-me tanto nela porque desta vez já há um pequeno cavalinho de quatro anos que não me larga um minuto, que quer deitar-se em cima da barriga, que fala para a irmã e diz muitas vezes que ela está a chorar ou a mexer-se quando não sinto absolutamente nada. Claro que continuo a ter os meus momentos privados com ela e muitas vezes me divirto com os malabarismos que ela vai fazendo sem respeitar as minhas horas de sono ou de descanso mas, ao contrário da primeira vez, preciso dividir pensamentos e amor com alguém que já cá está há mais tempo.

Diferente da primeira gravidez é também o meu estado geral. Sinto-me muito mais pesada e muito mais lenta desde mais cedo, sofro um bom bocado com dores nos ossos e nos rins (na primeira vez, isso apenas aconteceu quando o parto se aproximava, maldita relaxina antes do tempo), tenho já vontade de parar. Felizmente, por aqui a licença de maternidade começa dois meses antes da data prevista para o parto e isso vai ajudar-me a descansar um bocadinho. Mas passar o dia todo sentada em frente ao computador não tem ajudado muito a terminar os dias em forma. Depois disto, não me parece que queira sequer considerar a hipótese de um terceiro filho: se as gravidezes vão piorando a minha condição física, o melhor é mesmo, mesmo ficar por aqui.

Finalmente comprei umas roupinhas para a miúda, que está a crescer bem e já ultrapassou os oitocentos gramas de peso. Primeiro, não sabia o sexo do bebé e não me apetecia arriscar nem comprar roupas neutras. Depois de saber o sexo, mergulhei numa espécie de preguiça mas também no sentimento que já não faço ideia do que nos faz falta. Parece que a primeira gravidez foi há séculos atrás e que tenho que recuperar coisas que não sei em que parte da minha memória enfiei. Se por um lado parti para esta gravidez com a tranquilidade de quem já passou por isto, por outro sinto-me como se tivesse que aprender tudo de novo. Acho que vai ser muito interessante quando ela finalmente chegar cá fora e estou ansiosa por ser mãe de uma menina!

novembro 21, 2014

E quando emigrar não corre bem? *

Quando saímos de Portugal, decidimos que não íamos vender a nossa casa em Lisboa. Por razões sentimentais, é certo, mas principalmente porque não fazíamos ideia do que nos esperava lá fora. Eram dois adultos a sair e apenas um deles com um contrato de trabalho - as coisas podiam correr bastante mal, a meu ver, embora não tivesse partido pessimista.

Emigrar, toda a gente está farta de o saber, pode ser uma mudança extremamente violenta: depende do país para onde se emigra, da vontade que realmente se tem de emigrar, da força de vontade e preserverança para vencer todos os obstáculos que se vão apresentando no nosso caminho. Deixa-se uma vida inteira para trás, arrumada em caixas e sacos gigantes que alguém faz o favor de nos guardar (porque não sabemos se voltamos ou quando voltamos), despedimo-nos da gente que nos vai fazer falta (um até já indefinido, em que disfarçamos a tristeza com a ideia que nos vemos em breve). Chegamos e (provavelmente) damos de caras com outro clima, demoramos uma eternidade a construir uma rotina e a descobrir todas as manobras burocráticas que nos vão permitir viver sem preocupações, tentamos encontrar um trabalho em que não interesse a nossa origem (ou talvez ela seja mesmo uma vantagem), mergulhamos noutra(s) língua(s) e às tantas já não sabemos em que língua nos exprimimos melhor, talvez no caos da sua simultaneidade. Damos graças pela tecnologia que nos deixa ver quem deixámos para trás, sem que nunca possamos sentir o seu cheiro ou aproveitar o seu abraço, tornamo-nos simultaneamente mais e menos Portugueses neste processo de habituação. Com o tempo suficiente, já nunca somos só de uma só nacionalidade.

Mas e se de repente percebemos que isto correu mal? Se acordarmos com a sensação de que o nosso lugar não é numa cidade estranha, num emprego estranho, numa casa que não é a nossa cara? Então e se a sensação de que não pertencemos a este sítio se for apoderando de nós sem darmos conta, até chegarmos ao momento em que voltar atrás passa a ser uma inevitabilidade?

Eu sei que isto não significa falhar. Eu imagino que seja difícil aceitar (bem cá no fundo) que a solução é voltar à estaca zero mas este recomeço não apaga nunca a coragem que foi necessária para chegar até ali. Eu tenho a certeza que, não importa a duração desta ausência, as pessoas desenvolvem um apurado sentido de resistência e até, em muitos casos, de sobrevivência que nunca esquecerão. As pessoas passam a lidar melhor com quem as olha de lado, com quem não conseguem compreender, com culturas tão fundamentalmente diferentes, com quem não compreende que se deixe um país, uma casa, uma família à procura de uma oportunidade mais justa. Emigrar, para mim, carrega em si um conceito que só consigo traduzir em Inglês: restlessness. Eu acredito que as pessoas que emigram são inquietas, na sua mente e no seu coração, e isso não se perde mesmo quando voltam a casa. Está lá e continuará empurrando essas vidas para a frente, permitindo menos espaço para a resignação. Falhar é ficar em casa a pensar E se?... Falhar é forçar a permanência de alguma coisa que nos deixa extremamente infelizes. Falhar é não responder à nossa voz interior. Só temos que a ouvir, seja para partir ou para ficar. Fingir que ela não existe é que não.

* uma reflexão para alguns corajosos emigrantes.

novembro 11, 2014

Ser banana: uma definição

Eu sou uma pessoa-banana, é a conclusão a que cheguei hoje depois de levar na cabeça de marido e colegas de trabalho. Pelo menos profissionalmente falando, tenho sido uma banana, especialmente nestes últimos meses/anos, em que resolvi (inconscientemente, diga-se a meu favor) não reclamar os direitos que são meus.

Eu sou daquelas pessoas que vai a um restaurante, encontra um cabelo no prato mas não reclama porque não quer chatear o empregado e muito menos o cozinheiro e afinal é só por o cabelo de lado. Sou daquelas pessoas que se irrita no trânsito com a cambada de chicos espertos que se veêm por aí mas não saco da buzinadela quando é preciso e fico a remoê-la o resto da tarde. Da mesma maneira, não sou capaz de reclamar se não me aplicaram uma promoção a que tinha direito numa compra ou falta-me muitas vezes a resposta necessária em situações em que me estão a pisar. Eu sou assim e muitas vezes por uma razão um bocado parva: não dou valor suficiente às coisas materiais, na maioria dos casos. Não me apetece chatear-me por pagar dez euros a mais, nem me vou aborrecer se a comida não era aquilo que esperava. Não consigo ser como aquela minha colega que assim que chega ao hotel começa a reclamar para que a pessoa que a atende lhe faça logo um upgrade ao quarto, não dá. Atenção que eu entendo que isto é estúpido e promove a continuação de serviços/produtos/relações medíocres. Mas eu consigo lá parar com isto?

Mas agora, e pelo menos numa situação particular, decidi que chega disto. Não é o resultado em si que me interessa mais, é a atitude para comigo. É deixar que os outros pensem que eu papo grupos e que podem fazer gato-sapato da minha pessoa só porque sou demasiado preguiçosa ou ingénua para lutar por aquilo a que tenho direito. Não quero comprar nenhuma guerra e talvez esse seja também o meu problema: para não incomodar ou não desafiar os poderes instituídos, tenho optado por manter a bola baixa e dizer que sim a tudo. Mas não me apetece mais, pelo menos não agora. Não estou para aceitar tudo o que me apresentam se sequer pensar no que estou a fazer. Não vou desistir de reclamar os meus direitos com receio de represálias (especialmente quando não existe razão para as mesmas existirem). Estou um bocado farta e agora, com a barriga já deste tamanho, estou ainda pior. Sinto-me enfartada com as pessoas que pensam que os outros, os que estão supostamente abaixo, têm a obrigação de comer e calar porque elas dizem, só por isso. Sem justificações, só porque sim, acompanhando com um encolher de ombros. Acho que não mereço, honestamente, e acima de tudo não o esperava. Mas já devia saber, surpresas temos todos os dias, especialmente de onde menos esperamos. Quero deixar de ser banana e há que começar por algum lado.

novembro 05, 2014

Por outro lado...

(porque felizmente não existe apenas uma perspectiva das coisas)


Ontem foi a primeira reunião a sério lá na escola do Vicente. A lei obriga a que se façam estas reuniões individuais com os pais para melhor acompanhar e orientar o desenvolvimento de cada criança. É a primeira vez que vejo algo tão bem organizado e documentado, desde que o miúdo entrou para uma creche aos cinco meses. A culpa será certamente nossa que, por distracção, necessidade ou desconhecimento não tínhamos encontrado até agora um projecto educativo tão bem pensado e, acima de tudo, executado.

Entrar para esta escola (aqui chamada de Précoce, o que equivale sensivelmente à pré-primária em Portugal) foi um alívio por diversas razões, mais ou menos importantes. Primeiro, a ideia de que sendo o ensino oficial, o projecto educativo seria mais sólido e mais adequado à integração do Vicente. Em segundo lugar, o facto do ensino ser gratuito, à excepção das refeições, que têm também um preço simbólico. Finalmente, o facto da escolha da escola ser baseada na nossa morada e por isso tê-lo mais perto, sem precisarmos de conduzir quilómetros e perder horas no trânsito sempre que tínhamos que o ir levar/buscar. Para mim, havia apenas um senão no meio disto tudo: é que para além do Francês, que já tinha começado na creche privada, o Vicente ia começar a aprender o Luxemburguês, língua em que eu ou o pai não nos conseguimos expressar nem mesmo compreender. Mas mesmo isto tem o seu aspecto positivo, porque é preferível que ele possa começar a aprendizagem com quatro anos - não irá demorar a apanhar-lhe o jeito.

A escola nova em Setembro foi mais ou menos tudo o que tinha idealizado: um edifício de um só piso, com o seu próprio parque infantil (na verdade um exterior e outro interior), com materiais pedagógicos totalmente novos, pronta a receber alunos de todas as nacionalidades. Devido às nossas óbvias limitações, falamos Francês com as educadoras e penso que nos conseguimos entender bem. Na sala dele, falaram Francês durante as primeiras duas semanas para que as crianças se pudessem ambientar e introduziram o Luxemburguês progressivamente. Hoje, falam inteiramente em Luxemburguês. Não faço ideia se o Vicente compreende tudo mas a verdade é que já se sai com algumas frases em Luxemburguês lá em casa. Há miúdos de todas as origens na sala dele e há pais que nem Francês falam e não foi por isso que deixaram de se entender com as educadoras. (Quero acreditar que as notícias que se ouviram nos últimos dias são casos extremos e isolados e  não a regra.)

Há uma manhã destinada ao exercício físico e outra dedicada aos passeios pelo bosque, independentemente da meteorologia que se fizer sentir. O Vicente tem os seus dias, já se sabe. O balanço que fizeram foi até bem melhor do que eu esperava: gosta de mandar, o pequeno tirano, e faz questão de se expressar quando está de acordo e quando não está. É muito aplicado e exacto nas suas actividades e tanto gosta de fazê-las sozinho como em grupo. Precisa de melhorar o seu comportamento em grupo porque gosta de ser o centro das atenções e já se imaginam as consequências quando não é esse o caso. Ele não é daqueles miúdos doces e calmos, capazes de partilhar desde muito pequeninos. É o meu pequeno furacão que dá que fazer a quem toma conta dele, sendo que é a nós, pais, que faz a vida mais negra. É natural, já aprendi.

Ouvi-lo a interagir com os outros em Francês ou Luxemburguês para mim é tudo: um orgulho e a promessa de que se integrará melhor do que eu. Não é por me opor à punição daqueles que falam Português nas escolas que quero que o(s) meu(s) filho(s) desrespeite(m) o país onde escolhemos viver. Mas no meio desta misturada de línguas e aprendizagens, quero que ele nunca se esqueça de onde vem, o meu alfacinha que não nasceu alentejano para meu desgosto. Se a escola for sempre assim (organizada, inclusiva, consciente das particularidades de cada criança) estamos bem. Que pena existirem esses sinais de segregação por aí mas também nos cabe a nós, pais, ensinar que há tempo para tudo. Mesmo para se portarem um bocadinho mal :)

novembro 03, 2014

A nossa pátria é a nossa língua?

(a propósito desta notícia)

O nosso filho é Português e Português é também a língua que falamos com ele em casa. Às vezes fazemos excepções para ver como vai o Francês e agora somos surpreendidos com as suas tiradas no Luxemburguês rudimentar que já traz da escola mas, no essencial, queremos expressar-nos com ele na língua do nosso país. A não ser que ele possa entrar de futuro na Escola Europeia, não vejo outra maneira de ele poder continuar a falar a sua língua (nem falemos de aprendê-la verdadeiramente).

Leio alguns comentários à notícia e fico incomodada. Aparentemente, aos pais que emigram não é permitido continuar a desejar que os filhos guardem alguma da sua herança cultural - apenas podemos postrar-nos agradecidos por este país ter sido tão generoso em acolher-nos e mandar Portugal às urtigas. Eu cá tenho uma ideia um bocadinho diferente: quero que o meu filho se possa integrar totalmente no país onde escolhemos viver, o que significa que talvez vá ter que dominar o Luxemburguês, o Francês e o Alemão; mas também quero que o meu filho não se esqueça nunca do sítio onde nasceu, com as suas virtudes e defeitos e, quem sabe, possa ainda conhecer a sua história, geografia, tradições. Ter vindo para aqui não implica que cortámos definitivamente relações com o sítio onde nascemos nem ter que assumir uma posição submissa face à comunidade onde nos inserimos agora. Podemos continuar a pensar por nós, parece-me.

A situação que se vive aqui no Luxemburgo é, de facto, complicada, com o Português a ser a segunda língua mais falada nas escolas, à frente de duas das línguas oficiais do país. É o resultado da emigração em massa, talvez um pouco assustadora mas mesmo assim necessária: o Luxemburgo precisava, pelo menos até há uns anos atrás, da mão de obra que este emigrantes portugueses puderam trazer. Vivermos fechados numa comunidade artificial, baseada no simples facto de que somos Portugueses, parece-me absurdo. Mas também me parece absurdo que tenhamos que renunciar às nossas origens, à nossa língua, aos nossos costumes só porque decidimos construir uma vida noutro país. É preciso equilíbrio. É preciso entender que existem momentos para tudo e que não é punindo as crianças que se vão conseguir melhores resultados na sua integração. Muitas delas vieram de Portugal já com oito, nove anos, o que dificulta ainda mais a aprendizagem do Luxemburguês.

Se por um lado nunca me senti verdadeiramente mal tratada aqui, também é verdade que há sempre um véu de suspeição e de algum desapontamento que se levanta quando mencionamos que somos Portugueses. Às vezes nem o Francês é suficiente, apesar de ser também língua oficial, e fica claro que falar Luxembuguês é uma marca distintiva para quem nasceu aqui. Eu consigo compreender que os Luxemburgueses queiram defender aquilo que é seu - afinal, é uma tarefa hercúlea se pensarmos na percentagem de estrangeiros face à de nativos - mas não me parece que castigar crianças que falem outra língua seja o caminho a seguir. Que o miúdo saiba sempre quando é tempo de falar o quê, é o que desejo.

outubro 21, 2014

Londres

Desta vez, vim de lá convencida que nunca poderia viver lá: é uma cidade gigante (especialmente se comparada com a área do Luxemburgo-país), com demasiadas pessoas em todo o lado e com hora de ponta nos transportes que é... basicamente a toda a hora. Aqui, desterrada neste fim de mundo, aprendi a dar valor às viagens de dez, quinze minutos para as coisas mais essenciais, sem ser apertada e empurrada em espaços demasiado quentes e claustrofóbicos, sem grandes massas de turistas a bloquear o acesso a tudo.

Mas é claro que Londres é mais do que isso. São os mercados de rua cheios de gente de todos os continentes, são as pessoas a fazerem fila para tirar uma fotografia com o Big Ben como pano de fundo, são os cafés todos diferentes, cuidadosamente pensados e cheios de gente dentro e à porta num Sábado à noite, são as pessoas cheias de sacos de compras em frente ao Harrods, são os museus à borla, é o número interminável de actividades entre as quais escolher, é a comida de todo o mundo, o Tamisa debaixo daquele cinzento-Londres e as torres de vidro onde se fazem os grandes negócios, é a cidade a estender-se até se perder de vista, são os grafitis e as ruas transformadas num museu ao ar livre, são as fachadas dos apartamentos para onde nos queremos mudar já, são os jardins cheios de Outono e os cemitérios pouco mórbidos, são as excursões intermináveis de miúdos e graúdos, é a meteorologia melhor do que no Luxemburgo mas sempre pior que Lisboa, são as lojas abertas ao Domingo e até durante vinte e quatro horas, é o design a espreitar por todos os lados, são os comboios a horas e os autocarros de dois andares tão populares entre os menores de cinco anos, é escolher entre hamburguer e lagosta e nunca ter provado o fish'n'chips, são as cervejas que parecem chichi, é o lixo por todo o lado e nunca totalmente apanhado, são as linhas de metro acima e debaixo de terra. É uma cidade maravilhosa para passar umas temporadas, especialmente se se tem tempo e (bastante) dinheiro, há gente e actividades para todos os gostos e bem, uma parte do meu coração vive lá há uns tempos, agora em Earls Court. Se precisasse de razões para voltar, ela bastaria, com a sua casa de bonecas e as suas ideias para nos levar a sítios novos. E é por isso Londres que te quero tão bem - porque fazes o mesmo por ela.

outubro 15, 2014

À segunda

À minha frente, duas colegas de trabalho (uma delas com o pequeno bebé de seis meses ao colo) falam sobre as maravilhas da maternidade, tendo ambas sido mães há pouco tempo atrás. Estão a comentar como tem sido, se eles dão muito trabalho, se comem e dormem bem, se têm muito cabelo. Eu, no silêncio que envolve o resto do escritório, sorrio candidamente, com aquela sensação estúpida de que tenho todas as respostas às dúvidas delas. É claro que não tenho, lembro-me enquanto as continuo a ouvir, como não as tinham antes as pessoas que me queriam bem e que gostavam de me aconselhar. É verdade que sinto que tenho uma ligeira vantagem sobre elas, na medida em que já passei por tudo uma primeira vez e que sei que não há fórmula mágica que nos valha, só muita preserverança, muitas tentativas-erros, muitas noites sem dormir e muitas tardes a desejar poder fechar os olhos.

Pensando nisto, gostava de ainda ter a mesma ingenuidade que elas parecem ter. Com um segundo filho, vem aquela sensação de familiaridade, de tranquilidade relativa de quem passou por um tornado de emoções e fraldas mal postas, de leite materno e leite em pó, de dentes que teimavam em não romper mas também das primeiras papas e sopas com e sem carne, dos primeiros passos meio a medo, do vocabulário que parece nunca mais terminar. Um pouco da magia já se foi, mas é claro que ainda pensamos no que aí vem, numa pessoa totalmente diferente, com a sua própria personalidade. Certo é que é muito fácil identificar aqueles desconfortos associados à gravidez, especialmente agora que começam muito mais cedo do que na primeira rodada.

E já agora, fica a novidade, para quem não o soube ainda: vem aí uma menina! Eu espero, sinceramente, que a minha médica não tenha nenhum problema de visão ou que o equipamento das ecografias esteja a funcionar com total nitidez. Não sei porquê mas sentia-me uma "fábrica de fazer rapazes", era mesmo uma coisa que me parecia real. No meu íntimo, gostava de estar errada e que agora pudesse experimentar a sensação de ser mãe de uma rapariga. A natureza fez-me a vontade e nesta imensa lotaria genética calhou-me exactamente aquilo por que todos esperávamos. Que continue assim, é o que desejo, e que venha com toda a saúde do mundo. Não posso é evitar sonhar com laços na cabeça, padrões floridos e todos os acessórios brilhantes!

outubro 08, 2014

Lisboa (para todo o sempre)


Escolho ouvir Orelha Negra e as memórias soltam-se, desordenadas. Estava provavelmente a sobrevoar o Norte de Espanha mas há mil quilómetros que a minha cabeça está em Lisboa. Sinto sempre aquele frémito quando se aproxima a hora de voltar, sempre. Sempre. De repente, desço a rua do Alecrim num final de tarde. A seguir, vejo o dia em que bebemos café em Belém e depois entrámos no Museu da Electricidade. Subo para o Jardim de São Pedro de Alcântara e sento-me com vista para o castelo. É a minha cidade, podemos escolher a nossa cidade ou ela simplesmente se impõe? Sentada no miradouro de Santa Luzia a ver os barcos a passar em câmara lenta, a inventar romances de faca e alguidar sobre os telhados de Alfama. O dia em que me enfiei numa velha mercearia porque andava um cavalo à solta na Morais Soares. A cidade que ambos tanto desejámos, como se tudo fosse possível apenas ali. Debaixo das copas que ladeiam a Ferreira Borges, a sensação que conseguimos. (Mas conseguimos exactamente o quê?) A rua do Poço dos Negros a um Sábado à noite, os enchidos a decorarem uma montra, os eléctricos que ainda não passavam. A mesma Lisboa onde tanto chorei, os quartos de onde insistia em não sair, das coisas impensadas e dos arrependimentos. A mesma capital antiga, ora demasiado snob, ora a cheirar a sardinhas e cerveja morta. As colinas onde morei, as casas que aluguei e que acabaram donas de mim. Os amigos que vieram e os que se foram, os nossos vizinhos como se já tivessemos sessenta anos. A casa que quase comprei, que às vezes ainda me assalta a memória em vagas de uma nitidez tremenda. Tudo o que me falta fazer na minha Lisboa, todos os despertares e anoiteceres em que falta a verdadeira luz das estrelas, os becos por onde ainda nunca passei. A turista que agora sou, absorvendo simultaneamente uma cidade estranha e a cidade que é minha. A minha Lisboa que há-de ser sempre cantada em Português, um cafezinho, um pastelinho de nata e a continha. Quantas linhas poderei eu escrever mais sobre ela? Quantas mais vezes sentirei o aperto de quem regressa aos braços de um grande amor? Quantos mais anos de saudade poderei suportar?

outubro 06, 2014

Pequenas vitórias

Quando imaginei como seria o primeiro filho, era uma criança muito delicada, meiga e acedia prontamente a qualquer pedido que lhe fizessem. Adorava a família e amigos e demonstrava esse afecto de maneira inequívoca e exuberante. Gostava de ter tudo arrumado, de brincar em silêncio quando a ocasião assim o exigia e sabia partilhar o que tinha desde tenra idade. Teria, na minha ingénua cabeça, o filho perfeito.

Hoje, mais de quatro anos passados, sei apreciar as pequenas vitórias e também a estratégia que usámos para consegui-las. Uns dias corre tudo muito mal, noutros as coisas parecem estranhamente certas, demasiado perfeitas para serem verdadeiras. Como esta manhã, em que contei zero birras, em que consegui que se levantasse sem nenhuma reclamação, em que ele soube à primeira o que queria comer e deixou sem reservas que o vestisse, em que lavámos os dentes juntos e em que o deixei na sala de aula sem um grito, uma lágrima, um esgar de teimosia. Apenas um até logo, um abraço e cinco ou seis beijos que nunca sei conter. Saí da escola com a maravilhosa sensação do dever cumprido sem perder mais uns meses de vida com as chatices das manhãs, feliz ao passar pelos pais que certamente sofrem do mesmo todos os dias, capaz de enfrentar o dia de trabalho sem já algum amargo de boca.

Ainda não domino totalmente alguns momentos do dia ou alguns acontecimentos específicos, como o banho, por exemplo. Ainda não percebi que espírito toma aquele corpinho de quatro amorosos anos e o transforma quase num miúdo a precisar de exorcismo. E também ainda me falta descobrir como conseguir que não chore sempre que o vou buscar a casa da senhora que toma conta dele quando sai da escola. De resto, ajuda muito falar sobre as coisas e, infelizmente para nós, repeti-las vezes sem conta. Andamos agora a lutar com trauma de dormir sozinho quando está a chover e vou conseguindo sucessos pequeninos: primeiro, dormia na nossa cama; depois, arranjei um amiguinho com música que o ajuda a voltar a dormir se a chuva se tornar muito forte; finalmente, elogio-o muito quando volta a adormecer e passa a noite inteira na sua cama. Fica orgulhoso por ser tão valente e eu espero que isso lhe fique na memória. Depois há sempre a questão de escolher as batalhas: não me chateio muito com os brinquedos que quer levar para a banheira, não insisto nas refeições (mas deixo claro que não há direito a fruta se nem se tocou no prato principal), deixo-o vestir a camisola da selecção até não poder mais.

Às vezes é duro: se não sou fã dos castigos corporais, também não me agrada a constante negociação para as coisas mais simples. Só que não me posso esquecer: é inútil tentar que ele seja razoável e racional nas birras que faz. O mundo é dele, roda em torno dele, serve para o satisfazer. O nosso trabalho é mostrar-lhe, lenta e construtivamente, que não é bem assim. E a seguir o que há a fazer é comemorar com ele as pequenas vitórias, os pequenos passos que dá em direcção a uma vida sem birras, inspirarmo-nos nestes pequenos sucessos para tentar inventar a receita dos próximos e saludarmos a boa e saudável dose de frustração que vem destes pequenos nadas.

setembro 29, 2014

Quatro!

Lugar comum dos lugares comuns: ainda ontem tinha aquele ratinho ao meu colo, passavam precisamente quatro minutos do meio-dia e já hoje celebramos o seu quarto aniversário! Por muitos livros e artigos que tenha lido até àquele momento, não me podia ter preparado para o que significa ser mãe e especialmente mãe desta criatura tão cheia de impulsos e caprichos, com pouca vontade de dormir e muita vontade de comer mas com os olhos mais brilhantes e cheios de vida que já vi. Eu sei que não fazemos sempre as escolhas certas com ele e às vezes a paciência leva a melhor mas o que me interessa é ver como ele salta ao pé coxinho, todo orgulhoso, ou como fica contente quando consegue pintar dentro dos riscos, ou como me diz Mãe, gosto de ti para sempre! Menos quando estás zangada. Não sei se ele vai ser um estudante brilhante ou se vai gostar mais de arregaçar as mangas e trabalhar mas hoje é muito bom ver como ainda se entusiasma com a escola e com os dias em que treinamos a escrita e como ainda acha graça a ajudar em todas as tarefas domésticas.

Com quatro anos, o meu homenzinho vai deixar de ser filho único e vai partilhar o meu colo com um bebé que aí vem e isso deixa-me um pouco triste. Eu sei que o amor se multiplica e sei que ter irmãos é tão bom mas ele é o primeiro, ele não me larga um segundo, é por mim que ele chama quando acorda de manhã ou quando se destapa à noite, é como se ele ocupasse todo o espaço do meu afecto. Passam hoje quatro anos que deixámos de ser dois para sermos uma casa cheia, de tardes passadas tranquilamente no sofá para pistas de carros e o caos total por onde passa, de saídas a dois para programas pensados para lhe gastarmos energia. Mas no final, o que interessa mesmo são aqueles olhos tão cheios de vida, é ver que, ao contrário de tanta gente no Mundo, a vida dele ainda é fácil, é sentir que posso correr o universo por ele. O meu borreguinho faz hoje quatro anos e tudo o que desejo é que possa continuar a ser livre e feliz, com os seus caracolinhos que ninguém sabe de onde vêm e sua mãozinha que me agarra com tanta força a caminho da escola.

setembro 19, 2014

Aterrar (definitivamente)

Comecei a fazer as minhas últimas viagens antes de chegar Janeiro e com ele o início da licença de maternidade (oito semanas antes da data prevista do parto). Há qualquer coisa de desconfortável em voar tantos quilómetros grávida. Nenhuma indicação médica me impede de fazê-lo mas, secretamente, gostava que a minha médica o desaconselhasse veementemente. À mínima agitação no avião, o meu primeiro pensamento é para o bebé que ainda aí vem, depois a família que já deixei em terra. Tanto que ficava por cumprir, arrepio-me enquanto tento concentrar-me na música em vez do copo que se agita com a turbulência.

Mas viajar grávida tem a vantagem de que me sinto sempre acompanhada e assim o vazio dos quartos de hotel, as esperas intermináveis nos lounges de aeroportos, as viagens de táxi para todo o lado, os longos minutos que antecedem a descolagem, bem como os que passo à espera do embarque - enfim, todos os momentos até ao regresso a casa - me parecem bem mais suportáveis. Ainda estou numa fase em que barriga apenas se revela em condições muito específicas ou com algumas peças de roupa, de resto julgo ter apenas a minha figura de mulher gorda e por isso o meu estado ainda não me consegue aquela simpatia extra que geralmente se guarda para grávidas e bebés de colo. Como na primeira gravidez, é à noite que sinto a barriga maior, mesmo quase a crescer em tempo real mas ainda não cheguei à fase em que sinto realmente a pele a esticar.

Agora escolho os lugares do corredor em vez das janelas para satisfazer os caprichos da minha bexiga e para não sentir aquele aperto claustrofóbico. Felizmente os voos, mesmo com escalas, não me têm obrigado a correrias aeroporto fora e posso calmamente arrastar a bagagem sem me preocupar em chegar atrasada à porta de embarque. Só tenho o cuidado extra de ter sempre acesso a algum alimento em períodos curtos de tempo para não sofrer com a fraqueza e é tudo.

Tento despachar as últimas visitas o melhor que posso: hoje Luxemburgo-Amesterdão-Madrid, hoje Madrid-Amesterdão-Luxemburgo. Segunda faço Luxemburgo-Zurique-outra-vez-Madrid, Terça o caminho inverso. Lisboa já está nos planos, Barcelona há-de vir a seguir e quem sabe ainda lhe junto umas ilhas Baleares ou, no limite da loucura, podia justificar uma visita às Canárias. Depois disso, o silêncio, o descanso, o progressivo afastamento dos afazeres profissionais para dar lugar à chegada do segundo filho. Adeus aeroportos cheios de gente que discute negócios até o avião descolar, adeus escalas geograficamente absurdas mas economicamente justificáveis, adeus turbulência em maior ou menor grau, adeus reuniões, gravatas e centros de negócio, adeus quartos de hotel mais ou menos reformados com melhores ou piores buffets de pequeno-almoço, adeus pessoas que que se esquecem que o banco à sua frente no avião não é seu, adeus ver os meus miúdos pelo Skype. E olá terra firme, durante muito muito tempo.

setembro 16, 2014

Para memória futura

A minha avó que me guardava sempre os figos. A minha avó que nunca se zangava conosco mas que ralhava por tudo e por nada com o meu avô. A minha avó com o cabelo com mais jeitos e mais teimoso do mundo. A minha avó que tinha as flores mais bonitas e bem cuidadas do seu bairro. A minha avó que jogava conosco à bisca com cartas que tinham a ponte 25 de Abril atrás. A minha avó que nos fazia café solúvel e bifanas ao lanche. A minha avó que sobreviveu a um cancro quando havia tanta a gente como ela a morrer. A minha avó cozinheira, que adorava contar sempre a mesma história sobre um vizinho e batatas fritas. A minha avó que só aprendeu a escrever já eu andava na escola mas conseguiu finalmente assinar sozinha o que era preciso. A minha avó que pegava no nosso coelho com as mãos de quem fazia aquilo há anos. A minha avó e uma das nossas histórias preferidas: grávida, caindo de uma árvore enquanto apanhava fruta e proibida de continuar a trabalhar depois disso. A minha avó que gostava de poder dar sempre mais. A minha avó cheia de ciúmes nossos por tudo e por nada. A minha avó com paciência de avó e as gavetas cheias de comprimidos que ia comprar a Espanha. A minha avó que achava que a televisão só dava porcaria. A minha avó que ainda guardava a cadeira onde criou o meu pai. A minha avó que se foi abaixo quando o meu avô nos deixou. A minha avó que nos preparava piqueniques para fazermos nas escadas. A minha avó onde passei tantas tardes a sentir o cheiro da fábrica da rolha. A minha avó da tomatada e das batatas fritas mesmo, mesmo como eu gosto. A minha avó dos canários que falavam com ela. A minha avó doceira, sempre a querer encher-nos o frigorífico nas festas. A minha avó que se calhar já não me reconhece.

A minha avó, com um corpo que ainda aqui está mas uma mente que começou a fugir sabe-se lá para onde.

setembro 10, 2014


Há uma coisa que está a ser bem pior nesta gravidez: a dúvida constante se o coração do bebé está a bater. Acho que na primeira gravidez não me passava pela cabeça que alguma coisa podia correr mal, era claramente inexperiente e, de certa maneira, muito inconsciente. O que era bom, reconheço, porque sempre evitava alguma ansiedade.

Desta vez, embora consuma radicalmente menis literatura sobre a gravidez e o bebé - porque confio mais na intuição e porque percebi no que isso pode fazer ao nosso sentido de orientação - também sei melhor o que me pode ajudar em algumas circunstâncias. Esta é uma delas e eu arranjei maneira de poder diariamente ouvir o coraçãozinho pequenino que anda comigo para todo o lado, alugando um monitor cardíaco fetal. É talvez um exagero, eu sei, mas hoje ao almoço senti algum alívio quando, debaixo do gel, pude ouvir uma batida bem lá ao fundo!

O irmão e o pai puderam ouvir o bebé pela primeira vez (eu tenho a sorte das consultas médicas) mas não fui muito feliz com o Vicente. Sou um bocado inexperiente em achar o bebé na minha própria barriga, o que gerou alguns ruídos desagradáveis e o que assustou o pequeno, que já disse que não queria repetir a experiência. Paciência, hei-de melhorar o meu desempenho e assim o bebé vá crescendo, tornar-se-á mais fácil de encontrar.

Este monitor não substitui os cuidados médicos, é bom de ver, não sou assim tão ingénua. E também é evidente que ouvir o coração a bater não implica que não possam existir outras complicações. Mas o conforto, senhores!, a maravilha que é ir ouvindo aquele tuc-tuc-tuc sem precisar de marcar uma consulta acalmam muitíssimo este coração de mãe! Jusqu'ici tout va bien.

setembro 02, 2014

Uma resolução de ano novo tardia

Nos últimos dias, esta notícia tem sido desenvolvida e debatida na rádio que costumo ouvir a caminho do trabalho. Um casal reportou na passada Quarta-feira o desaparecimento da sua filha de quatro meses. Depois de alguma investigação e de terem sido ouvidos em separado, os pais passaram a ser suspeitos do desaparecimento da menina - as versões que contavam não coincidiam e apresentavam algumas incongruências temporais. Finalmente, no Sábado os pais confessaram ter morto a criança e levaram os inspectores até ao local onde a tinham enterrado. Era, segundo eles, uma criança que exigia muita atenção, especialmente depois da operação ao coração a que tinha sido submetida há uns tempos. Parece que ao tentar acalmar o choro e desorientação da bebé, algo correu mal e o método aplicado (provavelmente um golpe na cabeça) foi fatal. A bebé apresentava no entanto outros sinais de violência anteriores, que levam a crer que era uma situação que se prolongava já há algum tempo.

Sem, obviamente, conhecer o casal e sem ter qualquer visibilidade sobre as suas condições de vida, sobre o seu passado, para mim é absolutamente assustador que alguém, de cabeça perdida, tente "disciplinar" com este tipo de atitudes um bebé de quatro meses. Mas ao mesmo tempo percebo que, se as circunstâncias se proporcionarem, juntando stress ao desespero de não saber como tratar do bebé, a reacção pode ter efeitos inesperados. Bem sei que, por exemplo, tenho mais paciência para as birras que o miúdo faz durante o dia do que para as choradeiras à noite, em que acordo desorientada e cansada, a precisar de dormir.

A minha resolução é tentar sempre dar um passo atrás nestes momentos mais difíceis, em que há muito choro, teimosia e algum descontrolo nas emoções para conseguir medir a minha reacção face a uma criatura indefesa de três (ou outros) anos. Não tenho medo que me aconteça um desaire fatal, como é óbvio, porque me conheço suficientemente bem para saber quais são os meus limites. Mas sei que facilmente as coisas podem escalar - as manhãs são o exemplo perfeito disso: começam muito bem, a tentar despertá-lo devagarinho e acabam com o desespero de não conseguir que ele faça nada à primeira (levantar-se, vestir, tomar o pequeno-almoço, lavar os dentes, calçar). A minha resolução é tentar sempre vê-lo como uma criança, como uma pessoa que se está a formar lentamente e que precisa de algumas direcções, em vez de um adulto completamente formado que me desafia só porque sim.

Era espectacular se se pudessem fazer testes de vocação a futuros pais ou a quem simplesmente deseja ter filhos. Parte-me o coração lembrar-me do enorme fosso que existe entre os casais que tentam, sem sucesso, ter filhos porque sentem no seu intímo esse chamamento e os casais que desperdiçam as suas oportunidades com crianças saudáveis, ferindo-os fisica e psicologicamente enquanto crescem. É muita injustiça e desequilíbrio juntos. E é assustador estar face a este tipo de situações e perceber que a natureza humana é muito mais primitiva e irracional do que esperava. Com os ritmos de vida que levamos e com todas as dificuldades, acredito que casos como estes sejam mais e mais frequentes. Triste, concentro-me em fazer a minha parte e amar o meu filho com todas as suas e as minhas imperfeições.

agosto 27, 2014

Sobre os primeiros tempos de gravidez

Da primeira vez, comecei a sentir-me diferente exactamente no dia em que tive a primeira confirmação que estava grávida. Coincidência ou não, já passei essa primeira noite a sentir um borbulhar na barriga como se sentisse finalmente o meu corpo a trabalhar para formar o ser que nasceria uns meses depois. Depois disso, o descalabro: enjoos que não eram exclusivamente matinais, o calor que sentia no autocarro a caminho do trabalho, o sono que me tomava de assalto no trabalho sem que conseguisse manter os olhos abertos, a alergia aos cheiros (principalmente o do marido, coitado, que cheira sempre bem), o cansaço avassalador que me fazia ir à cama quase assim que chegava à tarde a casa.

Tudo passou no terceiro mês, em que como um milagre deixei de me sentir mal e passei a sentir-me no topo do mundo. Desta vez, os sintomas começaram um pouco antes da confirmação mas que eu, como parecia tão difícil engravidar, me despachei a descartar como falsos alarmes. Que não eram, soube pouco depois, claro. Mas a verdade é que a coisa ainda não está fina: tenho alguns enjoos durante o dia e tive um dia ou dois mais cansada mas ainda me consigo controlar bastante bem. Está a ser um pouco difícil explicar no trabalho o que se passa exactamente comigo mas até agora a teoria dos problemas de estômago tem safado a coisa. Creio é que não posso mantê-la durante muito mais tempo mas não queria que se soubesse aqui em primeiro lugar, queria aliás que fossem os últimos a saber.

A diferença gigante da primeira para a segunda é que agora já existe um rapazinho que exige muita atenção, que quer brincar, ajudar na cozinha, saltar em cima do sofá, abraçar-me sempre que pode sem ter noção da sua força. Não posso simplesmente deitar-me e esperar que passe a má disposição, não posso enfiar-me na cama e esperar que os cheiros deixem de ser tão intensos, não posso estar sempre cansada. Especialmente por isso peço aos céus (se lá existir uma entidade divina, melhor) que me deixem passar por esta gravidez com menos desconfortos, para que eu possa equilibrar as coisas e tratar do menino que está cá fora tão bem como a semente que está cá dentro.

(escrito no dia 10 Julho)

[actualização]

Foi mais ou menos um mês e meio de muito desconforto e de baixa médica. As náuseas eram demasiado fortes para conseguir sequer estar sentada mas ainda me devo sentir sortuda porque nunca vomitei. Não conseguia concentrar-me em nada que exigisse muita atenção, os dias passavam e eu sentia-me como se estivesse num pesadelo, muito calor e suores, de vez em quando a conseguir ver a realidade. A médica tentava acalmar-me, dizendo que tanta náusea era um bom sinal, era sinal de que as hormonas estavam a trabalhar bem e de que a gravidez estava firme mas eu queria lá saber. Sem medicamentos, tentei sobreviver o melhor que pude, mesmo com uma disposição de cão. E só me lembrava da minha ex-colega P., que me contou que na sua primeira gravidez vomitou e teve enjoos os nove meses certinhos! Eu podia lá aguentar essa provação!

Mas agora estabilizou. Não posso dizer que estou fina e livre desta má disposição mas a verdade é que já consigo trabalhar, não me sinto tão derrotada e fragilizada como há duas semanas atrás, já consigo estar sentada por uma quantidade simpática de horas. Mais ou menos como esperava, esta gravidez é bastante mais visível que a primeira e por isso, com apenas três meses, já se vê bem que qualquer coisa está a acontecer. Até à semana passada, fazia algum esforço para a esconder mas agora, que pude dizê-lo em voz alta e informar quem precisa de ser informado, já posso exibi-la com orgulho. E agora é esperar que os desconfortos se manifestem mais timidamente para eu poder viver o segundo trimestre com todo o esplendor que lhe corresponde. Até já azia e dores em todos os ossos, vemo-nos já no final!

agosto 26, 2014

Outono em Agosto

Este fim de semana voltámos a meter o edredon na cama. Faz muito frio à noite e as manhãs não aquecem tão facilmente. Os rapazes já não saem de casa sem os seus casacos e na maior parte dos dias sem os seus guarda chuvas. Eu sei que as manhãs não estão propriamente agradáveis mas já vi pessoas de cachecol e luvas, o que prova a minha teoria de que há pessoas que não conseguem ver uma nuvenzinha sem pensar que já é Inverno. Não é mas também já não é Verão, acho que todos aqui o sabemos.

Quando tomo o pequeno-almoço na cozinha ainda silenciosa, olho lentamente pela janela e vejo que há já muitas chaminés a lançar aquele fumozinho para o ar, sinal de que o aquecimento já está ligado em algumas casas. O Verão acabou mas eu pergunto-me como, se nunca chegou realmente até aqui. Se calhar é este o resultado de um Inverno com apenas um dia de neve, se calhar os homens andam mesmo a brincar lá nas nuvens – seja como e porque for, a verdade é que está tudo trocado.

De vez em quando, uma trovoada. Todos os dias o céu a alternar entre inúmeros graus de cinzento, mais ou menos vento, intervalos de aguaceiros e chuva a sério, o miúdo que de repente ganhou medo à chuva e não consegue dormir enquanto a ouvir fustigar a janela. Não sei, honestamente, se já estou habituada a isto, mais de dois anos depois. Vim para cá com aquele peito inchado de quem diz que uma pessoa se habitua a tudo, basta querer, só porque tinha vivido seis meses em Berlim. Mas esses seis meses eram apenas isso, um curto intervalo após o qual eu sabia que iria regressar e por isso não me importava tanto com os dias a escurecerem às quatro da tarde. Viver em Berlim era cool, viver no Luxemburgo nem tanto.

Pergunto-me se algum dia me vou realmente acostumar a isto. Nem sequer penso se vou gostar porque isso está completamente fora de questão. Não vou negar que há um certo encanto no aquecimento central por todo o lado, que nos deixa confortavelmente apreciar o frio que faz lá fora. Eu sou uma alentejana de Verões de quarenta graus, do alcatrão a borbulhar, das tardes passadas em casa com tudo fechado para enganar o calor - não sou uma mulher de temperaturas de um dígito e a minha serotonina agradecia viver num sítio com Verão all year round.

agosto 25, 2014

O segundo tarda mas não falha <3

Depois de um ano e meio de alguma frustração e tristeza, respiramos finalmente de alívio. Não é fácil, ter toda a gente a achar que o segundo filho é o passo mais natural e esperado para quem tem o primeiro e ter, ao mesmo tempo, um corpo que, por capricho ou alguma sabedoria que não está ao nosso alcance, simplesmente não quer colaborar.

Carrego o nosso segundo filho na barriga. Ainda não é mais do que uma mistura confusa de células, ainda sem um coração que bate mas é um filho e de repente já sinto amor por uma criatura que ainda está por formar. Um filho tão desejado, mais do que isso, o irmão ou irmã que queríamos para o primogénito. O nosso filho, que vi hoje numa bolsinha no meu útero quando procurava uma segunda opinião para o nosso decréscimo de fertilidade - ia lá perguntar o que devia fazer para engravidar e saí de lá grávida. A médica brincou, dizendo "Viu como sou boa? Isto tudo só numa consulta!" e eu a rir como uma pateta que não percebe o que lhe está a acontecer. Um filho, uma semente, um feijão sem nome nem género, um pré-embrião que ainda tem que lutar com toda a sua força para crescer e para tornar-se no bebé que tanto esperámos.

O primeiro filho foi tiro e queda: um mês a tentar e uma gravidez logo assim de mão beijada, eu a sentir que transbordávamos fertilidade e que afinal era tudo mais fácil do que parecia. Nunca me vou esquecer do primeiro, do segundo, do terceiro teste de gravidez, assustada com uma dádiva que tanto tinha buscado, incapaz de raciocinar claramente e a alternar entre o medo e a felicidade maior que já senti. A primeira gravidez tão desajeitada, os enjoos que passaram a correr, a azia no final, o trabalho de parto que quase terminei sem dar por isso, o bebé chorão e cheio de personalidade que me roubou o sono desde o dia em que nasceu e eu fiquei em pleno transe naquele quarto da CUF Descobertas. O filho que é tudo para mim, mesmo nos dias em que me sinto exausta e uma mãe do pior, o filho cujos olhos brilham em tudo o que faz, um filho saudável e livre e reguila que gosta de mim sem qualquer reserva.

E agora o segundo. Ou a segunda, toda a gente sabe que isso não interessa. A segunda semente que deixamos no Mundo, a repetição de um projecto que vai terminar numa pessoa tão completamente diferente mas igualmente amada por nós. Um segundo filho, caramba, parece que não posso acreditar! O acalmar dos dias e dos meses a passar sem sinais de gravidez, a procurar ajuda médica, a tentar sorrir à malta que nos dizia que já era hora, que havia que tentar outra vez. E como queria que chegasse essa segunda vez e como queria que o meu corpo me obedecesse cegamente sem me fazer duvidar! Nada interessa: vamos ter outro filho. Vou cheirar e embalar outro bebé, provavelmente vou perder a cabeça outra vez, vou cansar-me e chorar, descontrolada com as hormonas, vou levar muito tempo a conhecer esta nova pessoa que está para chegar. Nada importa: dentro de mim, uma pessoa pequenina, um projecto de pessoa na realidade que eu vou amar incondicionalmente e que certamente retribuirá esse amor. O nosso segundo filho!

(escrito no dia 7 de Julho)

agosto 19, 2014

Entre tres tierras


Na minha cabeça é já oficial: o Verão acabou. Sim, é verdade, mesmo que em Portugal as temperaturas teimem em não descer dos trinta graus, mesmo que só vejamos Sol e muito calor, aqui a coisa já deu o que tinha a dar. E este fim de semana já foi um belo exemplo do que nos deve esperar nos próximos tempos. Portanto, este ano no Inverno tivemos apenas um dia de neve e no Verão quase apenas um dia de verdadeiro calor - o resto dos dias são de uma gigante indefinição entre uma Primavera já gelada e um Outono desastrosamente chuvoso.

Este fim de semana veio mesmo a calhar para alguém como eu, que andava há muito a precisar de arejar as ideias. Já o tínhamos marcado há bastante tempo, creio que ainda na ilusão de que lhe podíamos chamar um fim de semana de Verão no campo. Lá pelo campo andámos nós, em ruas em que um lado pertencia à Bélgica e o outro à Holanda, onde se ouvia falar quase exclusivamente Neerlandês e onde mal se falava Francês. 

A cada visita que passa dou comigo a gostar mais da Bélgica e especialmente da zona das Ardenas. É impressionante o verde daqueles campos (embora não seja de admirar, se pensarmos nos litros de chuva que caem por estas bandas...), a calma e o silêncio, os memoriais da Segunda Guerra sempre à espreita em qualquer cruzamento, as casas de pedra que afinal são feitas de madeira, os jardins bem cuidados e os sinais de vida nas ruas, mesmo aos Domingos. Estes sítios são impecáveis para quem tem miúdos, que podem saltar nas poças deixadas pela chuva, mexer em gatos felosos e não tão felosos, ver burros, galinhas e galos de perto, praticar os desportos em dois pedais. E também não são menos espectaculares para pessoas que precisam de sair da rotina, que precisam de respirar fundo e mandar más vibrações para trás das costas, que precisam de se distrair. E foi isso que fizemos. Com castelos à mistura, bons amigos, moules e frites (está claro!), manhãs a ver o atletismo colados à televisão, cozinha holandesa e, para terminar em beleza, uma açorda para matar saudades! Depois? Foi respirar fundo, fazermo-nos à estrada e ignorar que a vida real voltava na manhã seguinte. Agora é esperar até à ocasião seguinte.

agosto 04, 2014

(Um intervalo neste gigante parêntesis)

Ainda aqui estou, mesmo que não pareça. Olho para a data da última publicação que fiz e assusto-me quando vejo que foi já há quase um mês! Acho que foi o período mais longo que passei sem escrever aqui.

Não desisti disto, a questão não é essa. Não me passou pela cabeça acabar com este espaço de partilha, que já tanto me trouxe. Só que estou num sítio muito confuso neste momento - falo da minha cabeça, claro - e não arranjo forma de me expressar de uma maneira clara, sem alarmismos nem sentimento e emoção a mais. E ainda por cima, como se toda esta confusão interior não chegasse, também não me sinto preparada para verter isto cá para fora. Se alguma mudança realmente tiver existido nos últimos tempos, é esta: não consigo abrir-me e também não acredito que estas coisas sejam interessantes para os leitores.

Fomos de férias e já voltámos. O que dizer? Eu podia fingir que não estou sempre à espera de pisar solo português mas estaria a mentir. As viagens correram com grande tranquilidade ( muito graças ao nosso homenzinho, que se portou à altura, poupando-nos a birras ou choros desnecessários e sempre empolgado para ambas as direcções. Optámos por dormir uma noite no caminho para cada lado para evitar o cansaço dos dois mil quilómetros. Dividimo-nos entre Lisboa e Portalegre e o tempo (mais uma vez) foi insuficiente para tudo o que queríamos fazer e todos os que queríamos ver. E neste capítulo, ainda estamos longe de fazer o melhor: embrulhamo-nos em tantos compromissos que acabamos por não ter verdadeiramente momentos de descanso, o último propósito das férias. Não sei se alguma vez aprenderemos a fazê-lo ou se continuaremos a falhar mas a verdade é que o balanço entre gente que queremos ver e descanso de que necessitamos é incrivelmente difícil de manter.

Pudemos pelo menos apanhar ar. Pudemos comer junto ao mar, almoçar na tasca dos vizinhos lá ao pé de casa, tomar banho de mar e piscina. Pudemos tratar de burocracias que exigem a nossa presença em Portugal, pudemos ver alguns amigos (e partimos tristes por falharmos outros mas sabemos que todos têm as suas vidas e chegarmos nós a destabilizar é dose), demos saudades a matar à família que, como sempre, nos acolheu cheia de mimos e recordações comestíveis/bebíveis que enchem o nosso coração (e estômago!) agora que regressámos. Nunca chega, a verdade é essa. Por muito que tentemos condensar tudo em tão poucos dias, nunca é suficiente e os dias parecem mais curtos nestas alturas.

Pelo meu lado, tive um momento de revelação e desabafo que me aliviou mas abalou um pouco. Era espectacular que pudessemos ter sempre a certeza de tudo e estarmos totalmente confiantes nas nossas decisões e escolhas. O tempo tem-se encarregado de me mostrar que nem sempre as coisas funcionam assim, com toda a dificuldade que estes momentos implicam. Imagino que a seu tempo conseguirei falar de tudo quanto me tolda a visão agora mesmo, que poderei racionalizar o que me parece agora um amontoado de emoções à solta e que me tem dificultado a verbalização das coisas. Tempos estranhos, estes e fico-me agora por aqui. A seu tempo, tudo se ordenará.

julho 10, 2014

Mesmo à émigrant

Este ano, e para ser um bocadinho diferente das visitas até aqui, resolvemos ir de carro para Portugal nas férias do Verão. Não vamos em Agosto, é certo e por isso se perde alguma daquela mística, mas os dois mil quilómetros cá cantarão outra vez em cada direcção. E claro, sempre se poupam uns seiscentos euros em bilhetes de avião, a que se sumariam uns cento e cinquenta de um carro alugado, o que é sempre de considerar

Primeiro tínhamos pensado em fazer a viagem pelo Sul de França e de Espanha. Pegávamos no carro e íamos pela costa, parando nas praias onde nos apetecesse tomar banho, suspirando com as piturescas aldeias à beira mar. Mas depois, quando pensávamos no número de dias que tínhamos para fazer as viagens e em todas as coisas que gostávamos de fazer em Portugal, a conclusão pareceu-nos óbvia: é impossível, estamos malucos ou quê? Então refizemos o percurso (ainda nada verdadeiramente decidido) e agora está claro que vamos direitos como uma seta a nosso rectângulo mais querido.

Vou já dizer: não vamos de Mercedes. Nem de BMW nem outro carrão so género. Chegaremos a Portugal no primeiro carro novo que pudemos comprar com o nosso dinheiro, feio ou bonito, potente ou a soluçar pelo caminho. Não pretendemos impressionar, apenas poder chegar a casa e encher a mala com as coisas que nos têm feito falta aqui. Na minha cabeça, uma imagem: três garrafões de azeite, um frasco de tempero de açorda, bacalhau. É o lugar comum mais verdadeiro da vida de emigrante, parece-me. São coisas difíceis de encontrar aqui ou, se se podem encontrar, vendidas a preços astronómicos e com bastante menos qualidade. Também queremos dar uma volta a todas as coisas que deixámos para trás quando decidimos sair. Naquele dia em que me meti ao caminho com o nosso amigão, tinha na mala da velha carrinha apenas aquilo que considerávamos essencial para recomeçar. Vivemos até aqui sem muita coisa que ficou em Portugal e daremos tudo o que acharmos dispensável, que imagino ser grande parte. É uma ideia libertadora e que pode certamente ajudar pessoas que precisam.

Então e fazer uma viagem com o gaiato reguila de três anos? Pois, não sei. Eu confio nos poderes da canetas de feltro, dos lápis de cera, dos desenhos animados para distrai-lo das longas horas de viagem. A ansiedade seria muito maior se ele fosse mais pequeno e mais irascível, acho que dificilmente arriscaríamos fazer uma viagem destas. Mas dizer-lhe que vamos a caminho de Portugal, a caminho da nossa casa e das casas dos avós, a caminho da praia e da piscina, a caminho de algum Sol (que espero dure até que voltemos) deve chegar para o acalmar de vez em quando.

Ainda faltam uns dias mas claro, a minha cabeça já está em contagem descrescente. E de vez em quando vou-me lembrando de coisas que quero mesmo trazer para cá. Que pena não conseguir arrumar o meu país na mala espaçosa do nosso carro.

julho 06, 2014

Pensar pensar pensar

Eu gostava de ter nascido noutro tempo. Correndo o risco de parecer mal agradecida ou mesmo de ser mal interpretada, eu gostava de ter nascido noutra época. Gostava de ter um trabalho para a vida, anos inteiros sem me preocupar com a falta de estabilidade, com ou sem progressão de carreira, mesmo não tendo escolhas. Gostava de viver num tempo em que não se pensava tanto no que se gostaria de fazer, aceitava-se a vida como ela é e os sacrifícios que fazem parte dela.

Viver hoje, trabalhar nos dias que correm é, no meu caso, uma luta desigual entre o que se tem que fazer para viver e o que se gostava de fazer. Com a agravante de eu não ser uma pessoa muito inclinada a correr riscos, de me faltar a imaginação e alguma coragem para conseguir viver exactamente da maneira que idealizo. Viver hoje é aceitar o que o mercado nos dá e fazer o melhor possível com a educação que foi sacada a ferros e no fim valeu de muito pouco. Eu bem sei que estudar nos abre imensamente os horizontes; o problema é que, em casos como o meu, não abre muitas portas profissionais na área. E por isso se vai fazendo de tudo.

A caminho dos dez anos de trabalho, acho que nunca me senti totalmente realizada profissionalmente. Por um lado, eu aceito que a primeira necessidade é ganhar dinheiro, porque há que comer e vestir e agora um filho. Mas por outro a violência destes sacrifícios vai-se tornando cada vez mais difícil de aguentar. Os dias, os anos passam e eu só me vejo cada vez mais longe da vida simples e com significado com que sonho. Não me interessa o status quo que me traz um emprego, longe disso. O que eu mais gostava de fazer era acordar todos os dias de manhã e não me arrastar até um emprego onde eu não pertenço e onde não posso verdadeiramente cumprir-me na totalidade. Tempos difíceis estes, em que há demasiado espaço para pensar, em que felizmente há bons exemplos de quem se deixou de coisas e se dedicou a uma vida mais tranquila e útil. Adorava que existisse um manual para se seguir a intuição sem deixar danos pelo caminho e sem pôr em risco as pessoas que estão à nossa volta. E também saber como se equilibra aquilo que se sonha para nós com aquilo que o outros sonham para si mesmos. Que a resposta não tarde a chegar.

junho 26, 2014

Dias de Sol



Eu gostava que todos os dias fossem assim. Que fossem fáceis e cheios de Sol e eu me enchesse sempre de vontade de levar o miúdo ao parque porque afinal não está a chover e é quase um crime ficar em casa. Gostava de não ter de pensar no almoço e de seguida no jantar e na roupa que ficou por tratar, bem como o chão a precisar de uma aspiradela. Dias em que me posso sentar num banco à sombra e ter a sorte de ler um ou dois capítulos de um livro sem que ele se aborreça de estar a brincar ou em que falamos do medo que ele ganhou a moscas e de como gosta de correr atrás de borboletas. Mesmo que ele me faça levantar mil vezes do banco para empurrá-lo no baloiço porque insiste que não quer aprender a dar balanço, ainda que às vezes já o faça inconscientemente.

Nestes dias, consigo fazê-lo esquecer as birras e que seja razoável. Talvez porque esteja Sol e a temperatura amena e isso também o amoleça como a mim. Ajuda-me nas compras e a única exigência que faz é segurar os seus iogurtes até chegarmos à caixa. Vamos no carro e quer ensinar-me a conduzir, não é assim mãe, tira daí a mão, faz pisca! Eu rio-me e ele pensa que já sabe muito sobre condução. Com tempo para explicar-lhe a sequência do que vamos fazer, consigo que aceite sair do parque sem birra e almoce sem as suas esquisitices, ele que na escola come tudo e duas vezes e em casa não pode ver uma graínha do tomate no prato que é logo razão para começar a bufar. Já não dorme a sesta, é verdade, e que jeito me daria ainda deitá-lo umas boas duas horas só para ficar no sofá a sentir o silêncio! Mas em compensação vai brincando nos bocadinhos em que se esquece de mim: caso contrário, cola-se a mim como se não me visse há meses. Eu sou o parque infantil preferido dele, mesmo que muitas vezes chegue ao final do dia completamente derreada pelas voltas que ele me dá.

Nem todos os dias podem ser assim porque a vida real leva muitas vezes a melhor e há pouco tempo a dividir entre as tarefas caseiras mínimas, a alimentação que não pode faltar, o banho que ele agora detesta mas que é absolutamente necessário depois de um dia de piratices na escola, os momentos de relaxamento pós-jantar. Às vezes gostava de não me sentir tão cansada para as coisas mais simples mas as coisas são como são e vamos vivendo um dia de cada vez, que é a única maneira de seguir em frente sem perder o juízo.

junho 17, 2014

Memórias (para quem tem pouco jeito para o DIY)


É mesmo assim: quem não tem cão, caça com gato. Eu, já o disse algumas vezes, não tenho jeito para os trabalhos manuais. Não coso, não pinto, não construo, só me sobrou um gostinho pela cozinha. Também não tenho boa voz para cantar e para tocar alguma coisa ainda me falta o tempo e a paciência para treinar muito. Só que às vezes tenho ideias e desenrasco-me a concretizá-las, mesmo que à minha maneira.

Desta vez nasceu um livro com uma história em imagens daquilo que o Vicente tem feito, países que tem visitado, disparates e momentos doces que eu e o pai vamos coleccionando digitalmente. Eu adorava fazer muito mais: gostava de ter filmes, de lhe gravar as conversas que começam a ser longas e cheias de argumentação que só faz sentido naquela cabecinha. Gostava de lhe desenhar livros e talvez ainda possa pensar em escrever-lhe uma história mas agora interessa-me mesmo que ele possa ter objectos que lhe contem a história que é a dele e, em última análise, também a nossa. Todos nós conhecemos aquele amigo que não tem nenhum álbum ou os outros que têm tudo e mais alguma coisa mas todas as maneiras são boas e válidas para guardar recordações. Agora já abrandámos muito as fotografias porque nos primeiros tempos era literalmente demais: estávamos mesmo sempre prontos e de máquina em punho.

As ideias vão surgindo naturalmente. O primeiro livro privilegiou as palavras, este segundo fica-se pelas imagens, que também dizem muitíssimo sobre o que têm sido estes anos com ele. Reparei que não tem quase nenhuma fotografia de birras ou de momentos menos bons mas não é de maneira nenhuma intencional: acho que nunca me ocorreu pegar na máquina quando ele está a berrar desalmadamente ou quando bate os pés se não acedemos a algum pedido! E de repente já estou a pensar no que posso fazer a seguir!

junho 16, 2014

Luxembourg, mon amour


Eu, quando não estou a morrer de saudades do Sol de Lisboa e das suas calçadas, becos, fachadas, avenidas, rio, restaurantes, subúrbios e colinas, estou ocupada a gostar do país onde me vi exilada desde o primeiro dia de Primavera do anos de 2012. E, por muito que me custe a distância (sim, é já sabido, custa-me), sinto que é o meu dever exaltar a beleza, o silêncio e a tranquilidade deste pequeno grão ducado, entalado entre a Bélgica, a França e a Alemanha.

O Luxemburgo pode não ter mar nem um rio que se veja (este das imagens não conta); pode não ter as altitudes suficientes para ter um miradouro digno desse nome (bem, alguns castelos podem desempenhar esse papel); pode não ter uma capital com mais de cem mil habitantes. Mas tem coisas em abundância: os campos cultivados e verdes todo o ano (excepção feita à época da neve); riachos que correm livres e a que o comum mortal tem acesso sem precisar de uma licença ou bilhete especial; aldeias em que quase podemos tocar a paz que se faz sentir; boas estradas, que vão ficando cada vez mais vazias quanto mais avançamos para Norte. E também guardou nesta zona do país um número bastante razoável de memórias da Segunda Guerra Mundial, que ajudam a não apagar da História o que a Europa viveu nesse período.

Há uns anos atrás, eu achava que não conseguiria sobreviver no campo mas neste momento não há nada que eu deseje mais do que o som do ventos nas espigas, o horizonte salpicado por eólitos, as Ardenas mesmo aqui ao lado, o tempo que parece não existir nestas aldeias isoladas. Eu ficava bem contente se pudesse ter acesso aos bens de primeira necessidade e à educação do miúdo e estar longe do resto. Salvaguarda-se, claro, que também tivessemos acesso aos nossos meios de subsistência, que eu cá não acredito (totalmente) na história do amor e uma cabana. Se eu não sentisse tanta falta de Lisboa, daquela maneira que quase dói fisicamente, era aqui que eu não me importava de estar, quem sabe se finalmente conseguindo manter uma horta por mais de duas semanas, com direito a animais de estimação e um grelhador para os dois ou três dias de Verão que passam por aqui. Por isso, nos nossos passeios não me limito a ver ou admirar: acho que sonhar é a palavra que descreve melhor o estado em que fico nestas viagens por aí.

junho 12, 2014

Pequenas coisas *

Eu tenho um certo problema com a escrita: parece-me que apenas sou capaz de escrever sobre aquilo que vivi ou aquilo que sei, é como se de repente a minha imaginação tivesse desaparecido para parte incerta e eu não conseguisse mais fantasiar sobre nada. Por isso é-me mais fácil escrever estas pequenas crónicas sobre o quotidiano, sobre os sítios longínquos que visitei, os sítios familiares onde me movo, as pessoas que me vão transformando, os desafios e desgostos profissionais, o país com que sonho e o país que me abraçou. É claro que esta espécie de deficiência ou de falha não é impeditiva, posso escrever mesmo assim mas não posso criar tão livremente como eu sonhava. Mesmo assim, não penso que seja uma condição definitiva: é mais o resultado de falta de treino e de disciplina do que apenas inaptidão minha. Pelo menos, é no que quero acreditar.

De qualquer maneira, de vez em quando aparecem pessoas que, escrevendo sobre a sua vida, descrevendo apenas episódios aparentemente banais e desprovidos de qualquer sentido revelador, me conquistam e eu, limitada pela minha aparente falta de imaginação, passo a acreditar que o que é realmente importante é a maneira como se contam, como se escrevem, como se olham as coisas. Não importa fantasiar se o resultado se traduz desastrosamente num par de linhas sem sentido, se o leitor não sente a urgência de continuar a ler. Já li um pouco de tudo, mais ficção do que não ficção, é claro, e sei que o que interessa é a maneira como as palavras nos transportam para um sítio fora de nós, real ou imaginado. Mas as histórias banais, os relatos de vidas de gente como nós, mesmo que necessariamente misturadas com o reino da fantasia (porque já não contamos as coisas como realmente se passaram mas como achamos que se passaram, com tudo o que de adulteração isso traz à escrita) têm a vantagem, chamemos-lhe assim, de funcionarem como uma espécie de espelho, eis-me reflectida na miséria do outro, eis que a minha história não é tão especial, eis que alguém parece saber exactamente do que falo. E eu sinto-me perto destas pessoas, das que sentem coisas que podem ser mal interpretadas, que reconhecem a distância a que estão da perfeição, que falham mas que voltam a tentar, que não se incluem exactamente nos cânones do comportamento exemplar, que são ainda necessariamente um pouco ficcionadas mas dolorosamente reais.

Eu nunca fiz parte realmente de um grupo ou um tipo de pessoas, pelo menos é assim que me vejo. Eu sou, nos meus padrões, uma pessoa aborrecidamente normal mas até a gente como eu acontecem coisas na vida, há acontecimentos que nos marcam para todo o sempre, há sonhos em que gritamos mas queríamos esquecer, há tristeza e melancolia em doses industriais, assim como brilhos nos olhos com as coisas mais pequenas, há maneiras peculiares de sentir e gostar e aprender, há desgostos, incertezas e conquistas que nos trouxeram até aqui, até ao tempo presente. Se calhar é isto que explica a empatia que sinto pelas pessoas normais, com vidas normais, com lutas normais e que sinto um inexplicável abismo entre mim e as pessoas com vidas perfeitas, idealizadas até à náusea, a quem tudo sorri mesmo naqueles dias em que apenas nos apetece mandar o mundo à merda, perdoem-me a expressão. E hoje em dia há cada vez mais gente assim e eu sinto-me cada vez mais longe dessa pantomina. Eu sou chata e real mas isso não significa que a minha vida seja desprovida de emoções, episódios, charadas. E por isso fico presa nessas pequenas coisas, naqueles momentos que nos tornam mais reais, um pouco mais humanos, cheios de dúvidas e a precisar de confiar na nossa intuição.

* porque comecei a ler este livro e de repente sinto-me ligeiramente assombrada pela simplicidade e riqueza de uma vida normal.

junho 10, 2014

Luxemburgo, trinta graus


Não podem ser sempre os mesmos a rejubilar com o tempo quente e seco e por isso este fim de semana fomos nós. Já sei que o tempo em Portugal tem andado um bocado instável mas paciência, isso é basicamente o resumo de todo o nosso ano aqui!

Parece-me óbvio que qualquer lugar fica mais bonito com Sol e com um calorzinho que permita disfrutar das condições naturais que o(s) nosso(s) país(es) nos oferecem e sim, eu sou vítima desse cliché que diz que só damos valor a uma coisa quando a deixamos de ter. Sempre fui mais uma pessoa do Verão, do calor do que outra coisa qualquer, ou não fosse eu uma alentejana orgulhosa do quarenta graus à sombra na cidade que me viu nascer. É que em Portugal o Sol aparece muitas vezes e, melhor ainda, muitos dias seguidos. Tantos que uma pessoa tem tendência a achar que é essa a regra. Até pode ser mas isso não é bem assim quando se escolhe o Luxemburgo para viver.

Este fim de semana pudemos sentir na pele a excepção à regra e tivemos calor mas daquele do bom e em quantidades irrespiráveis. Pudemos sair um pouco e confirmar como as árvores estão frondosas e verdes, derramando o fresco da sua sombra pelas estradas; como os campos ficam ainda mais verdes e bonitos quando, em contraste, o céu deixa de estar cinzento; como correm os riachos bem frescos fora dos percursos habituais. Aqui faz-se muito campismo e os parques já vão estando cheios nesta época. Além disso, parece-me que as pessoas precisam de condições menos favoráveis para estar no campo, estão mais habituadas aos caprichos do tempo luxemburguês.

Confesso que acho estranho ver tantos pequenos cursos de água sem que as pessoas estejam verdadeiramente a desfrutar deles e da natureza envolvente. Esperava ver mais gente, margens fora, com o farnel espalhado pelo chão, em aglomerações mais ou menos espontâneas mas vejo que isso deve estar reservado para países onde a espontaneidade também se vê no resto. E agora, depois de ver as previsões para os dias que aí vêm, já me passou a alegria: não há calor que sempre dure nem frio que nunca acabe. Se bem que aqui...