outubro 29, 2010

Ponto de não retorno

Chegou finalmente o momento que durante anos temi: o momento em que tenho que admitir que o espaço não chega e preciso de um carro mais familiar. Durante muito tempo, achei que esta troca de carro simbolizava tudo o que andava a evitar e que se resumia num medo terrível de crescer, de ser adulta. E eis que ele chegou e não há nada a fazer, a não ser aceitar a realidade.

Não conseguimos carregar toda a bagagem no meu carro, nem para um simples fim de semana a três. O carrinho do Vicente ocupa demasiado espaço e depois ainda há o ovo, as nossas malas, o Nico e as suas tralhas - é impossível. É claro que durante uns tempos podíamos fazer o sacrifício e tentar optimizar o espaço mas depois também teríamos a bagagem da minha irmã e tudo o que trazemos de casa e ia ser simplesmente um pesadelo. Chegou, portanto, o momento em que deixa de ser fixe ter um carro pequenino e relativamente fácil de estacionar para passarmos para um mais confortável e espaçoso mas (de certeza) mais difícil de estacionar.

Não é a condução que me chateia, na verdade. Só tenho medo de me estar a transformar nas pessoas que nunca quis ser, lentamente a ceder aos caprichos das responsabilidades crescentes, de certa forma a perder alguma graça pelo caminho, lentamente esquecendo a que sabe a espontaneidade e a liberdade. E se é certo que tudo acontece pela melhor causa do Mundo, que é o meu filho, isso não impede de me fazer pensar que a vida como a conhecíamos acabou definitivamente e agora há outras escolhas a fazer.  Mudo de rumo com um sorriso e certa de estar a fazer o melhor para o meu bebé e para nós mas isso não lhe tira aquele travo agridoce da saudade.

outubro 24, 2010

Super Homenzinho

É o orgulho do pai e da mãe, admirado pelas velhinhas no supermercado e muito amado pelos avós e pelos tios (pelos postiços também!). Lá vai deixando os pais descansar, lançando sorrisos indiscriminadamente e adormecendo às vezes com um mp3 que simula os sons dum útero. É um tipo sério e já é preciso algum cuidado quando franze a sobrancelha ♥

outubro 23, 2010

Aproveitar o que resta do Sol



Agora que o Outono já se faz sentir, especialmente no que diz respeito às temperaturas, é o momento ideal para darmos os últimos passeios antes do frio e da chuva e começar a mostrar o Mundo ao Vicente. Hoje fomos até à Tapada das Necessidades, onde eu (mea culpa) também nunca tinha entrado. É bastante mais sossegado que o Jardim da Estrela e tem também uma extensão muito maior, com um relvado gigante onde bebés experimentavam gatinhar. Agora já sei que, quando procurar algum sossego debaixo de copas frondosas e respirando ar puro, tenho mais um sítio à nossa espera.

outubro 21, 2010

(não devia ter dado o último post como encerrado...)

Ora, depois da semana e do fim de semana horríveis, o que é que se podia seguir? Nem mais - o dia horrível. Ter nos braços um bebé que chora durante quase doze horas seguidas foi coisa para me deixar os nervos esfrangalhados e para, confesso, pôr em causa o meu instinto maternal. Da uma e meia da tarde até à uma da manhã, este bebé (e sua mãe) mal dormiu, mal fechou a goela, alternando entre o choro cansado e os gritos que o deixavam sem respirar. Eu, impotente como todas as mães na terceira semana de vida dos seus filhos, tentei de tudo: massagens na barriguinha, ginástica com a perninhas de alicate, dançar ao som do VH1 Classic, embrulhá-lo num cobertor, percorrer o corredor de casa vezes sem conta, abraços e beijinhos de conforto e nada, nicles, népia - o rapaz continuou aflito até de madrugada.

É claro que eu sabia que isto ia acontecer. É claro que ter cólicas faz parte do processo de desenvolvimento do bebé, que tem agora os orgãos em processo de maturação. E também sei que não há nada que os médicos me possam receitar ou sugerir para acabar com as cólicas - é suportar, uns dias melhores, outros nem por isso. Mas a verdade é que ontem senti vergonha de mim mesma por sentir que não tinha o que é preciso para ser mãe e por sentir que a paciência se esgotava. Era eu em frente a uma criatura tão delicada e indefesa e só queria que ele se calasse durante uns minutos para me organizar interiormente. Senti-me tão tremendamente egoísta, não merecedora da graça que é ter um filho assim perfeitinho que até isso me doía. Mas a verdade é que não há nada que três ou quatro horas de sono não ajudem a relativizar e hoje é outro dia. Enquanto escrevo, tenho o bebé a dormir a meu lado e sei que a cada dia que passa tenho mais força e mais paciência para o meu pequeno homenzinho.

outubro 18, 2010

Manter-me calma (e continuar...)

Que fim de semana... Já tinha falado da semana horrível, desta vez aconteceu o fim de semana horripilante. Levámos o Vicente a casa para conhecer o resto da família e alguns amigos, especialmente porque as bisavós são velhinhas e tinham alguma pressa de o conhecer.

O que é que isto significou? A primeira grande viagem do bebé que, depois de dormir o caminho todo, espertou como se não houvesse amanhã e decidiu que não ia dormir - nem ele nem mais ninguém; uma alcofa que ele odiou e onde se sentia desamparado; o terror e a impotência das noites sem dormir; a casa completamente cheia de gente a toda a hora, querendo beijar o bebé, pegar no bebé, abraçar o bebé; a primeira conjuntivite dele e, consequentemente, a primeira visita ao hospital depois do nosso coração partido à visão daquele olhinho inflamado.

É evidente que foi muito bom que os nossos amigos e família pudessem conhecer o Vicente, levando presentes e, acima de tudo, uma grande generosidade. Não podia sentir mais orgulho dele do que ter toda a gente a comentar como ele é giro e perfeitinho e como parecia um anjo enquanto dormia. Mas, ao mesmo tempo, o stress de ter gente a entrar e a sair de casa, ver o bebé a passar de braços em braços, o barulho constante, os conselhos forçados que toda a gente acha que eu devia pôr em prática e, finalmente, a primeira visita às urgências não facilitaram as coisas. Percebi já há algum tempo como fico triste por ter o Vicente a crescer longe das nossas famílias, só podendo regressar de tempos a tempos. Dói-me muito que não tenham a possibilidade de o ver crescer in loco em vez das fotografias que se enviam semanalmente mas as circunstâncias (leia-se a falta de emprego e de perspectivas) não permitem que as coisas sejam de outra maneira.

Isto é só mais um work in progress e um dos difíceis. Baixar os braços? Não. Vamos deixar só o bebé crescer e depois, já dizia o outro, logo se vê.

outubro 13, 2010

O Vicente vai passear!

Depois da bela sugestão da Madalena*, comprámos o tal sling porque aquele que já tínhamos não servia ao pai e deixava algo a desejar em relação ao posicionamento e segurança do bebé. Lemos cuidadosamente as instruções e resolvemos levar o Vicente connosco às compras, para que possa também apanhar um pouco de ar. O pai passeou-o orgulhoso e conseguiu que muita gente olhasse para nós duas vezes - ver um homem com o seu bebé é sempre fofo. Já eu ainda estou a tentar habituar-me à ideia mas, dado que a partir de amanhã fico sozinha com o bebé em casa, não me parece que possa dispensar esta ajuda. De início, o Vicente não gostou muito de ser ver enrolado no sling mas, depois de alguns ajustes e insistência q.b., adormeceu tranquilo ao colo do pai. Lentamente atingimos as pequenas metas do quotidiano e fazemos mais e melhor.

* ficámos contente porque o tamanho é ajustável e dá para usar de quatro maneiras diferentes. Vale sempre a pena ouvir outras mães com experiência ;)

outubro 12, 2010

A aventura continua*


Esta última semana foi (talvez) a mais difícil da minha vida. Ao escolher amamentar o meu bebé em exclusivo, aceitei (sem saber) um compromisso gigante para com a sua saúde e também com o meu bem estar psicológico. É óbvio que, apesar de nascerem já com alguns reflexos, os bebés não sabem mamar e uns precisam de mais ajuda para se iniciarem nessa aventura. Nesta última semana, tive momentos a roçar a histeria, admito, mas simplesmente por não conseguir compreender se o bebé estava bem alimentado, satisfeito ou frustrado e simultaneamente achar que eu tinha a culpa disso tudo. Muitas vezes, lamentamos que as pessoas não venham com livros de instruções e isso é especialmente grave - descubro-o agora - com bebés.

As hormonas instáveis não ajudaram particularmente e esta ideia de que sou a pessoa mais desajeitada que conheço também não melhorou o cenário de caos com que me deparava: o meu bebé podia estar subnutrido e a culpa era minha. Mas felizmente fomos a uma conferência sobre aleitamento materno, falámos com amigos mais experientes e o Vicente foi ao pediatra pela primeira vez e tudo ficou mais fácil. Quer dizer, não sei se mais fácil mas pelo menos mais leve. Experimentámos algumas alternativas e, depois de saber que o bebé já tinha ultrapassado o peso de nascença, pude finalmente respirar de alívio. A verdade é que estive quase a desistir, mesmo sabendo que a amamentação é a solução ideal para o bebé e para mim e que ele não precisa de mais nada para crescer forte e saudável.

Ter um filho é ser posto à prova a cada segundo que passa. Suprimir-lhe as necessidades, satisfazer-lhe os desejos, acalmar-lhe o choro e ver o sorriso ainda inconsequente de quem não consegue apreender o Mundo é tudo o que nos ocupa o pensamento. Não há tempo para pensar em jantares ou computadores, sobram poucos minutos para ler, o cansaço ataca cada vez mais cedo mas a simples ideia daquela cabecinha a levantar-se do meu ombro e aqueles olhos curiosos a tentarem perceber quem sou eu valem tudo. Recuperei a calma (pelo menos por agora) e encaro estas dificuldades mais tranquila e também o posso agradecer ao incansável pai do Vicente. Cada dia é um dia e com estas brincadeiras todas duas semanas já lá vão [suspiro]...

* as fotos são do postal adorável que acompanhava o sling que comprámos na loja de estar, que podem visitar aqui. Atenuadas as dificuldades iniciais da amamentação, avançamos para o próximo obstáculo: a deslocação sem ajuda do pai.

outubro 07, 2010

A primeira efeméride

 A fotografia é uma das milhentas que o pai lhe tirou.

Já passou uma semana... É incrível, a dimensão deste lugar comum mas também é absolutamente desarmante a forma como agora faz mais sentido: o tempo passa a correr. É óbvio que não me sobra muito tempo para me dedicar às coisas que gosto para que possa atender todos os desejos e caprichos do meu pequeno príncipe. Começamos a aprender os ritmos um do outro, a descobrir soluções de recurso para os obstáculos que vão surgindo e não tem sido fácil. Sou uma pessoa demasiado nervosa e impaciente para não me preocupar com todos os soluços e espirros, para conseguir adormecer sem ver umas cinquenta vezes se ele está a respirar, para não sobre-analisar tudo e mais alguma coisa. Não me canso de lhe estudar as feições e os sorrisos enquanto dorme, nem o beicinho que treme quando está mesmo muito aborrecido. Acho que ainda me custa a crer que este bebé saiu de dentro de mim com tamanha perfeição...

outubro 03, 2010

O incrível bebé V.

Bem, na realidade não sei por onde começar. Como é que reconstituímos um acontecimento de tal maneira brutal para a nossa existência? Vamos por partes, então.

O Vicente nasceu na passada Quarta-feira por volta do meio dia. Eu tinha passado a noite anterior em claro, tentando organizar as contracções que já me prostravam bastante mas que eu ainda não identificava como sendo sinais de trabalho de parto. Sem pregar o olho e sem sucesso, eu tentava combater as dores com técnicas de respiração, episódios do Family Guy e pêssegos em calda. Na manhã seguinte, pensava que ia apenas ser reavaliada pela médica mas, para nossa surpresa, fiquei internada - gravidez de termo com trabalho de parto, chamaram-lhe eles. Desde que dei entrada no hospital até chorar descontroladamente com a primeira visão do meu filho, passaram apenas três horas. Acho que é isto que acontece quando se faz bem os trabalhos de casa! Como é óbvio, vou poupar-vos aos detalhes sórdidos da coisa e vou apenas dizer-vos que foi uma experiência absolutamente irreal e às vezes parecia que me estava a ver de fora do meu corpo.

Dei à luz um bebé perfeito, ao contrário de muitos medos que fui tendo ao longo da gravidez. Mostrou logo a goela bem forte assim que saiu da barriga da mãe e brilhou nas medições e testes que habitualmente se fazem à nascença. Foi na sala de partos que estive, pela primeira vez, rodeada pelos dois homens da minha vida, ainda totalmente atordoada e um pouco exausta enquanto o pai do Vicente lhe cortava o cordão umbilical. À parte dos normais constrangimentos fisiológicos, foi tudo perfeito, melhor do que poderia ter imaginado.

O Vicente já recebeu as visitas dos avós, tios e duns amiguinhos (vocês sabem que são!) e é, no geral, um bebé muito calmo. Confesso que alguns desequilíbrios hormonais durante a gravidez me fizeram temer que o bebé nascesse debaixo de stress ou muito nervoso mas, e apesar de ser ainda cedo para o afirmar, é um anjo que vejo deitado ao meu lado. Todos os desejos, todos os nosso planos e esperanças têm agora uma cara, um corpinho delicado, um cabelo que é basicamente a cópia do cabelo do pai e uma boquinha que às vezes também ri. É mais do que óbvio que vivemos dias intensamente felizes e de profunda mudança, testes e adaptação. Ainda lutamos com a logística e a alimentação, ainda remodelamos horários - estamos profundamente empenhados em conhecer e amar o nosso filho. Não sei se sou agora outra pessoa mas sei que a minha auto-imagem saiu profundamente mudada daquela sala de partos em Santa Maria dos Olivais: ver uma vida que carregámos durante nove meses chegar ao Mundo desta forma tão bonita faz milagres. Agora se me desculpam vou andando, que o meu maior milagre, a minha maior razão de ser feliz reclama a minha presença - está na hora do almoço.