fevereiro 28, 2014

Prazo de validade

Neste fim de semana que passou morreu um colega aqui do escritório. Teve um ataque cardíaco e, aos quarenta e dois anos, não resistiu. Quarenta e poucos anos e nem sequer teve a hipótese de apanhar um susto. Há duas noites, outro colega acabou no hospital com duas artérias entupidas e a precisar de um cateterismo. Ao primeiro não lhe conhecia hábitos alimentares, de exercício ou de sono mas estou certa que o segundo não trata assim tão mal de si, não fumando, fazendo exercício e comendo sempre comida caseira, com uma dieta rica em peixe e carnes brancas. Na verdade, nada foi suficiente para evitar uma morte e um grande susto.
 
Muitas vezes ouvimos histórias de pessoas que não cuidam de si, que vivem lado a lado com os excessos, o que muitas vezes se confunde com apreciar o melhor que a vida nos pode dar. Outras tantas vezes chegam-nos aos ouvidos relatos da injustiça que é ver partir pessoas que cuidavam de si, que se preocupavam com a sua saúde e bem estar, que pensavam estar assim a proteger-se e prolongar a vida. É claro que existem factores como a hereditariedade, que muitas vezes se desconhecem e na maioria dos casos não são visíveis. Só que, bottom line, no final não importa.
 
Sempre que eu entro num avião, encho-me de nervos por pensar que me estou a colocar em perigo voluntariamente. Que podia estar melhor com os pés bem assentes no chão, que preferiria andar de carro, mesmo sabendo que as estatísticas dizem que os aviões são bastante mais seguros. E o único pensamento nesse momento, para além da ideia de morrer, claro , é só um: o meu filho ficava sem mãe se me acontecesse alguma coisa. Mas agora penso em tudo o resto, toda a gordura que me pode estar a entupir as veias, todo o exercício que podia estar a fazer, todo o stress que já não consegui evitar e sinto-me desconsolada por me lembrar do óbvio: não a podemos controlar. Ela chegará quando tiver de ser, da maneira que esperámos ou apanhando todo o mundo desprevenido, sem qualquer consideração pelos que cá ficam. E eis que eu, chegada quase aos trinta e cinco anos, me vejo ainda na posição de me ver confrontada com a minha mortalidade e achar que a) afinal ainda sou imortal e b) não quero mesmo morrer.
 
Custa-me pensar na morte, especialmente na minha morte ou na do miúdo. Muitas vezes imagino que vamos ser assim para sempre: eu vou ter sempre trinta e tal, ele vai sempre ter três e fazer birras. Só que um dia ele vai ser maior do que eu e vai apresentar -me namoradas. E eu perderei mobilidade e serei ainda mais chata e terei o cabelo completamente branco, embora já não falte muito. Pensava que era mais fácil envelhecer mas não é. Ver o corpo a mudar, perder paciência para umas coisas, ganhar para outras, perder agilidade, ganhar dores em articulações que não conhecíamos antes, resmungar muito mais. Eu pensava que ia passar por isso na boa, só que não é bem assim porque olhar para os nossos filhos é ver a nossa própria finitude e isso é cruel.
 
Por isso, esta manhã ia saindo de casa com um aperto no coração. Pela primeira vez desde que se despede intencionalmente, o meu filho não queria despedir-se de mim. Simplesmente ficou a olhar para mim enquanto eu lhe perguntava várias vezes se não me queria dar um beijinho. E só quando eu já estava quase a trancar a porta correu para ela a chorar, muito arrependido por me ter ignorado. Eu não quero sair de casa todos os dias a pensar se fiz tudo o que queria fazer e se me tinha despedido convenientemente. Mas penso muitas vezes nisso, especialmente nos dias em que saio de casa ainda no escuro, sem ter sequer escutado ou visto o miúdo a dormir. Enfim, tudo isto é resultado do ambiente que se vive no escritório nos últimos dias, é um facto. Já perdi tempo e tempo a pensar no que seria do meu filho se eu não existisse porque mesmo que tenha um grande pai, não pode por isso dispensar a sua mãezinha. E por isso gosto de o beijar e ser beijada, dar aquele abracinho logo de manhã. O meu plano é apenas não deixar nada por fazer.

fevereiro 27, 2014

A senhora que me passa a ferro

Escrevo enquanto a dona Rosa me passa a ferro lá em casa. Nunca antes tinha tido aquilo que convencionámos chamar empregada mas também não me parece que a dona Rosa o seja. Lembro-me dos meus amigos falarem das empregadas que iam lá a casa (especialmente a da minha amiga J., que ia escondendo restos de comida debaixo do sofá) mas em minha casa quem limpava era a minha mãe. E eu e a minha irmã, inevitavelmente. Aliás, ainda hoje, tantos anos depois de sair de casa, ainda se espera que eu cumpra parte das tarefas domésticas em casa dos meus pais. Acho que para mim uma empregada sempre foi sinónimo de um luxo que não podíamos pagar mas, ao mesmo tempo, um símbolo do orgulho que era sermos nós mesmas a tratar da nossa casa.
 
A dona Rosa não é a minha empregada, pelo menos eu não a vejo assim. É uma senhora a quem eu pago, evidentemente, para que me passe a roupa a ferro e me livre do castigo que é passar a tarde de Sábado e parte de Domingo de ferro na mão. Como a nossa casa não é grande, dou bem conta de tudo o resto mas passar a ferro é que me causa uma espécie de urticária. Acresce que com as últimas mudanças e com as viagens quase todas as semanas, fico sem muito tempo para tratar do importante e vejo-me muitas vezes obrigada a escolher fazer apenas o essencial - acontece que passar a roupa não cabe nessa categoria, pelo menos na minha cabeça. Então contratei a dona Rosa, que é certamente mais velha que a minha mãe, que sobe as escadas devagar mas sempre bem disposta e que encontrei (através da sua filha) num site inglês para expatriados no Luxemburgo. Foi a única pessoa que me respondeu ao anúncio que coloquei, não precisei procurar mais. Na minha ideia, ela trataria também doutras tarefas mas quando falámos pela primeira vez, acho que tive pena de a maçar com as minhas limpezas, senti uma espécie de vergonha e acordámos que seria só a roupa.
 
Só que a dona Rosa não é só a senhora que me passa a ferro: também é a materialização da pessoa que escolheu exactamente o que quer fazer da vida. Emigrou bastante tarde, chegou ao Luxemburgo há onze anos e tinha estudado alguma coisa em Portugal. Veio, como eu, atrás do marido e deixando uma vida para trás. Chegada aqui, e com o marido já a trabalhar, interrogou-se sobre o que gostaria de fazer no tempo que lhe restava trabalhar e decidiu ser femme de ménage. Não foi por obrigação, foi porque lhe apeteceu e porque podia facilmente ocupar o tempo, ainda por cima fazendo coisas para as quais não necessita de nenhuma qualificação oficial. E enquanto as suas colegas, com menor escolaridade, se queixam do destino que lhes coube, ela transpira optimismo e a calma de quem faz aquilo que realmente queria.
 
Porque é que eu falo da dona Rosa? Porque eu também queria deixar de lado esta ideia de que é preciso é ganhar mais dinheiro e fazer antes coisas que me dão prazer, trabalhar menos e ganhar menos mas desacelerar e ser um bocado mais feliz. Para tomar uma decisão destas, é preciso ter um plano B na cabeça mas, acima de tudo, aceitar uma mudança radical na maneira como entendo o trabalho. É como se a única maneira de se trabalhar fosse a subir, a ganhar mais responsabilidade e respeito, a perder um pouco de humanidade e amigos. Fui eu que me impus essa maneira de ver, mesmo não tenho nenhum plano para ser uma mulher de carreira. Nunca fui ambiciosa a esse ponto, da mesma maneira que nunca quis ser só mãe. Só que vejo agora que vivo muito preocupada com o dinheiro - é claro, somos três pessoas em casa que precisam de sobreviver - mas que talvez pudesse aligeirar as coisas e trabalhar menos, poder levar o miúdo à escola, afastar-me de um bocado da roda viva que é fazer dinheiro ajudando os outros a... fazer dinheiro. Não sou nenhuma puritana nem anti-capitalista, não sou radical. Mas também não convivo muito bem com a necessidade de fazer mais e mais dinheiro, sem qualquer utilidade nem contribuição para o bem comum.
 
Estou lixada, eu sei. Não vou ser certamente outra dona Rosa e nem sequer consigo conceber a ideia de deixar de trabalhar num regime dito normal. Mas tenho pensado muito nisto (resultado de alguns acontecimentos recentes e de muita conversa com gente de quem gosto e que me quer bem) e parece-me que mais cedo ou mais tarde uma mudança assim será inevitável. De certa maneira, tenho um bocado de inveja do tempo dos nossos pais, em que um emprego era para a vida. Posso estar errada mas acho que as pessoas se questionavam menos e aceitavam que era assim que se vivia. Hoje, o mercado de trabalho é volátil, muito instável e as possibilidades infinitas - mesmo em tempo de crise, é-nos permitido sonhar. Só me falta descortinar que raio de sonho é o meu.

fevereiro 19, 2014

Entre a Lapa e Campo de Ourique



Dormir sozinha na nossa casa de Lisboa é estranho e extremamente evocativo de memórias não tão longínquas assim.

Esta casa cheira exactamente como no dia em que aqui entrei pela primeira vez, orgulhosa da minha maturidade mas extremamente intimidada pelo grande acontecimento do dia: ter passado um cheque de cento e vinte mil euros pela primeira (e julgo que última) vez da minha vida. Lembro-me que antes disso, e apenas durante o tempo estritamente necessário, ainda pude ver esse mesmo montante na minha conta bancária. Lembro-me que fiz un screenshot para nunca mais me esqueci mas acabei por me esquecer onde guardei o screenshot. Dos cento e vinte mil euros ainda restam memórias.

Vivi muito tempo sozinha, outro período com a minha irmã, depois com o namorado que se transformaria (à pressa) em marido e ainda com um filho até ele completar um ano e meio. Muita gente passou pela minha vida desde o dia um de Novembro de 2006, em que pisei pela primeira vez um imóvel meu. E estar aqui sozinha agora, longe de tudo e de todos, faz desfilar na minha cabeça a quantidade incrível de momentos que vivi neste primeiro andar inicialmente contruído em 1876. É o que diz sobre a porta da rua, pelo menos.

Os ruídos continuam os mesmos: os aviões quase a rasar a basílica da Estrela, os cães miniatura que a nossa vizinha de baixo sempre gostou de ter, a televisão que os vizinhos do lado insistem em ouvir em altos berros, o som dos meus passos no corredor e nas divisões vazias – o silêncio que, a espaços, me faz esquecer que esta é uma casa de Lisboa. Lembro-me dos momentos de terror que vivi aqui sozinha quando percebi que andavam ratos ou ratazanas sobre o tecto falso e ligava aos meus pais, imóvel com o medo, esperando que um bicho me aterrasse no colo a qualquer momento. Lembro-me da desgraça que ia acontecendo quando tentavam fazer entrar o frigorífico pela janela da frente, da dificuldade que foi fazer entrar o sofá pelas escadas impossíveis, da noite em que fiz o primeiro teste de gravidez e em que parece que tudo mudou.

É difícil explicar e ainda mais difícil compreender, imagino, mas mesmo estando feliz no Luxemburgo e não olhando muito para trás, esta é que é a minha casa, a nossa casa. É o sítio para onde podemos fugir se a vida nos correr mal, é o sítio onde vi o nosso filho andar pela primeira vez, foi palco de planos, desamores e desilusões, foi o sítio em que estar sozinha era uma benção, foi a minha primeira grande conquista adulta. Não preciso de mais razões para explicar porque não nos desfizemos dela ou porque me custa tanto pensar nela alugada. É a minha casa, é a nossa casa. Hoje vou dormir na minha casa e, por muito que me custe pensar que é temporário, a verdade é que é também muito bom.

fevereiro 18, 2014

(e para contrariar o positivismo do post anterior...)

Isto já me passa, eu bem sei. Dorme-se sobre o assunto, dão-se umas voltas na cama, desperta-se para um dia menos cinzento e isto esquece-se mas hoje não.

Hoje sinto que não tenho o que preciso para este emprego. Hoje sinto que a coisa que mais desejo, profissionalmente falando, é não ter de falar com ninguém, estar num escritório sozinha com os meus botões, a fazer uma tarefa qualquer monótona e nada creativa. Não quero ser diplomática nem tolerante nem quero inventar desculpas nem justificações para quem não faz a sua parte, mesmo sabendo que disso dependem os outros. Não quero explicar nada nem tolerar a indisposição justificada, não quero mentir nem esperar pelos outros.

Em dias como estes, lembro-me como às vezes sonhava com um monte que estava à venda no caminho entre o Vimieiro e Pavia, tinha piscina e tudo e nem se via da estrada. Havia de me dedicar às tarefas da casa, plantava um bocado de vinha e uns hectares de cereais, criava galinhas, patos e coelhos e tinha um canteiro gigante de ervas aromáticas que nunca haviam de murchar. Nos tempos mortos, sentava-me debaixo do alpendre ou contemplava as searas a perder de vista deitada numa rede de pano. Escrevia sempre que o calor me desse uma trégua e recebia pessoas em casa apenas para pagar as despesas. Não sonhava com marido nem com filhos porque pensava que ia ficar sozinha para sempre. E sozinha para sempre não era nada mau, especialmente se compararmos com as pessoas com quem nos cruzamos todos os dias, especialmente aquelas que parece que estão no nosso caminho só para dificultar.

Eu estou tão farta de pessoas que o melhor que me acontecia agora era poder trabalhar exclusivamente a partir de casa, desenvolver assim a minha rede de contactos, tirar partido das novas tecnologias. Manter o contacto humano no mínimo possível e sendo especialmente clara nas minhas intenções, necessidades e pedidos. Ou então dava-me uma coisa e deixava este mundo para trás e dedicava-me a qualquer coisa onde o critério de recrutamento fosse deve falar o menos possível ou então não pode gostar de trabalhar com outros ou mesmo encorajamos o trabalho eremita e totalmente independente. Há gente muito boa por aí. Eu sei, eu já vi, eu já trabalhei com ela. Mas o Sartre é que tinha razão quando dizia que o inferno são os outros. Com os meus próprios defeitos e limitações dou-me eu muito bem. E sei que os tenhos (defeitos e limitações) mas há duas coisas de que não me podem acusar: de não tentar sempre fazer o melhor que posso e de ter uma ética profissional desbardalhada. 

E era isto. Até sair do escritório não penso que o azedume me vá passar, vou ser uma e outra vez confrontada com o mundo em que escolhi desenvolver a minha actividade profissional. De livre e espontânea vontade, diga-se, mas sempre na esperança de encontrar almas com as mesmas inquietações. Chego à conclusão de que não há muitas: ou desistiram de tentar ou cederam a sua postura a troco de alguma compensação imediata. Raios partam ter de ganhar dinheiro para viver.

fevereiro 12, 2014

Desamparem-me a loja, se faz favor.

Eu adorava poder escrever muito sobre as pessoas que me rodeiam todos os días mas, pelas razões óbvias, não posso. Mas deixo já aqui uma nota para referência futura: encontrei preguiçosos, competentes, desenrascados, aldrabões em todos os sítios onde já trabalhei. É interessante ver que não são atributos exclusivos de um ramo de negócios, de um certo tipo de posições ou de um país (apesar de me parecer cada vez mais que algumas ideias feitas têm a sua razão de ser).
 
Mas eu queria mesmo falar sobre uma divisão da qual me apercebo mais e mais nos dias que correm – a divisão entre as pessoas que agarram a vida com vontade, com consciência e com a intenção de tirar dela o melhor que podem e as outras, as que simplesmente se deixam ficar, olhando sem reacção para o que lhes passa à frente. Eu sempre gostei de me incluir na primeira categoria, passe a imodéstia. Vivo a minha vida de maneira intensa e tento conseguir de todas as coisas pelo menos uma espécie de educação pela via empírica, experimentar e empenhar-me, retirar das minudências diárias o prazer e ensinamentos possíveis. Às vezes tenho muita dificuldade em ver acima da linha de água, às vezes tenho dias extremamente negros e em que não consigo vislumbrar nenhum optimismo no horizonte, às vezes perco um bocadinho a esperança e deixo-me vencer pelas miudezas da vida, há que dizê-lo. Mas quando finalmente ultrapasso esse período de maior escuridão dedico-me a aproveitar as coisas outra vez.
Muitas vezes me vi rodeada de pessoas que se fixam nestes momentos menos bons e ficam por ali, a remoer e remoer até a amargura se começar a espalhar pelos outros. Não sei quando mas eu decidi não levar muitas coisas a sério. Coisas pessoais? Sim senhora, são exactamente elas que me dão prazer ou que me podem tirar o sono. Chatices profissionais? Epá, não. Mesmo que no fundo morra de medo de ficar desempregada pelo impacto financeiro que isso teria na nossa família, isso não me faz levar estas coisas muito a peito. Que não se confundam as coisas: eu faço o que tenho a fazer e tento sempre fazê-lo o melhor que posso e sei. Mas isso não implica que me aborreça mais do que o estritamente necessário: tento esquecer o máximo possível os problemas profissionais quando fecho a porta, acima de tudo aqueles que não posso resolver. Uma vez pensei “Eu já tive um filho, o que mais me pode assustar?” e acho mesmo que quem passou por isso perde um bocado o medo de arriscar, do desconhecido.
Estas pessoas de que falo têm o poder de contaminar as que estão à sua volta e de sugar toda a energia que conseguem. Consomem-se com frustrações em vez de procurarem uma coisa que as faça mais felizes. Batem pé pelos seus direitos mas esquecem-se que é necessário dar alguma coisa em troca. Estou lentamente a desenvolver uma capacidade que desconhecia até há pouco: ouvir, conversar mesmo com estes guardiões de amargura, encolher os ombros, concordar muito e sem argumentar mas como um receptáculo sem fundo – os seus esforços perdem-se em mim. Continuo a ter os meus problemas, as minhas insatisfações, as coisas que me preocupam porque não sou imune. Esforço-me é por olhar para o outro lado das coisas, por aproveitar as oportunidades, faço por estar no sítio certo à hora certa. E não, sobre isso não me posso mesmo queixar.

fevereiro 04, 2014

Um terço da vida a blogar!

Passam hoje dez anos desde que escrevi o primeiro post neste blog. Na verdade, passará ainda mais tempo porque os primeiros posts, desabafos virtuais de quem estava perdida e enamorada duma imagem que eu mesma tinha criado na minha cabeça, já vinham de outro blog, para o qual eu não encontrava o acesso. Dez anos, caraças! Se tiver em conta que durante os primeiros dezoito anos da minha vida eu não tive acesso à internet e o que escrevi antes deste blog se perdeu irremediavelmente (e ainda bem!) neste buraco negro que é a rede, então eu estive aqui durante todo este tempo. E isso pode ser irrelevante para outros mas é mais ou menos impressionante para mim.
 
No outro dia, completamente aborrecida num quarto de hotel qualquer, fui relendo muito do que escrevi no passado. Olhava para os arquivos, tentava pensar num acontecimento e numa data e depois lia o que tinha escrito sobre isso. Sorri, envergonhei-me, tive mais e menos certezas, gostei mais e menos do estilo mas senti que cristalizei muitos momentos bons e muitos maus da melhor maneira que soube. E se o blog não servir para mais nada, então servirá para que um dia eu me lembre mas que me lembre exactamente aquele preciso momento, para que me faça sentir as palpitações e o desalento, para que me recorde que amei e deixei de amar com o tempo, para que nunca me esqueça de como me quiseram a mim. E eu, sempre correndo o risco de me expor demasiado e a sensação de nunca escrever o que exactamente o que queria (olá S, esta é para ti!), acho que este blog é um feito, sem qualquer sombra de imodéstia.
 
Há uns tempos atrás, fui acusada de ter mudado a minha maneira de estar e, pior, a minha maneira de escrever. Na altura, um pouco cega e indignada com a ideia do que isso representava, apressei-me a desculpar-me e a explicar essa mudança. Mas hoje, a muitos anos-luz da pessoa que começou a escrever este blog, reconheço que mudei, que os temas e a minha voz mudaram, que fui muitas pessoas durante estes dez anos. Só que agora acho que se isso não for a tradução do melhor da minha vida, então não sei o que será. Muitas vezes tenho saudades da força que me invadia a escrita quando a minha paixão não era correspondida. Muitas vezes tenho saudades dos segredos e das fantasias que vivi sozinha dias a fio, das história e frases que repetia na minha cabeça, não quero e nem posso negá-lo. Mas não trocaria o amor que me rodeia hoje, a certeza na tranquilidade, os desejos e sonhos que ainda tenho dentro de mim por um pedaço do passado. Que além disso, no fundo, me deixava infeliz.
 
Por isso hoje celebro um marco importante na minha vida e celebro também as pessoas que fui conhecendo pelo caminho. Gosto do meu blog como ele é, reconheço-lhe defeitos e virtudes mas sei que, ainda que muitas vezes apenas toque a superficie, é um espelho do que eu sou. Porque é que a minha vida ou os meus sentimentos podem interessar as outras pessoas que não eu? Pois não sei e também gosto de espreitar outras vidas, outras mães, outras namoradas, outras mulheres e homens por esse mundo fora. Eu já pensei acabar com o blog algumas vezes mas sempre porque parecia que não tinha mais nada para dizer. Mas de vez em quando vou enganando esse sítio donde nasce toda a inspiração e continuo aqui. Até quando não sei. Enquanto houver coisas para viver, parece-me.