setembro 30, 2008

Adivinha o que fiz na noite passada iii *

Nas linhas da minha mão escrevo... as gotas de sangue da resina que cobre os meus poemas. Entre as linhas, aves repentinas e caudas de cometas. Nas linhas da minha mão escrevo uma ode às praias nuas, aos banhistas selvagens imersos na quietude do mar. Há muito que nas linhas da minha mão gravei a cidade e a luz com que ela se oferece ao rio. E escrevi os desgostos a branco e enchi-a de cor quando fui mais feliz.

Nas linhas da minha mão alguém me escreveu a sina. Não a sei ler sozinha, não a quero saber senão quando a tiver cumprido. E deixar as linhas voarem como dois pássaros sem perdão.

* inspirado no poema Paisagem, de Sophia de Mello Breyner Andresen. E também a minha mão tremia quando pousei a caneta, como se fosse este o único texto que podia escrever. E tremo eu quando ouço outras palavras, quando com palavras me tocam de forma indelével e doce.

setembro 28, 2008

Late night *

Era eu no autocarro, eram pouco mais de sete da manhã e o coração saía-me pela boca. Havia quem saísse para o hospital e existias tu, dentro do meu peito, numa dimensão e proporção que nunca irei entender.

* porque preciso de escrever, empresta-me essa caneta. E papel, arranja-me um pedaço de papel. Pode ser do livro onde guardas as contas, escrevo um segredo no mesmo papel em que rabiscas os teus. Preciso de escrever. Amanhã quando voltar a ler isto vou achar-me pateta, sou uma drama queen. Mas agora deixa-me escrever que me rebenta o peito. Deixa que a enxurrada de palavras que não me ouves dizer seja imortalizada com a tinta. Meto o papel à pressa dentro da mala e escondo subtilmente as mágoas dentro da carteira. Serve-me mais uma cerveja. Mais uma, antes que comece a falar.

setembro 27, 2008

As minhas noites * são mais belas que os meus dias ii

Duas fotos da autoria de P.

Quando venho cá é como se entrasse directamente para outra dimensão: a das conversas boas, das cervejas que nunca pedi e vieram ter à minha mão, a da televisão em altos berros até pedirmos para mudar de canal, dos cd's que gravamos para podermos ouvir a música de que gostamos. É a dimensão em que me esqueço do trabalho e das candidaturas e da limpeza que me falta fazer à casa, das mentiras piedosas e dos transportes públicos cheios, dos quilos que ainda me faltam perder. Aqui não há nada disso. Só há bancos altos, vizinhos que não nos reconhecem e uma dona do bar que se diverte com a minha máquina. Diz que é bom, isto.

setembro 26, 2008

Ficção #6

Mostraste-me como seria ver-te naufragar noutros braços, fizeste-me entender a facilidade com que te fazes seduzir por outra boca, ensinaste-me o que é o pânico. E eu, que me julgava imune e que me achava pouco ingénua, soçobrei às queimaduras dos passos em falso que ecoavam pelo meu corredor. Devia ter-te adivinhado no banco de trás daquele táxi, devia ter pressentido a velocidade com que iria desfazer-me mas não – era tudo estranhamente perfeito, era muito mais do que a minha realidade reclamava, era ficção em bruto a acontecer naquela madrugada de sábado.

setembro 25, 2008

E a declaração de amor que me apetecia fazer agora



It might have been a while
Since you've been loved
Like you should be loved

It might have been a while
Since you've been kissed
Like you should be kissed

In tender loving arms
Might be something you miss

No trabalho como na vida *

A M. tem algumas dificuldades em gerir as suas emoções.

* eu sempre desejei ser uma pessoa constante e coerente.

setembro 22, 2008

Adivinha o que fiz na noite passada ii *

Ainda não tinha tido coragem para lhe visitar a campa. Ele, tão dedicado às amizades, jazia agora entre os seus amigos eternos numa esquina de onde conseguiria, se pudesse, ouvir o eléctrico. Foi numa noite em que caminhava meio absorta até ao momento em que julguei ver o nome dele escrito a neon sobre uma montra desactualizada. Mais acima, duma janela aberta num terceiro andar, fixava-me uma rapariga de vestido amarelo e cabelo curto que parecia dizer o seu nome. Xavier, dizia ela baixinho.

Enquanto avançava entre os jazigos de família, sob os candeeiros de ferro forjado que ornavam o caminho, ouvi o sotaque francês de um casal de meia idade. Ela vestia vermelho e ele dizia-lhe que odiava o cheiro a caril que se sentia por toda a parte. Abrandei o passo quando cheguei aos mosaicos gastos e ouvi a gargalhada fresca de uma rapariga. Ele gostava de me ver rir, pensei eu. Mas a minha cara não correspondeu a este pensamento porque reparei na expressão de pena de um rapaz sem braço que também caminhava por ali.

À porta do cemitério, nada mais que uma fila ordeira de carros, a fachada impecável do hotel e o grafiti espalhado por todo o lado. Podia estar triste mas sei que ele não me queria assim.

* de caneta em punho, em plena praça, a tentar absorvê-la. Confundida com a polícia, tento demonstrar a minha habilidade em trabalhos manuais, criando uma flor cubista. As horas ali não passam, é como se ainda fosse pedir para ficar mais um pouco, só mais dois ou três momentos de total distracção, de total fantasia. Deixo a vida à porta e recrio-me outra vez.

setembro 21, 2008

As minhas noites * são mais belas que os meus dias

Não sei exactamente como o apago da memória em noites assim. De repente, corre tudo a uma velocidade que não esperava, as recordações são pequenas dores liquefeitas. Brinco com as palhinhas da caipirinha, encosto-me à parede grafitada mas já não espero. Já não quero nada. Desdobro-me em pequenas conversas, transformo as minhas tristezas em anedotas triviais, hoje é tudo possível. Enquanto suo, purgo. O suor cola-me a camisola ao corpo, o decote já não me perturba, a música foi feita a pensar em mim. Mas ainda o imagino a descer aquelas escadas, embriagado pela sua própria imagem, o ego em modo bomba relógio. Fixo o chão enquanto danço para me castigar e quando levanto a cabeça não consigo evitar sorrir. À noite acontecem coisas demais na minha cabeça.

*diferentes impressões da mesma noite aqui.

setembro 20, 2008

Dormir mais feliz #17

Slow, you kept me in that storm
You showed me things galore
Made me want much more

setembro 18, 2008

Adivinha o que fiz na noite passada *

Senti sobre mim o peso dos lençóis de veludo. Há três noites que não consigo dormir, repetindo em silêncio a imagem da estrela do mar que ela deixara na soleira. À esquerda do quarto, o irrequieto cardume embate, como que embriagado, contra as paredes do aquário. Sou como todos os homens que deixam que os amores os consumam.

Levantei a cabeça da almofada, o corpo da cama e encostei o sono no parapeito da janela. Nada mais que silêncio, nem mesmo o carrossel da praça conseguia ouvir. Na cozinha, senti o cheiro do ramo que jaz naquele jarro velho e que nunca consegui entregar-lhe, não depois de os saber enamorados, crescendo como um par. E naquela noite, com a cabeça debaixo das estrelas, chorei outra vez.

* era um terceiro andar com vista para uma nesga de Tejo, onde se chega num elevador que só transporta duas pessoas. Demasiado perto uma da outra. Sete cadeiras ocupadas, dezenas de post-it nas paredes, um bule quente com chá. Um sofá apenas, iluminado propositadamente com um candeeiro de leitura. Centenas de palavras bailando na minha cabeça e o pior dia do Mundo acabava da única maneira que sei ser feliz.

setembro 16, 2008

(...)

[Foi dos dias mais difíceis da minha vida mas dificilmente me lembro de ter chegado tão contente ao trabalho. Nunca tive tanto medo, em dia nenhum, em ocasião alguma, escrevi ainda hoje num papel. A hereditariedade e a biologia deixaram-me escapar. Pelo menos hoje, posso dormir a saber como vai ser amanhã. Vai ser bom. E amanhã vamos correr outra vez no final do dia. O cansaço faz-me sentir mais viva. Obrigada por torcerem por mim - juro que precisei muito.]


Em aproximadamente dezanove horas. Estou a contar o tempo e quase disposta a pedir a alguém uma daquelas pulseiras contra o mau olhado. Estou desconfiada que vai ser difícil dormir mas não antevejo nenhuma noite em claro. E sei, claro, que o mais provável é a genética levar o melhor desta situação toda. Tenho muito medo do que vou ouvir, do que vão ver, da cambalhota que pode ser o dia de amanhã. Estou apavorada mas não consigo dizê-lo em voz alta.

setembro 14, 2008

27 anos de Kike *

As maravilhas de estar à mesa com amigos, poder beber cerveja fresca saída de um barril cheio de gelo, prolongar a refeição por horas a fio já aqui foram elogiadas. Ontem foi simplesmente mais um dia assim ou, melhor dito, uma noite assim. Recebidos pelo frio já outonal do Reguengo e pela família C., tivemos tempo para conversar na rua, fugir de vespas gigantes, assistir a danças de salão, viver o suspense antes da entrega dos presentes e dançar até já não restar ninguém à volta da mesa de bilhar. O clube dos vinte e sete promete grandes feitos para este ano, que eu espero que o aniversariante aproveite como nunca! Para o ano, noutro sítio à mesma hora?

* outras impressões aqui.

setembro 13, 2008

The Big Church Of Fire

Honrada de os ver começar na minha cidade, sentei-me na primeira fila para assistir à primeira actuação destes meninos (myspace aqui). Trouxeram uma imensa claque de apoio que documentou a estreia e garantiu todo o apoio de que precisavam. Quando se ouve a música deles, pensa-se em Mustangs vermelhos a rasgar o deserto, em homens sozinhos caminhando à beira da estrada, em quartos de motel com cortinas carcomidas pela solidão. Ainda há muita estrada para bater mas sinto que eles estão no bom caminho. Hei-de cruzar-me com eles mais vezes.

setembro 12, 2008

Cashback *

Partem-nos o coração tantas vezes. Como meros espectadores, olhamos, incrédulos, o momento exacto em que o amor deixa de existir. Já não há som, apenas os movimentos nervosos, irados, indiferentes da outra boca. Sabemos tudo o que vai ser dito, sabemos até como tentar impedir que o impacto seja tão brutal mas reservamo-nos o direito ao silêncio. Não dormimos à noite, não há nada que possa reparar o dano tão depressa e, por isso, passamos as noites em claro. Horas após horas de escuridão completa, horas passadas a reconstruir momentos que não sabíamos guardados, repetições desastradas dos momentos de cisão. Na nossa rua, no caminho de casa, no cinema passeiam-se os fantasmas que criamos para nos defendermos. Estamos mais sozinhos quando há alguém que não nos quer.

Reconstroem-nos o coração tantas vezes. Somos tantas vezes alheios ao instante preciso em que a vida se encarrega de nos mostrar outro caminho. Fixamos frases inteiras, memorizamos partes de um sorriso, imaginamos muito para além do permitido. À noite, as horas custam a passar. É uma desinquietação cá dentro, uma agitação nervosa sem par, o cheiro e a cor dos olhos e a maneira como apoiam a cabeça nas mãos a perturbar-nos o sono. Subitamente, a dor desaparece, dá lugar à euforia que contemos em frente a um espelho ou a ouvir aquela música. Cristalizamos na nossa memória uma maneira doce de olhar, uma perna nervosa debaixo da mesa, o respirar que sentimos mais perto. Atrapalhados, buscamos a forma mais complicada de nos beijarmos. Mas quando repetimos a sequência vezes e vezes sem conta, conseguimos a harmonia e guardamo-la até à próxima vez que nos quebrarem.

* filme que vi entre tachos e avós que nos oferecem fruta e irmãs quase a chegar.

M @ cozinha VI

Tinha prometido a mim mesma que iria apanhar amoras e cumpri. Com a ajuda do A., que falava mais do que colhia, consegui juntar uma quantidade muito considerável. A minha mãe reservou algumas para fazer um delicioso licor de amora e eu usei o resto para fazer o coulis com que servi a minha primeira panna cotta! A consistência de ambos ainda deixa muito a desejar mas o sabor resultou em cheio. Tivesse eu sempre todo este tempo livre e havia de me tornar numa cozinheira de mão cheia!

setembro 11, 2008

Alentejo, meu amor ii

No segundo dia de passeio, arriscamos ir bem mais longe para testar os limites do nosso esforço. Começamos com um dia de Sol já raro nestes últimos tempos mas acabamos, quase em casa, com o cinzento chumbo do céu. Há tempo para parar num café para comprar uma garrafa de água e para planear onde podemos, em breve, apanhar castanhas. Durante grande parte do caminho, ouvimos apenas o vento a desinquietar a copa dos eucaliptos, o ranger delicado e seco dos troncos dos pinheiros, pássaros que adivinhamos muito maiores que apenas pardais. O meu pai fala a toda a gente que encontra, mesmo aqueles que não conhece. Quer dizer a uma senhora que as romãs lhe apodrecem numa árvore mas contém-se. Um dia destes passa ali outra vez e colhe algumas para mim...

setembro 10, 2008

A saga (ainda) continua

Apesar de já haver quem duvide e diga que depressa me vou cansar, a luta para comer menos e melhor tem sido dura mas gratificante. A única coisa que realmente me tem atormentado é poder apenas comer carne e/ou peixe uma vez por dia, o que implica um esforço extra da minha imaginação para preencher a outra refeição. Ainda não segui nenhuma receita à risca mas acho que me tenho safado bem (esta é a salada de ontem, com massa, feijão verde, ameixa branca e queijo mozarella temperada com vinagrete caseiro). Ainda hoje não jantei e já tento inventar qualquer coisa para amanhã. Talvez possa convencer-me que sem esforço tudo não teria metade da piada...

Momento da Verdade

Sim, eu sei que sou culpada. De ter aguentado um programa inteiro e de, acima de tudo, ter admitido a possibilidade de isto ser real. Posso repensar a minha posição e chegar à conclusão que esta pessoa é demasiado má para ser real e que tudo não passa de uma trapaça para ganhar audiências, fidelizar um público que está sedento de traições. Só que sei, porque já o senti, que gente desta existe. Gente que está determinada a singrar pelo caminho mais fácil, gente que pensa, acima de tudo, em si, gente que não conhece limites.

Pensar que existe um público habitual para este tipo de lixo magoa-me. Porque as pessoas querem assistir ao sofrimento, porque as direcções de programas não se responsabilizam pelo esterco que passam no horário nobre, porque há gente que se sujeita a isto. Dói muito quando se vê gente desta a inaugurar uma nova espécie de celebração: a da mentira que passa por honestidade. Tenho saudades do tempo em que a televisão se limitava a dois canais. Ninguém precisa de saber o que custa resgatar a confiança, refazer o amor.

setembro 09, 2008

Alentejo, meu amor

Estar de férias desta vez tem um sabor peculiar. Cumprindo instruções pouco precisas e, finalmente, dando ouvidos àquela vozinha cá dentro, obriguei o meu pai a deixar o sofá nesta manhã pouco convidativa e fomos passear. Caminhar deve ser mais o termo, foi unir o esforço aos caminhos que nunca me tinham sido revelados. Fui ouvindo as histórias sobre o Rosal, sobre o feijão com couve e ossos da assuã que se comem por aí, sobre um homem que oferece pão a meio de caminhadas destas.

Prometi a mim mesma que voltava a este caminho para apanhar amoras, tão maduras naquelas silvas, tão entregues a si mesmas neste resto de calçada. Há coisas que resistiram ao tempo, muros que se mantiveram de pé, um menino de olhos grandes numa casa no meio do nada. Chegamos a casa suados e um vizinho diz que se tem que caminhar assim mais vezes. Habituava-me a estes gafanhotos imprevisíveis, às moscas por todo o lado, aos figos a largarem vagarosamente as figueiras. Houve um tempo em que não existia mais nada. Regresso a esse tempo enquanto caminho e acabo deitada debaixo de uma figueira, o eco do poço como única companhia. É o único sítio do Mundo onde o tempo teima insistentemente em não passar.

setembro 07, 2008

Super Panda (2001 - 2008)

Não é que me tenhas morrido nos braços, ou melhor, nos pés. Continuas pronto para, a custo, completares mais uma viagem. Mas as tuas necessidades dos últimos tempos levaram-me mais do que posso investir. É com muita pena que desisto de ti, que te entrego a outras mãos menos exigentes que as minhas mas espero que faças outra pessoa feliz como me fizeste a mim. Comigo, fica a lembrança do dia em que te fui buscar à oficina e olhei para ti sem saber muito bem o que fazer contigo, o volante em ferro que tivemos que mandar forrar para conseguir conduzir. Juntos trilhámos umas quantas voltas à Terra, de vidro aberto e distorção no rádio.

Fica descansado, Super Panda: o outro já cá está mas não há nunca amor como o primeiro.

setembro 06, 2008

M. @ cozinha V

A minha primeira experiência com massa folhada não me deixou propriamente maravilhada. A massa estava um bocado seca, a contrastar com o recheio que me saiu, sem modéstia, muito bem. Mas, e apesar de jantar sozinha, levei as palavras da senhora doutora muito a sério e tentei inventar uma refeição designada de decente. Palpita-me que vai sair daqui um combate desigual entre mim e todas as coisas que tenho vontade de comer. Em todo o caso, vou (espero eu) sair vencedora.

setembro 05, 2008

( este é um parêntesis gigante de alívio por ter entrado de férias oficialmente há quatro horas atrás. toda a gente me pergunta quantos dias de férias tenho e eu respondo a essa gente toda que tenho exactamente os mesmo dias que toda a gente, só que gosto de os espalhar pelos doze meses do ano em vez de os esgotar no pico do mês de Agosto. ninguém acredita nisso, facto de onde retiro ainda mais gozo.

o lobo mau levou-me ontem ao festival de cinema de terror. vimos um filme do zé do caixão depois de uma pita shoarma no chiado. ainda estou a tentar decidir se dou algum crédito ao filme ou se me fico pelo grande momento de comédia que foi aquilo tudo. especialmente porque o realizador estava mesmo na cadeira atrás da minha e achava que o som não estava suficientemente alto. vestido de capa preta, era acompanhado pela filha vamp que apresentou uma curta metragem sofrível no início e pelo filho agente que filmava toda a gente a aplaudir.

a senhora doutora disse-me que não posso comer mais chocapic, passe a publicidade. e passou-me alguns trabalhos de casa, que realizei, aplicadamente, depois do jantar. vou dizer-lhe que vou correr na Estrela, primeiro devagarinho, depois a aguentar estoicamente o aumento da batida cardíaca. a senhora dos recursos humanos também me disse que estou no bom caminho mas pediu-me para exercitar a minha assertividade (cujo significado nunca hei-de realmente descortinar) e a minha liderança. foram ambas simpaticamente desagradáveis, levemente paternalistas mas necessárias. convenceram-me de que estou a andar bem.

agora vou ali começar as férias, passando a noite de sexta-feira em casa. chove torrencialmente mas a casa ainda está abafada. até bebia um copo de vinho mas a garrafa já está cheia de borras. o que é que ocupa a televisão numa sexta à noite?)

Ficção #5

Tens uma nodoazinha no peito a querer gritar mas abafas o grito que já quiseste dar tantas vezes. Teres estas fachadas aos teus pés é o suficiente para te comover, para te marejar os olhos, para agradeceres todas as infelicidades da tua vida porque afinal, dentro de cada janela daquelas, há verdadeiras histórias de dor e de perdição para contar. Há misérias escondidas, desgostos tratados à lei da navalha, submissões caladas com dois ou três copos de vinho. Os teus desencontros são pequenos e mesquinhos quando os vês sobre o contorno entardecido da cidade, as tuas saudades esbatem-se sobre a ausência de nuvens no céu. Por momentos, não te lembras que não nasceste aqui e amas, com tristeza, a cidade que te abriga.

setembro 03, 2008

Um cavalo de Tróia (dentro de mim)

No outro dia, enquanto tentávamos preencher os duzentos quilómetros com palavras, fiquei ligeiramente desapontada com uma frase que me escapou a meio da conversa. Falando de talentos, eu disse que acho que tenho jeito é para trabalhar. Não sou como os meus amigos que são barras a desenhar pontes, a investigar ratinhos, a programar, a projectar prédios e praças, a criar todo um negócio de raiz. Ser boa a ler conta? E a ouvir música? Pois, também não me pareceu. É um bocado triste ser realmente bom numa coisa que não resulta necessariamente numa profissão. Depois, pensei que sou muito boa nas primeiras impressões que tenho das pessoas: consigo, mais ou menos, perceber qual vai ser a natureza da nossa relação, antever o comportamento da pessoa. Mas, que eu saiba, as empresas ainda não contratam mediums para assistir às entrevistas e eliminar possíveis candidatos inadequados.

Estou farta disto e por isso fiz-me à vida. Vou começar a investir na minha formação, mesmo que isso seja um processo lento, mesmo que seja difícil pegar outra vez nos livros. Vou tentar descobrir o que valho. A sério. É o Setembro de todas as mudanças, das novidades inesperadas as contrastarem com a traição que o meu corpo guarda dentro de si, com a biologia a levar a melhor. Estou finalmente acordada.

setembro 01, 2008

Heartbeat *

Se os electrocardiogramas (adiantes também designados como ECG) fossem suficientemente completos e detalhados, esta não seria a imagem do meu. Estas são linhas perfeitinhas, as batidas apenas afectadas pelo ligeiro rubor que sentia enquanto despia a camisola, os olhos abertos intencionalmente para evitar descontrolar o ritmo certinho do peito. Se os ECG conseguissem registar os desgostos naquela tira de papel milimétrico, se as ventosas pudessem destapar uma ponta do caos em que encontra o lado esquerdo do meu peito, o gráfico seria bem menos harmonioso e os resultados mais verdadeiros. Enquanto a tecnologia não avança, guardo as irregularidades debaixo da pele.

* saudável, no primeiro dia de consultas desta semana.