novembro 29, 2007

Agætis Byrjun *

Estava a começar a escrever um novo post quando me apercebi. Este não é um sítio para deixar recados subliminares. Pelo menos, não às pessoas a quem os podemos dar pessoalmente. Posso tentar dar recados a quem não mais encontrarei, deixando que eles ecoem pelo espaço virtual fora até encontrarem os ouvidos a que se destinam. Mas não posso, isso não, usar este espaço para me atrever a escrever as palavras que podia efectivamente dizer, caso tivesse alguma coragem. Não me restando (hoje) um pingo desta última, remeto-me ao silêncio. Dos recados, claro.

(E assim, como todo este amontoado de palavras, se escreve mais do que se queria.)

E quando acabei de escrever a palavra coragem, o meu raciocínio desviou mais uma vez a atenção do que ia realmente escrever e fez-me pensar em momentos de coragem. Lembro-me de um, por exemplo. Passou-se comigo mas a coragem não era minha. Sentada no call center, atendendo o trilionésimo cliente mal educado e iletrado, vejo cair um bocado de papel quadriculado rasgado sem precisão sobre o teclado. Tinha um número de telefone e um nome, acho eu. É preciso ser corajoso para oferecer esta disponibilidade por escrito, como que assinando um contrato num pedacinho de papel. Foi o mais perto que tive assim daquelas cenas que se vêem nos filmes. A uma amiga, enfiaram um bilhete do metro com um email rabiscado à pressa dentro da mala. Dizia "Gostava de a conhecer blablabla@blablabla.com". Qual é a probabilidade de isto acontecer? A mim, nula. E de, ainda por cima, me tratarem por você... Pff.

Depois veio-me à cabeça a coragem da minha amiga J. Vai arriscar aventurar-se num doutoramento de quatro anos que conseguiu rés vés, Campo de Ourique (diz ela...). Acha que vai ganhar pouco mas eu já lhe segredei que será mais do que eu ganho. O que, visto termos as mesmas qualificações no momento, me parece razoável. É corajoso ou não, continuar a estudar, a investigar, a fazer a diferença? E a fazer isto tudo em Portugal, sublinhe-se. Não é um cérebro que foge para outro país, é um cérebro que lança definitivamente a âncora em Portugal. Eu cá gosto. E acho corajoso.

Às vezes, tenho tão pouca coragem que me envergonho. Noutras, sinto que posso tudo. Mas estas contam-se pelos dedos de uma mão. E enquanto assim for, pues nada, como dizem os espanhóis. Enquanto não conseguir fingir que faço da vida o que me apetecer, hei-de balançar entre estes dois estados. O de enfiar papelinhos no bolso de um estranho e o de remeter-me à minha invisibilidade.

* musicando os meus dias mais ocos.

novembro 27, 2007

E não me tinha ainda esquecido disto!

All the while the thing regarded us with what, later, when we had begun to appreciate the range of its emotions, we might too easily have recognized as contempt.

Thomas Pynchon, Against the day

A próxima é de quem a apanhar.

M e a arte de controlar os nervos

Pois, foi hoje. E, francamente, acho que correu bem. Tirando uma ou outra hesitações breves, disse mais ou menos o que gostava e o que tinha que ser. Estava à espera de muita malta engravatada mas o que vi foram pessoas mais novas que eu, vestindo informalmente. O que, basicamente, é uma trampa, visto eu me ter esmerado e parecer uma pessoa demasiado séria. Quando hoje me vi ao espelho pela primeira vez, de toillette pronta e sapatinho calçado, estava frente a frente com uma senhora de sucesso e não com uma gaja simples. É claro que mais gente do escritório se esmerou também mas parece que todos embirram comigo - Márrise, você hoje... Cuidado.

O mundo das pessoas sérias e das miúdas que se empoleiram todos os dias em saltos altos não deve ser para mim. Se fosse, eu não sentiria que estava a desfilar numa passerelle o dia todo.

[edit: Então e o ar de senhora bem posta enquanto no Ipod rodava o White Pony dos Deftones? Um fartote.]

novembro 25, 2007

Diz que o David Fonseca veio a Portalegre...

Imprecisões

Dele já me disseram as mais variadas coisas. Já me disseram que não tem talento, que
é aborrecido e desinteressante. Já ouvi dizer que ele escreve coisas tiradas de um diário adolescente, que é inconsequente e não sabe falar inglês. Já me falaram sobre a sua (suposta) falsa modéstia e sobre essa mania de ser perfeito que ensombra tudo o que faz. Pois a mim nada disso interessa.

Ele tem em si - descobri hoje à noite - grande parte dos homens que são importantes para mim. Tem o gajo magro, tem o gajo com o cabelo perfeito, tem aquele que destila poesia apaixonada, o que toca guitarra sem nunca ter aprendido, tem o tipo engraçado sem ser hilariante. E tem a música que, por muito simples ou banal ou infantil que seja, me faz apertar as mãos com força. Como se eu não conseguisse aguentar aquilo tudo. Portanto, e nisto sou inflexível, ele é muito bom. É bom o suficiente para me fazer sonhar e para verbalizar os meus medos e os meus desejos e alguns fracassos. Sim, é claro que tem (muito) bom aspecto. E é óbvio que conquista muito público feminino por isso. Mas tem aquele ar de sonhador, tem dentro dele aquela dor mansa de gostar de alguém, tem vontade de dançar. Não passo de uma adolescente quando ele está na mesma sala do que eu. Antes isso que o cinismo cosmopolita que (sinto) está a tomar conta de mim.

Factos


Às vezes sinto que as pessoas em Portalegre não merecem ouvir música. Não sei se lhe hei-de chamar timidez ou desconforto ou falta de hábito mas sei que estar nesta sala de concertos se revelou (mais do que uma vez) uma situação embaraçosa. Não há reacções efusivas, não há movimentos nas cadeiras, quase não há aplausos para encore. É como se toda a gente não fosse letrada na arte de ver concertos, como se houvesse um livro de estilo que escapou a todos. Ter medo de expressar esta alegria ou ter vergonha de cantar é ser um bocadinho menos livre. E, ao contrário do que seria normal, torno-me mais livre em cada concerto que passa. Porque se isto me faz mais feliz que outra coisa qualquer, tenho o direito de dançar e aplaudir entusiasticamente. Mesmo que a malta da geração RFM (e sim, isto paga direitos de autor) olhe para mim desconfiada e só aplauda quando eles tocam aquela.

novembro 22, 2007

M e o mundo da alta finança

Imaginem que os directores financeiros de vários países (da vossa empresa, claro) vêm a Portugal participar numa conferência importantíssima. Depois, imaginem que alguém decide que a vossa área dentro da empresa é de importância extrema e que nos interessa trazer para Portugal mais trabalho do género. De seguida, essa mesma pessoa decide também que vocês devem fazer uma apresentação em inglês sobre a vossa área, exibindo as virtudes da vossa equipa (a flexibilidade, o domínio de várias línguas, a elevada produtividade) e mostrando que é uma área em franco desenvolvimento. As palavras de ordem são sell, sell e sell.

Agora, alguém me explica porque é que só penso como me vou conseguir aguentar em cima dos saltos o dia todo?

novembro 21, 2007

Sobre inevitabilidades e dias de folga


Tábua de queijo e enchidos, seguida de moelas. Duas ginjinhas bebidas de golo, para acompanhar os moços na cerveja. O despertador caladinho, às sete da manhã, e os vizinhos a fazerem algazarra desde as oito. Acordar mas ficar na cama a gozar a luz e as sombras que vejo desenhadas no corredor. Sair da cama a fazer planos, a desfazer planos, a ensaiar discursos, a imaginar desculpas. Constatar como às vezes os serviços camarários funcionam na perfeição. Fazer a viagem no 28, ida e volta debaixo de um sol morno de Outono, enquanto os turistas entram e saem em todas as paragens. Entrar no cabeleireiro mais próximo e pedir para arranjar as unhas, saindo de lá não só com as unhas arranjadas mas também com um tratado sobre cabelos brancos, vernizes no frigorífico, conselhos femininos que não pedi. Reforçar mais uma vez a ideia de que todos os cabeleireiros não passam de um grande cliché. Entrar em casa, planear um almoço saudável e uma tarde debaixo de cobertores, vendo episódio atrás de episódio de uma série qualquer. Esperar.

novembro 17, 2007



Foi hoje à noite. Não sei exactamente quando ou onde mas dei com esta música. E dar com esta música significou desenterrar uma série de fantasmas que eu resolvi esconder/recalcar/esquecer. Quer dizer, eu nem sequer decidi: eles foram empurrados para partes do meu cérebro às quais não quero ter acesso. Já passaram dez anos, nove anos, oito anos, tantos anos que passaram sobre esta pessoa que era Eu. De repente, vi-me à porta do Alcântara Mar com dezassete anos, sem um pinga de álcool no sangue, a tentar entrar com desconto de estudante. Era tudo tão novo para mim e para os outros, éramos nós na cidade grande, era termos liberdade e não ter ideia do que fazer com ela. Foram as noites que passei a destruir a vida que me tinha trazido até aqui para construir qualquer coisa nova, aprendendo a respeitar-me e a ser independente e a pensar pela minha cabeça.

Eu tinha uma ideia muito precisa sobre o meu futuro quando tinha dezassete anos. Eu pensava que tinha tudo resolvido e entendia tudo, entendia a vida e as desilusões, aceitava-as estoicamente, como se estivesse destinada a sofrer. Não fazia ideia de que havia vida fora, não conhecia o significado de conceitos tão simples como Amor ou Liberdade. A minha vida, o meu futuro passava por um casamento - não imaginava nada de outra maneira. Era feita de uma estúpida massa de ingenuidade e inocência, não era cínica porque acreditava numa espécie de Destino. E quando cheguei aqui, quando me mostraram o Mundo (que não era feito de discotecas nem de promiscuidade ou noitadas mas de poesia e saudades e uma sensação esquisita na barriga), eu passei a ser outra pessoa, não melhor nem pior mas apenas outra. E o perigo reside aí mesmo, no momento em que deixamos de precisar de alguém para pensar.

Há muitas coisas das quais sinto saudades ainda hoje. Sinto falta especialmente da sensação de possibilidade com que acordava todos os dias, naqueles dias. Sentir que eu é que estava ao comando foi muito mais importante do que qualquer recomendação, qualquer conversa, qualquer conselho. Mas também sinto saudades de ter aquelas certezas todas, de sentir que a minha vida estava previamente planeada, que eu estava apenas a seguir as linhas mestras com que tinham cosido a minha vidinha banal. Hoje, sou livre e sou independente mas nem sequer faço a menor ideia de qual é a minha verdadeira direcção. Se estiverem indecisos acerca do meu presente de Natal, estou bastante receptiva a um GPS emocional. Porque sinto que estou num campo de minas, prestes a pisar qualquer coisa que vai rebentar debaixo de mim. E, francamente, dava-me jeito alguém/alguma coisa que me pudesse estender uma mão. É por aqui. É só isso que preciso que me digam.

novembro 16, 2007

Reflexos condicionados *

Aconteceu-me ontem. Quando descobri que amanhã, na sessão dupla do canal 2, passam (seguidinhos!) o Mon Oncle e o Il mio viaggio in Italia lembrei-me que preciso passar no supermercado para comprar uma garrafa de rosé. E talvez alguma água tónica para o gin.

* não propriamente a salivar mas sorrindo porque tenho uma razão tão boa para ficar no sofá num Sábado à noite!

novembro 13, 2007

Digamos que...

... me sinto um bocado esmagada por esta pressão de ser feliz.

(E que estou um bocado aflita com este nariz quase em ferida e que não pára de me manter acordada durante a noite. E, já agora, acrescento que posso não ser grande fã de crepes com molho de chocolate de leite mas aprecio alguém que tem assunto para mais do que dois dedos de conversa).

novembro 12, 2007

Parte III...



... e última, em que a autora descobre as maravilhas do fim de semana holandês (que dura até às treze horas de segunda-feira), faz a sua primeira incursão pela lojas de roupas holandesas, enche a mala de coisas doces e é transportada de bicicleta cidade fora.

novembro 10, 2007

Um furacão chamado Seu Jorge

Dezanove pessoas em palco. Cavaquinhos, pandeiretas e cuíca. Um homem muito magro entra em palco, ainda tem o casaco vestido e dirige-se de imediato ao público. Na sala, há quem saiba todas as letras de cor. A medo, as pessoas obedecem ao ritmo e levantam-se das cadeiras para deixar o samba tomar conta dos movimentos. Temos todos samba dentro de nós, diz ele. Ontem Seu Jorge fez a festa acontecer.


fotografias desta moça (cliquem para aumentar)

Cantou-se ali sobre a exclusão social no Brasil, sobre o amor que se desfez porque a ponte estava congestionada e sobre a colonização portuguesa. Cantaram-se as inevitáveis versões de Bowie e outras baladas apenas acompanhadas por uma guitarra acústica, obrigando o público a suster a respiração em momentos de delicada fragilidade, nos instantes em que Seu Jorge parecia oferecer ao público um olhar breve sobre o seu íntimo. Mas se a dor e a pobreza foram cantadas e se houve mesmo um momento profundamente político, em que o artista (porque ele não é apenas um cantor) falou das aflições das crianças brasileiras e da inexistência da sua infância, também a alegria contagiou a sala. E é em noites como esta que nós sabemos que há uma chama dentro de cada brasileiro que o faz encontrar uma espécia de força nas adversidades: a festa corre-lhes no sangue. Por isso, não foi de estranhar quando todo o público foi convidado a sambar no palco, juntamente com Seu Jorge e toda a banda. E também não foi de admirar que se tenha formado um comboio gigante de pessoas que, com o artista à cabeceira, dançaram sala fora. Foram quase três horas de brasileirices, batucada, de português com açúcar. Este furacão não provocou vítimas nem estragos - talvez apenas o suor bom de quem tenta sambar e sente a felicidade que se tira de todas as coisas simples.

novembro 09, 2007

Dormir mais feliz #10

Tonight I feel it closer
And I can almost touch it
To you it may be nothing
It's something to me
This raging light...

Parte II...

... em que a autora descobre as maravilhas do comboio na Bélgica; em que a (in) correcta leitura de um mapa nos leva a falhar um parque vezes sem conta; em que a autora descobre que os fins de semana são menos propícios a turistas e em que a sensação de cansaço passa a pura exaustão, motivando assim a (falsa) sensação de que as pernas não faziam já parte do seu corpo.

novembro 08, 2007

I ♥ Interpol

Já de volta a casa-casa e completamente estourada destes últimos dias, vêm-me à memória as imagens do concerto de ontem. Do lado direito do palco, mesmo mesmo de lado, aliás, ouvi um concerto cirúrgico na companhia da camarada de concertos e de um basco que conheci ontem mesmo* (maravilhas disto, é a tecnologia, estúpido!). Paul Banks é (talvez) o tipo menos simpático do Mundo, pouco efusivo e nada comunicativo mas isso não o impediu de fazer saltar um Coliseu cheio como há muito não via. Como dele não esperava palavras amistosas ou deliberamente falsas, fiquei contente com a alinhamento preciso e aguardado, com a Stella... a tornar o encore no melhor momento do concerto e com o sorriso do guitarrista que... francamente. A droga e as relações pós-modernas fazem-lhes bem.

* pois escreveu-me, dizendo que não tinha companhia para o concerto, estava solito em Portugal e eu pensei Ora, que se lixe! Venha o basco também! Simpática figura, muito empenhada em falar o português e em fazer amigos. Afinal, a internet não está só cheia de sociopatas e serial killers...

novembro 07, 2007

Parte I...



... em que a autora descobre no aeroporto de Bruxelas que tem o conteúdo de uma garrafa de azeite e de uma de vinho a cobrir toda a sua roupa e agasalhos; em que um colombiano à espera do divórcio introduz no parco vocabulário francês da autora a expressão faire chier; em que as ruas sujas e escuras causam primeiro uma impressão negativa e em que a autora se vê a braços com uma manifestação de dois mil turcos frente à Comissão Europeia.

Lisboa-Bruxelas-Leuven-Maastricht-Lisboa

Bola de espelhos gigante em Leuven, moi et Ricardo

Como seria de esperar, trouxe muitas memórias comigo. A viagem foi (mais ou menos) curta mas intensa o suficiente para parecer que durou muito mais tempo... Ao fim de dois dias, já parecia que tudo me era familiar ou que já estava lá há bastante tempo. Como é óbvio, ver os amigos foi a melhor parte da viagem. Ele recebeu-me efusivamente na Gare du Midi, enquanto ela, na estação quase deserta de Maastricht, me dizia várias vezes Eu não acredito que estás aqui! Visitar as cidades foi apenas um pretexto para matar as saudades e é por isso que vou insistindo que os meus amigos se vão espalhando por todo o Mundo.

Vou recordar muitas coisas nestes dias: o cinzento opressor do céu de todas as cidades que visitei (a contrastar com o azul da minha Lisboa...), as diferentes marcas de cerveja que experimentei num limitado espaço de tempo, as ruas temáticas de Bruxelas cheias de lojas de móveis ou galerias de arte ou chocolaterias, a ausência de pessoas em Leuven (cidade definitivamente flamenga), a calma manhã de Maastricht. Voltaria a todas elas e voltaria com tempo e calma para conseguir apreciar os encantos da(s) cidade(s) sem ser incomodada pelo frio cortante ou pela sujidade das ruas ou pela ausência de luz solar. Mas voltaria sabendo que posso sempre regressar à delicada luz outonal que vejo agora quando espreito pela varanda: esta cidade é seguramente o meu grande amor*.

*no que a cidades diz respeito, pois claro.

novembro 06, 2007

Achtentwintig jaar oud

Achtundzwanzig Jahre alt. Vinte e oito anos de idade. Já está decidido, os próximos serão comemorados nas ilhas Fidji.

novembro 01, 2007

Vacances!

Agora, se me dão licença, vou até aqui.

Foto daqui (curiosamente, um português!)

Vou visitar o amigo emigra e a amiga que voltou para os Países Baixos. Levo na mala o obrigatório azeite e a garrafa de tinto que se impõe. Regressarei já mais velha um ano, com as saudades amansadas e com alguma coisa para contar. À bientôt!

Receita perfeita para a noite de Halloween

Não comemoro a data porque não lhe descortino qualquer significado que valha a pena. Não simpatizo particularmente com disfarces nem com bruxas, não me lembro sequer de alguma vez ter participado numa festa neste dia. Mas ontem descobri uma maneira perfeita para aproveitar esta véspera de feriado.

Um português, uma espanhola e eu. Uma cerveja pré-jantar. A conversa toda posta em dia. A curiosidade despertada pelos cheiros na cozinha. A prova dum tinto de reserva de uma adega algures nos Pirinéus. Peito de pato flambeado em brandy com molho de natas e três pimentas, acompanhado com tomate, batatas assadas com um fio de azeite, salsa e alho e espargos grelhados. Um Merlot espanhol de reserva, macio e frutado. Gelado de cheesecake de morango. Cubatas muito frescas (a versão espanhola da Cuba Libre, em que o sumo de limão natural torna tudo mais leve). Gargalhadas (e muitas memórias) em frente ao VH1 Classics. O sono dos justos depois das três da manhã.

Efeméride (s) #3 ♥



Faz hoje exactamente um ano que arrastei a minha tralha toda para a freguesia da Lapa, para aquela a que gosto de chamar, carinhosamente (como o Meu Pequeno Pónei ou a Minha Agenda), a minha primeira casa. Fez ontem um ano que, nervosa e ainda não certa de que tudo fosse resultar, assinei o maior cheque da minha vida (até à data) e ouvi uma notária falar numa língua estranha: não entendi nada, estava tudo desfocado, só olhava para os papéis na minha mão que me diziam É tua. Obriguei o meu pai a deixar o banco a correr para ir buscar mais cheques porque até no meu nome me enganei. Já tinha perdido uma casa, olhava para este bairro e não conseguia imaginar-me aqui.

Esta rua passou a ser a minha rua. Gosto das lojas da Ferreira Borges, gosto de ter o eléctrico à porta de casa e de ouvir os sinos da basílica da Estrela. A minha vizinha traz-me aletria numa caixa que depois lhe devolvo, os meus vizinhos espanhóis tocam flamenco com as janelas abertas nas tardes quentes e não há trânsito a incomodar. Os meus amigos já a experimentaram, já recebi tantas visitas aqui e não vivi ainda nenhum momento infeliz. Não é Verão mas o céu está muito azul e só corre uma brisa fresca que me agita os cortinados. Tenho uma varanda de grades antigas que adoro e não se ouve um único som na rua. Home is where the heart is e o meu coração está docemente instalado na rua do Jardim à Estrela.