setembro 29, 2014

Quatro!

Lugar comum dos lugares comuns: ainda ontem tinha aquele ratinho ao meu colo, passavam precisamente quatro minutos do meio-dia e já hoje celebramos o seu quarto aniversário! Por muitos livros e artigos que tenha lido até àquele momento, não me podia ter preparado para o que significa ser mãe e especialmente mãe desta criatura tão cheia de impulsos e caprichos, com pouca vontade de dormir e muita vontade de comer mas com os olhos mais brilhantes e cheios de vida que já vi. Eu sei que não fazemos sempre as escolhas certas com ele e às vezes a paciência leva a melhor mas o que me interessa é ver como ele salta ao pé coxinho, todo orgulhoso, ou como fica contente quando consegue pintar dentro dos riscos, ou como me diz Mãe, gosto de ti para sempre! Menos quando estás zangada. Não sei se ele vai ser um estudante brilhante ou se vai gostar mais de arregaçar as mangas e trabalhar mas hoje é muito bom ver como ainda se entusiasma com a escola e com os dias em que treinamos a escrita e como ainda acha graça a ajudar em todas as tarefas domésticas.

Com quatro anos, o meu homenzinho vai deixar de ser filho único e vai partilhar o meu colo com um bebé que aí vem e isso deixa-me um pouco triste. Eu sei que o amor se multiplica e sei que ter irmãos é tão bom mas ele é o primeiro, ele não me larga um segundo, é por mim que ele chama quando acorda de manhã ou quando se destapa à noite, é como se ele ocupasse todo o espaço do meu afecto. Passam hoje quatro anos que deixámos de ser dois para sermos uma casa cheia, de tardes passadas tranquilamente no sofá para pistas de carros e o caos total por onde passa, de saídas a dois para programas pensados para lhe gastarmos energia. Mas no final, o que interessa mesmo são aqueles olhos tão cheios de vida, é ver que, ao contrário de tanta gente no Mundo, a vida dele ainda é fácil, é sentir que posso correr o universo por ele. O meu borreguinho faz hoje quatro anos e tudo o que desejo é que possa continuar a ser livre e feliz, com os seus caracolinhos que ninguém sabe de onde vêm e sua mãozinha que me agarra com tanta força a caminho da escola.

setembro 19, 2014

Aterrar (definitivamente)

Comecei a fazer as minhas últimas viagens antes de chegar Janeiro e com ele o início da licença de maternidade (oito semanas antes da data prevista do parto). Há qualquer coisa de desconfortável em voar tantos quilómetros grávida. Nenhuma indicação médica me impede de fazê-lo mas, secretamente, gostava que a minha médica o desaconselhasse veementemente. À mínima agitação no avião, o meu primeiro pensamento é para o bebé que ainda aí vem, depois a família que já deixei em terra. Tanto que ficava por cumprir, arrepio-me enquanto tento concentrar-me na música em vez do copo que se agita com a turbulência.

Mas viajar grávida tem a vantagem de que me sinto sempre acompanhada e assim o vazio dos quartos de hotel, as esperas intermináveis nos lounges de aeroportos, as viagens de táxi para todo o lado, os longos minutos que antecedem a descolagem, bem como os que passo à espera do embarque - enfim, todos os momentos até ao regresso a casa - me parecem bem mais suportáveis. Ainda estou numa fase em que barriga apenas se revela em condições muito específicas ou com algumas peças de roupa, de resto julgo ter apenas a minha figura de mulher gorda e por isso o meu estado ainda não me consegue aquela simpatia extra que geralmente se guarda para grávidas e bebés de colo. Como na primeira gravidez, é à noite que sinto a barriga maior, mesmo quase a crescer em tempo real mas ainda não cheguei à fase em que sinto realmente a pele a esticar.

Agora escolho os lugares do corredor em vez das janelas para satisfazer os caprichos da minha bexiga e para não sentir aquele aperto claustrofóbico. Felizmente os voos, mesmo com escalas, não me têm obrigado a correrias aeroporto fora e posso calmamente arrastar a bagagem sem me preocupar em chegar atrasada à porta de embarque. Só tenho o cuidado extra de ter sempre acesso a algum alimento em períodos curtos de tempo para não sofrer com a fraqueza e é tudo.

Tento despachar as últimas visitas o melhor que posso: hoje Luxemburgo-Amesterdão-Madrid, hoje Madrid-Amesterdão-Luxemburgo. Segunda faço Luxemburgo-Zurique-outra-vez-Madrid, Terça o caminho inverso. Lisboa já está nos planos, Barcelona há-de vir a seguir e quem sabe ainda lhe junto umas ilhas Baleares ou, no limite da loucura, podia justificar uma visita às Canárias. Depois disso, o silêncio, o descanso, o progressivo afastamento dos afazeres profissionais para dar lugar à chegada do segundo filho. Adeus aeroportos cheios de gente que discute negócios até o avião descolar, adeus escalas geograficamente absurdas mas economicamente justificáveis, adeus turbulência em maior ou menor grau, adeus reuniões, gravatas e centros de negócio, adeus quartos de hotel mais ou menos reformados com melhores ou piores buffets de pequeno-almoço, adeus pessoas que que se esquecem que o banco à sua frente no avião não é seu, adeus ver os meus miúdos pelo Skype. E olá terra firme, durante muito muito tempo.

setembro 16, 2014

Para memória futura

A minha avó que me guardava sempre os figos. A minha avó que nunca se zangava conosco mas que ralhava por tudo e por nada com o meu avô. A minha avó com o cabelo com mais jeitos e mais teimoso do mundo. A minha avó que tinha as flores mais bonitas e bem cuidadas do seu bairro. A minha avó que jogava conosco à bisca com cartas que tinham a ponte 25 de Abril atrás. A minha avó que nos fazia café solúvel e bifanas ao lanche. A minha avó que sobreviveu a um cancro quando havia tanta a gente como ela a morrer. A minha avó cozinheira, que adorava contar sempre a mesma história sobre um vizinho e batatas fritas. A minha avó que só aprendeu a escrever já eu andava na escola mas conseguiu finalmente assinar sozinha o que era preciso. A minha avó que pegava no nosso coelho com as mãos de quem fazia aquilo há anos. A minha avó e uma das nossas histórias preferidas: grávida, caindo de uma árvore enquanto apanhava fruta e proibida de continuar a trabalhar depois disso. A minha avó que gostava de poder dar sempre mais. A minha avó cheia de ciúmes nossos por tudo e por nada. A minha avó com paciência de avó e as gavetas cheias de comprimidos que ia comprar a Espanha. A minha avó que achava que a televisão só dava porcaria. A minha avó que ainda guardava a cadeira onde criou o meu pai. A minha avó que se foi abaixo quando o meu avô nos deixou. A minha avó que nos preparava piqueniques para fazermos nas escadas. A minha avó onde passei tantas tardes a sentir o cheiro da fábrica da rolha. A minha avó da tomatada e das batatas fritas mesmo, mesmo como eu gosto. A minha avó dos canários que falavam com ela. A minha avó doceira, sempre a querer encher-nos o frigorífico nas festas. A minha avó que se calhar já não me reconhece.

A minha avó, com um corpo que ainda aqui está mas uma mente que começou a fugir sabe-se lá para onde.

setembro 10, 2014


Há uma coisa que está a ser bem pior nesta gravidez: a dúvida constante se o coração do bebé está a bater. Acho que na primeira gravidez não me passava pela cabeça que alguma coisa podia correr mal, era claramente inexperiente e, de certa maneira, muito inconsciente. O que era bom, reconheço, porque sempre evitava alguma ansiedade.

Desta vez, embora consuma radicalmente menis literatura sobre a gravidez e o bebé - porque confio mais na intuição e porque percebi no que isso pode fazer ao nosso sentido de orientação - também sei melhor o que me pode ajudar em algumas circunstâncias. Esta é uma delas e eu arranjei maneira de poder diariamente ouvir o coraçãozinho pequenino que anda comigo para todo o lado, alugando um monitor cardíaco fetal. É talvez um exagero, eu sei, mas hoje ao almoço senti algum alívio quando, debaixo do gel, pude ouvir uma batida bem lá ao fundo!

O irmão e o pai puderam ouvir o bebé pela primeira vez (eu tenho a sorte das consultas médicas) mas não fui muito feliz com o Vicente. Sou um bocado inexperiente em achar o bebé na minha própria barriga, o que gerou alguns ruídos desagradáveis e o que assustou o pequeno, que já disse que não queria repetir a experiência. Paciência, hei-de melhorar o meu desempenho e assim o bebé vá crescendo, tornar-se-á mais fácil de encontrar.

Este monitor não substitui os cuidados médicos, é bom de ver, não sou assim tão ingénua. E também é evidente que ouvir o coração a bater não implica que não possam existir outras complicações. Mas o conforto, senhores!, a maravilha que é ir ouvindo aquele tuc-tuc-tuc sem precisar de marcar uma consulta acalmam muitíssimo este coração de mãe! Jusqu'ici tout va bien.

setembro 02, 2014

Uma resolução de ano novo tardia

Nos últimos dias, esta notícia tem sido desenvolvida e debatida na rádio que costumo ouvir a caminho do trabalho. Um casal reportou na passada Quarta-feira o desaparecimento da sua filha de quatro meses. Depois de alguma investigação e de terem sido ouvidos em separado, os pais passaram a ser suspeitos do desaparecimento da menina - as versões que contavam não coincidiam e apresentavam algumas incongruências temporais. Finalmente, no Sábado os pais confessaram ter morto a criança e levaram os inspectores até ao local onde a tinham enterrado. Era, segundo eles, uma criança que exigia muita atenção, especialmente depois da operação ao coração a que tinha sido submetida há uns tempos. Parece que ao tentar acalmar o choro e desorientação da bebé, algo correu mal e o método aplicado (provavelmente um golpe na cabeça) foi fatal. A bebé apresentava no entanto outros sinais de violência anteriores, que levam a crer que era uma situação que se prolongava já há algum tempo.

Sem, obviamente, conhecer o casal e sem ter qualquer visibilidade sobre as suas condições de vida, sobre o seu passado, para mim é absolutamente assustador que alguém, de cabeça perdida, tente "disciplinar" com este tipo de atitudes um bebé de quatro meses. Mas ao mesmo tempo percebo que, se as circunstâncias se proporcionarem, juntando stress ao desespero de não saber como tratar do bebé, a reacção pode ter efeitos inesperados. Bem sei que, por exemplo, tenho mais paciência para as birras que o miúdo faz durante o dia do que para as choradeiras à noite, em que acordo desorientada e cansada, a precisar de dormir.

A minha resolução é tentar sempre dar um passo atrás nestes momentos mais difíceis, em que há muito choro, teimosia e algum descontrolo nas emoções para conseguir medir a minha reacção face a uma criatura indefesa de três (ou outros) anos. Não tenho medo que me aconteça um desaire fatal, como é óbvio, porque me conheço suficientemente bem para saber quais são os meus limites. Mas sei que facilmente as coisas podem escalar - as manhãs são o exemplo perfeito disso: começam muito bem, a tentar despertá-lo devagarinho e acabam com o desespero de não conseguir que ele faça nada à primeira (levantar-se, vestir, tomar o pequeno-almoço, lavar os dentes, calçar). A minha resolução é tentar sempre vê-lo como uma criança, como uma pessoa que se está a formar lentamente e que precisa de algumas direcções, em vez de um adulto completamente formado que me desafia só porque sim.

Era espectacular se se pudessem fazer testes de vocação a futuros pais ou a quem simplesmente deseja ter filhos. Parte-me o coração lembrar-me do enorme fosso que existe entre os casais que tentam, sem sucesso, ter filhos porque sentem no seu intímo esse chamamento e os casais que desperdiçam as suas oportunidades com crianças saudáveis, ferindo-os fisica e psicologicamente enquanto crescem. É muita injustiça e desequilíbrio juntos. E é assustador estar face a este tipo de situações e perceber que a natureza humana é muito mais primitiva e irracional do que esperava. Com os ritmos de vida que levamos e com todas as dificuldades, acredito que casos como estes sejam mais e mais frequentes. Triste, concentro-me em fazer a minha parte e amar o meu filho com todas as suas e as minhas imperfeições.