janeiro 27, 2014

Ay Barna, Barna!

Estive quase a não poder embarcar no primeiro voo: indecisa entre o táxi e o autocarro,  perco demasiado tempo a decidir e, quando finalmente consigo escolher, parece demasiado tarde para ir de autocarro. Mas não, consigo chegar cinco minutos antes da hora de embarque, o que, como não preciso facturar nenhuma bagagem, é basicamente o tempo ideal para nem sequer me sentar quando chego à porta destinada. Primeiro voo até Frankfurt, corrida entre terminais no aeroporto alemão, chegada à nova porta de embarque cinco minutos antes do seu início. Estou cheia de sorte, penso eu.

É a terceira semana consecutiva em que viajo e continuo a aperfeiçoar a técnica de organizar a minha bagagem de cabine. Já não trago o secador e tão pouco as meias para dormir -  os hotéis estão sempre bem equipados e quentes para sequer pensar nisto. Escolho três ou quatro peças muito leves, uma data de livros enfiados no leitor digital, os chinelos. Posso deslocar-me melhor entre terminais de aeroportos, sem precisar de partir as costas com o peso das malas. O computador continua a pesar demasiado.

Quando chego a Barcelona, o céu está limpo. Mas é só mesmo quando aterramos, porque até aí as nuvens são tantas e tão instáveis que inicio um novo ritual para as viagens que ainda aí vêm: fecho os olhos e começo a gemer baixinho porque já não consigo conter o medo. É no mínimo irónico que a minha escolha para melhorar a nossa vida seja também responsável por aumentar a probabilidade desta terminar num desastre de aviação. Enfim, tema para outro post. Saio a correr do avião, páro a meio da manga para juntar o computador à mala de mão e sigo em direcção aos táxis. Estranhamente, não há ninguém à espera e calha-me um taxista nervoso mas muito educado.

No hotel, faço o check in em tempo recorde. Pela primeira vez, tenho alguém que me leva a mala (desisti de dizer que não preciso de ajuda, a minha insistência podia ser mal intepretada) e que me chama o elevador e me leva mesmo à porta do quarto. Não precisa de me explicar como funcionam as coisas porque já fiquei neste hotel no ano passado. Pela primeira vez, mesmo como nos filmes e deixando-me um pouco sem jeito, dou gorjeta ao senhor antes dele me fechar a porta do quarto e de eu finalmente respirar fundo. Antes, tínhamos falado sobre o facto de ser um quarto no décimo quinto andar: ele dizia-me que há quem não goste destes quartos devido à altura. Eu disse que a vista devia ser interessante mas logo percebi o que ele me estava a dizer: é realmente demasiado alto e faz-me sentir coisas no estômago mas o pior é o vento que assobia na janela e me faz pensar que vêm aí um tornado.Mas parece que não, parece que é mesmo assim.

Decido voltar à mesma cervejaria onde comemos na última visita. Estou-me nas tintas para o ditado que diz que não devemos voltar onde fomos felizes: eu podia lá esquecer-me do salteado de espargos e cogumelos ou das patatas bravas que comi ali. Pedi um copo de vinho branco e três raciones para acompanhá-lo. Um dos empregados parte um copo enquanto lhe puxa o lustro e cora quando vê que eu estava a ver. Eu rio-me, peço a conta e fico radiante quando vejo um táxi livre mesmo à porta. Parece-me uma semana inteira mas só cheguei há três horas. Amanhã quero mesmo ver o mar.

janeiro 24, 2014

Her


[há coisas assim, que se vissemos noutros tempos, com corações mais danificados e menos esperança acabariam por doer. quanta ilusão, quanta ausência de contacto físico, quantos sonhos podemos nós aguentar? quantos erros podemos cometer antes de estarmos irremediavelmente perdidos? quantas vezes podemos errar na percepção que os outros têm de nós? poderemos separar a nossa dor da nossa capacidade de dar aos outros?]

janeiro 23, 2014

Madrid, Janeiro 2014

Todos os taxis que apanho ouvem música espanhola. Sempre gozei com esta mania que os Espanhóis têm de valorizar aquilo que é seu mas agora se calhar penso que esta espécie de proteccionismo pode ser importante para a preservação da cultura. Uma das músicas tem um refrão que termina literalmente con "El Corte Inglés" e bem, se isto não é o que chamamos normalmente de product placement, então não sei o que é. Um dos taxistas pede-me para usar o meu telefone para lhe explicar onde fica o meu destino, todos me perguntam por onde quero ir. Ia jurar que este tipo de coisas deviam ser eles a decidir e não eu, uma miúda que ainda mal conhece a cidade.

Fazia Sol quando acordei esta amanhã. Fazia Sol mas Madrid tinha-me reservado aquele frio cortante de quem está muito longe do mar e isso fez-me sentir mais perto de casa. Mesmo ontem, quando aterrava, olhava para o que eu esperava que fosse Oeste e pensava a minha casa fica só a quatrocentos quilómetros daqui. Não sei porque raio isso me traz mais conforto mas a verdade é que traz. Não importava que olhasse para Madrid lá do alto e não soubesse distinguir nenhuma avenida nem nenhum bairro nem nenhum edifício - há uma auto-estrada que parte daqui para a fronteira portuguesa e isso fez-me sentir protegida. No ar chovia a potes mas quando aterrámos não caía uma gota de água deste céu escuro e eu agradeci porque acho que não podemos transportar guarda-chuvas na bagagem de mão.

Os Sul-americanos aqui estão para a cidade como os Portugueses estão para o Luxemburgo, por exemplo - as empregadas de quarto e os empregados de café têm quase todos aqueles traços distintivos dessas terras longínquas. Fala-se muito e muito alto mas coño, é difícil bater esta simpatia e esta maneira de estar que parece dizer o dia pode estar a correr-me mal mas o caminho é para a frente. No restaurante onde almocei, a empregada dirige-se a duas septuagenárias - hola, guapas! - que lhe respondem na mesma moeda - buenas tardes, bonita. Preciso de sorrir com estas coisas, não é opcional.

Caminhei seis quilómetros pelo centro da cidade, fui ao Thyssen-Bornemisza, desesperei para encontrar um supermercado (que é a mesma coisa que dizer El Corte Inglés). Namorei presunto e queijos manchegos, estive mesmo quase a enfeirar uns abanicos do mais delicado que já vi mas depois pensei que hei-de voltar muitas vezes e não vale a pena gastar já esses cartuchos. Fui ao Jardim Botânico, apanhei um bocado de Sol e, claro, trabalhei. Estas caminhadas, este ar fresco, os cafés que me oferecem enquanto espero, as palavras disponibilidad e desarrollo repetidas até ao limite do aceitável, estas ruas cheias de gente - os homens tão classicamente bem vestidos, as mulheres tão exageradamente bonitas, os turistas que se misturam com os pensionistas e com a gente que pede e as dezenas que entregam panfletos - aqui não me custa lembrar porque foi uma boa ideia, naquele dia de Julho, pensar em mudar de vida.

janeiro 21, 2014

Construir(-lhe) uma memória



Sempre achei muita piada às histórias de quando éramos pequenas. Às fotografias nem tanto mas isto sou eu, que tenho um bocado aversão às objectivas e penso sempre que fico horrível. Mas mesmo assim é impagável ver aquelas fotografias que os meus pais nos tiraram, Portugal fora e vestidas de igual, com a roupa que comprávamos na Pinóquio em Portalegre. Não ficámos com registos em video ou audio mas os meus pais puderam conservar a memória daquele tempo em que éramos chatas e pedíamos muitas coisas mas, no final, éramos miúdas tranquilas, a crescer numa família remediada.
 
Quando comecei a pensar a sério neste acontecimento absolutamente fracturante que é ter um filho, veio-me logo à cabeça o que podíamos fazer para conservar na nossa memória (e na do bebé, claro) os primeiros anos da vida de dele e da nossa para que um dia pudessemos olhar para trás e ver como foi difícil, divertido e rápido demais. Fotografias temos aos montes, videos poucos porque não é a maneira como nos exprimimos melhor. Então eu decidi ir escrevendo aos poucos sobre o crescimento do Vicente e, pelo menos, marcar os momentos mais importantes do seu desenvolvimento. Não escrevi todos os dias, agora talvez haja mais que escrever com as observações que faz e que começam a ser um pouco mais complexas e perspicazes.
 
Para não fazer deste um projecto demasiado grande para pôr no papel, resolvi reunir tudo o que tinha até aos três anos e passá-lo ao papel, literalmente falando. Nasceu assim o primeiro volume das memórias do Vicente e das nossas enquanto pais. Tem fotografias tiradas por nós, outras tiradas por ele e atravessa os principais momentos da vida dele até agora. O livro chegou-nos às mãos ontem e é uma obra bem bonita, que me dá um sentimento de realizaçâo impagável. Não é exactamente nisto que penso quando penso em escrever um livro mas acho que afinal só já me falta plantar a árvore! Ele gostou da surpresa, só vamos ter que a preservar mais um pouco antes que ele a destrua com a sua destreza habitual! A história, como é óbvio, continua.

janeiro 16, 2014

Lisboa, meu amor.

É inevitável: chegam-me as lágrimas aos olhos sempre que sobrevoo Lisboa e começo a conhecer as avenidas, os edifícios perto da Estrela, sempre que vejo a cidade debruçada sobre o rio Tejo. Fico sempre com um nó na garganta quando percebo que vamos sobrevoar a ponte de 25 de Abril, depois de darmos a volta sobre a margem Sul e de repente é Alcântara e depois os Prazeres e às tantas estamos a voar paralelamente à avenida de Berna.
 
Poder vir a Lisboa em trabalho é uma benção e uma tortura. Não podia imaginar melhor oportunidade para matar saudades do meu país e especialmente desta minha cidade (não Portalegre, ainda não te esqueci). Ver que posso vir trabalhar aqui durante uns dias faz-me ver a incrível sorte que foi conseguir este lugar: dificilmente outra pessoa poderia aproveitar estas viagens como eu. Além disso, estar literalmente em casa permite poupar à empresa uns bons trocados pelo alojamento que não preciso.
 
Mas a tortura é muito forte, já o disse noutros posts. Estar na nossa casa, sentir o cheiro de Lisboa, adorar os 10 graus que são tão mais quentes que os 10 graus luxemburgueses, ouvir os sinos da basílica, almoçar na tasca dos três vizinhos é dose. Estava a pensar nisso há bocado e acho que me magoa um bocado (é estupidez, eu sei) sentir que a vida aqui continuou sem se importar com a nossa ausência. Ninguém quer saber se nós estamos ou não, as pessoas continuam a correr no metro, a encher centros comerciais, nós não fazemos falta a ninguém senão a um grupo muito restrito de pessoas. Nós temos saudades de Lisboa mas Lisboa nem sequer sabe quem nós somos ou éramos aqui.
 
Nestes dois dias já devo ter feito mais de 100 quilómetros entre visitas e outras reuniões, entre o centro de Lisboa e a periferia. Já pude ver o Tejo de muitos ângulos diferentes, espreitar o Estádio Nacional mas só vislumbrei partes da ponte 25 de Abril porque vir em trabalho é muito giro mas tem esse defeito: temos que trabalhar. Honestamente, pensava que entre reuniões ia ter tempo de respirar fundo e aproveitar tudo aquilo de que sinto saudades. Pensava que podia fazer planos - que ingénua fui. Quando ontem me sentei para comer qualquer coisa e para finalmente desligar do trabalho passavam das nove da noite e já tinha apanhado uma molha, estado parada no engarrafamento gigante que se chama Segunda Circular. Os planos que tinha para ver amigos ou para escolher um restaurante típico ou simplesmente interessante desfizeram-se como açúcar debaixo da chuva torrencial que caía ontem:no final era eu, jantando sozinha no meio de centenas de outras pessoas, o cliché deprimente da malta que trabalha demais e opta pelo que der menos trabalho.
 
Vejo agora, depois de muitas horas de visitas, explicações, dúvidas respondidas que fiz a escolha certa. É que, por conhecer tão bem os nossos produtos, eliminei à partida aquela fase inicial do nervosimo que às vezes me dava cabo do estômago, eliminei o medo de não saber o que dizer, posso sempre avançar com tranquilidade e com a certeza que, caso não saiba alguma coisa, posso sempre perguntar, sem stress. E agora vou à minha vidinha, que já chega de negociar. Lisboa, espera por mim, mesmo que com um humor de cão.

janeiro 10, 2014

Excesso de trabalho, falta de inspiração

Ter começado na nova posição quase em meados de Dezembro teve um lado positivo e um lado menos bom: por um lado, os clientes estavam quase todos a entrar de férias (que em Espanha e Portugal a coisa não se faz por menos) e então não havia muita pressa para empurrar projectos ou para conseguir reuniões; mas por outro lado, os clientes estavam todos a entrar em férias e não havia quase nada para fazer. Os últimos dias antes das férias do Natal foram de tal maneira aborrecidos que já começava a pensar que tinha feito a escolha errada.
 
Seguiram-se quase duas semanas de férias. Quase duas semanas em que decidimos que não iríamos a lado nenhum, iríamos ficar por casa realmente a descansar. A coisa é que já não nos lembrávamos das férias sem precisar de fazer as malas ou entrar num ou dois aviões e isso fazia-nos desejar ainda mais esta benção que era ficar no mesmo sítio. Só que sem trabalhar. E quase sempre em pijama. Como de qualquer maneira não podíamos ir a Portugal pelo Natal, decidimos abraçar este modo de férias. Eu adorei, rejubilei: quase sempre de pijama, só sair pelo estritamente necessário, a aumentar páginas lidas a uma velocidade vertiginosa, a cozinhar um pouco mais mas não necessariamente o suficiente, a contemplar o céu cinzento todos, todos os dias. Os dois homens lá de casa não estavam necessariamente contentes: o maior porque não é gajo para ficar em casa, precisa arejar e ver pessoas, precisa passear e descobrir, precisa de actividade; o mais pequeno porque necessita largar toda a energia que tem fora de casa, precisa correr e estafar-se ou então faz-nos a vida negra. Que nos fez, especialmente nos últimos dois, três dias mas porque precisava das actividades que a creche normalmente lhe proporciona e estava em casa com dois jarretas que queriam algum descanso. Foi mau não ir a Portugal mas para ele foi ainda pior estar tanto tempo no conforto do lar.
 
Quando finalmente regressei ao trabalho, doeu. Doeu tudo: doeu o corpo, porque isso significou também o regresso ao exercício; doeu o corpo, porque acordar e ser noite cerrada continua a não ser coisa para mim e tantos dias a acordar depois das oito fizeram mossa; doeu a cabeça porque de repente o Mundo inteiro voltou ao trabalho e toda a gente decidiu que tinha problemas e queria as coisas para ontem; doeu-me a alma porque de repente parecia que eu era feita era para estar em casa, tranquila da minha vida, dedicada aos afazeres domésticos. A única coisa que (se me) aliviou foi o gaiato, que foi gastando as energias acumuladas fora de casa. Li um título de uma notícia esta semana que dizia que o dia 6 de Janeiro era (sei lá eu como o mediram) o dia mais depressivo do ano. Não sei se foi mas que foi penoso voltar à realidade, isso posso eu confirmar.
 
O resultado disto tudo? Chegar a casa também noite cerrada, carregada de compras, material do ginásio, computador, roupa que foi a limpar, perder uma ou duas baguetes no caminho, equilibrar isto tudo enquanto tento abrir o correio, desfalecer enquanto subo a pé até ao terceiro andar e ter apenas vontade de deitar-me no sofá e fechar os olhos. Depois, idealmente, dormiria sem interrupções até ao dia seguinte, altura em que acordaria fresca e pronta para a labuta diária. Queria eu. Porque na realidade arrumo tudo em casa e depois o gaiato chega mais o pai e ainda há o jantar e o banho dele para tratar e depois do jantar ele precisa ainda de mais atenção. Depois há que conseguir convencê-lo a ir dormir e guardar um tempinho para nós e, se tudo correr de feição, uma hora para ler umas páginas e depois sono agitado. E, é claro, toda e qualquer vontade de escrever esvaiu-se em cada final de tarde. Pensei em temas, comecei posts na minha cabeça, dormi (muito pouco) sobre os assuntos - escrever é que nada. Eu gostava de escrever mais e, sobretudo, melhor em 2014 mas por este andar vou escrever muitos posts só na minha cabecinha exausta. Esperemos que estes sejam apenas os efeitos colaterais do regresso. Regressar é normalmente bom mas não tanto.