outubro 26, 2016

Pequenos gestos

Toda a gente sabe (ou se não sabe, fica a saber) que eu não quero ficar no Luxemburgo para sempre. Não há nada que eu queira com mais força ou mais expectativa do que voltar a Portugal, com tudo o que de bom e de mau isso possa significar para nós. É mais forte do que eu, este chamamento da terra, esta vontade de poder voltar a viver no meu país, falando a minha língua, não fazendo parte de uma minoria, com os meus filhos perto do resto da família, a aprenderem coisas sobre Portugal... Podia enumerar as vantagens durante largas horas.

Mas querer voltar para Portugal não é o mesmo que querer fugir do Luxemburgo, nem sequer significa que há alguma coisa que este país não tenha feito por nós. O grande, grande defeito do Luxemburgo, para mim, é que não é Portugal e é tudo. São as pequenas coisas que fazem espécie: ter que procurar como se diz ranho em Francês antes de uma consulta médica; não encontrar em lado algum verdadeiro pão alentejano; raspar o gelo do carro nas manhãs mais frias; ainda estar a compreender como funcionam os impostos; amar a organização mas ficar triste com a falta de espontaneidade. Se algum dia deixarmos o Luxemburgo, será sempre com muita saudade e com um profundo agradecimento pelos tempos estáveis, seguros e por tudo o que conseguimos alcançar enquanto aqui estivemos.

Mas depois há coisas que me fazem ter pena de ir embora. Como por exemplo o gesto para o qual fomos convocados. A comuna onde vivemos (o equivalente à câmara municipal portuguesa) convidou-nos a plantar uma árvore em honra da nossa filha, nascida em 2015. Todas as famílias desta comuna com filhos nascidos neste ano são convidados a fazer o mesmo, sendo que a comuna irá também descerrar uma placa com os nomes das crianças para memória futura. Quando li o convite, só me apetecia chorar. Eu sei, eu sei, as pessoas vão dizer que são as hormonas. Mas não são apenas elas: é também a constatação que, por muito que regressemos e voltemos a construir a nossa vida noutro lado, a vida da minha filha estará sempre ligada a este país. O cartão de cidadão dela diz que ela é cidadã portuguesa mas a verdade é que nasceu no Luxemburgo e esse laço nunca poderá ser eliminado. Sinto que esta cerimónia celebra o seu futuro, que é uma forma simbólica de inclusão e de reconhecimento. Indirectamente, estende-nos a nós, o resto da família, este reconhecimento e acolhe-nos quase oficialmente no seio de uma comunidade à qual chamamos nossa há quase cinco anos.

Bem sei que o Luxemburgo tem as suas maneiras de nos fazer sentir que, apesar de vivermos aqui, não fazemos parte desse conceito abstracto que é ser Luxemburguês. Bem sei que há demasiados portugueses a viverem aqui e que isso pode gerar algum atrito com as restantes comunidades locais. Mas, simultaneamente, este país é, no geral, um exemplo de tolerância, aceitação e justiça social. Eu sei que nem toda a gente partilha desta opinião, especialmente outros emigrantes portugueses que ainda aqui vivem com dificuldades. Mas eu, apesar de ter o coração e a cabeça em Lisboa, apesar de suspirar até pela moleza e inércia portalegrense, jamais esquecerei o pequeno Grão-Ducado que nos acolheu, passem os anos que passarem. E hei-de voltar, mesmo se um dia partir, para visitar a árvore que celebra a vida da minha filha.

outubro 18, 2016

(e agora que acabaram os aniversários, o regresso à vida real)

Apesar dos meus últimos posts terem sido extremamente positivos, devo-o apenas às pessoas que os inspiraram: o meu filho, o meu marido, a minha irmã. As palavras que lhes dediquei são o resultado do afecto que sinto por eles mas não do meu estado de alma actual.

Ando zangada, não posso resumir melhor o que têm sido estes últimos dias. Eu bem tento enganar-me a mim própria mas não consigo. Grito muito porque me salta a tampa mais facilmente, tenho tolerância zero por birras infundadas (ora, não são todas?...), ando irritadiça, mais cansada de pessoas do que nunca, desejando que chegue a licença de maternidade para deixar de me preocupar (mesmo sabendo que será quase impossível desligar).

O que é estúpido é que (em parte) eu sei porque me sinto assim e não consigo simplesmente ignorar estas razões, passar por cima delas, chutá-las para canto. E, apesar de admitir que talvez haja algo mais fundo a causar-me este desconforto, sei que as razões visíveis ou evidentes são coisas sem importância, que deviam ser deixadas no seu sítio em vez de andarem (quase literalmente) nas minhas costas. Tenho projectado tanto a minha raiva nos outros (infelizmente, mais em casa, nos que me estão mais perto) que já cheguei a ponderar se não valeria a pena consultar um profissional de saúde. Só para aprender a sublimar estes sentimentos da maneira mais inócua, sem magoar ninguém à minha volta e sem perder o sono. Não sei como é que se faz isto sem ajuda mas a verdade é que gostava de lançar menos da minha amargura sobre os outros, separar o trigo do joio, concentrar-me naquilo que são as minhas responsabilidades e deveres e ignorar as coisas que simplesmente não consigo controlar.

Os acessos de fúria às vezes são tão agudos que, por instantes, consigo ver-me de fora e perceber o disparate que se está a passar sem que, ao mesmo tempo, consiga controlar-me e voltar a ser razoável. Acabo os meus dias bastante frustrada, especialmente por estar a descarregar os meus problemas (nada vitais, nada urgentes) em quem não merece. E o facto de reconhecer esta minha fraqueza torna tudo isto em algo verdadeiramente ridículo. Em algum ponto, comecei a falhar nessa tarefa básica que é arrumar cada chatice, cada contrariedade na sua própria caixa e esta falta de arrumação tem levado a melhor de mim. 

A internet diz-me que o que tenho feito é simplesmente displaced aggression e dá-me a fórmula secreta para acabar com isto em quatro ou seis simples passos, entre os quais admitir ou verbalizar o que nos atormenta, que é, seguramente, o passo mais decisivo. Pedir desculpa também não é mal pensado, dizem vários sites que consultei, utilizando o humilhante critério de pesquisa "how to stop projecting your frustration into others". Como em quase tudo, creio que o primeiro passo (admitir que se tem um problema) é essencial e esse, como se lê aqui, já dei. Agora é tempo de passar do auto-diagnóstico à acção propriamente dita e expressar-me tão claramente quanto possível. Depois, hei-de trabalhar na arrumação dos problemas mas para já é hora de dizer o problema não és tu, sou eu.

outubro 17, 2016

À minha irmã, que chegou ontem aos magníficos 35!

Este post é escrito com atraso mas isso não é relevante porque ela só fez trinta e cinco anos ontem e ainda tem um ano inteiro pela frente para comemorar.

Trinta e cinco é aquela barreira psicológica: a partir daqui, é uma descida vertiginosa até chegar aos quarenta. Trinta e cinco é sinónimo (para mim, pelo menos quando era mais nova) da meia idade, como se fosse suposto termos conseguido muitas coisas ao chegar aqui. A minha irmã, felizmente, não está em descida vertiginosa para lado nenhum e ainda lhe falta a vida toda pela frente, embora tenha muitas conquistas no seu currículo profissional e, melhor ainda, pessoal.

Ela é aquela miúda a que normalmente as pessoas dão uns dez anos a menos, tal é o seu aspecto fresco e juvenil. É super útil quando queremos entrar numa discoteca, por exemplo, mas pode ser uma maldição quando queremos mesmo ser levados a sério. Ela ri-se, como é costume. E também é aquela miúda que é confundida com uma estrangeira, à conta da sua pele clara e olhos cinzentos. A verdade é que ela fica bem onde quer que esteja: entre adolescentes e malta em crise de meia idade, entre lisboetas a sério e cidadãos do Mundo.

Quando éramos pequenas, criámos muitos códigos de que hoje ainda nos rimos. Também brigávamos muito, não se pense que era tudo rosas e às vezes embrenhávamo-nos em lutas silenciosas para evitar o castigo dos pais. O que era inútil, porque os pais chegavam sempre a tempo de intervir e de parar aquela estupidez. Já fomos muito parecidas e já estivemos a galáxias de distância mas essa é uma das coisas que mais admiro nela: aquela capacidade natural de se adaptar a qualquer lugar, a qualquer pessoa, a qualquer tarefa sem esforço aparente; aquele à-vontade que eu nunca vou ter nem que nasça mais cem vezes para falar com pessoas, para fazer amigos, para pegar nas crianças dos outros. Sobra-lhe a simpatia, a flexibilidade, o afecto.

Houve uma altura em que nos afastámos muito (e nem sequer era a distância, porque continuávamos a viver na mesma cidade) e eu, honestamente, já nem me lembro porquê. Mas lembro-me que sentia a falta dela: afinal, sempre tínhamos feito planos para morarmos na mesma casa ou, em desespero de causa, em casas vizinhas. Felizmente, essa época passou sem deixar nenhuma cicatriz e voltámos a ser as mesmas parvas de sempre assim que nos encontramos. Ela obriga-me a dar abraços e beijinhos mesmo quando eu me sinto tosca. Ela beija os seus sobrinhos por todos os dias em que não os pode ver. Ela briga com o cunhado mas conhece-o o suficiente para se esquecer depois. Muitas vezes ela não fala mas acho que está a aprender a contornar isso.

Tenho saudades tuas, Patrícia, mesmo a sério. Se alguma dia fizesse uma lista das coisas de que sinto saudades em Portugal, tu estarias claramente no top 3. Tenho pena de não estar por aí para festejar contigo, mesmo que isso para mim não seja mais do que um beijinho e um abraço, agora que as imperiais esperam para regressar ao activo! E desejo-te muitos parabéns, cheios de toda a felicidade do Mundo, mesmo aquela que às vezes eu posso não conseguir entender. O que interessa é que segues sempre o teu coração e por isso nunca poderás realmente errar: é que esse coração é grande demais para estar errado! Felizes 35 anos!

outubro 08, 2016

Aquela pessoa super fixe chegou aos 40!

(Não, não sou eu. Eu ainda tenho uns três anos em carteira para estourar até passar dos intas aos entas. )

O meu marido faz hoje quarenta anos. 

(Reparem que ainda me custa escrever (quanto mais dizer... ) O meu marido, como se fosse a coisa mais anti-natural do Mundo.)

Reformulando, a pessoa mais fixe que eu conheço faz hoje quarenta anos.

(Pai e mãe, tirando vocês. Mas é que jogam em campeonatos diferentes!)

Acabemos com os parênteses. O meu melhor amigo completa hoje quarenta anos e esta é obviamente uma data especial. Se calhar ele nem pensa assim mas para mim é aquele passo inevitável para a vida adulta. Como se até aos trinta e nove ainda coubéssemos na categoria Jovens Agricultores e aos quarenta já tivéssemos de passar aos Agricultores Séniores. Não é nada dramático, atenção, apenas a constatação inevitável de que já não somos assim tão jovens e que aquelas brincadeiras de putos começam a ficar bem lá atrás. Quatro décadas de aventura, diversão, dificuldades mas muito, muito amor. Dado e recebido, que ele não é pessoa para menos.

Conheço-o vai para trinta anos, talvez, por isso sinto que sobre ele posso falar com total conhecimento de causa. Fomos muito amigos antes de sermos namorados e muito antes de casarmos à pressa na primeira conservatória de Lisboa. Partilhámos segredos, abraços, algumas lágrimas e gargalhadas infinitas desde que nos conhecemos até chegarmos aqui, ao dia em que ele ultrapassa a barreira invisível das três décadas. Ele diz que gostou de mim desde que me conheceu e eu, apesar de não poder dizer o mesmo, sinto que o amor que lhe tenho agora precisou de todos estes anos para crescer e revelar-se como tal. Este amor é feito de respeito, admiração, paciência e aquela sensação que as pessoas têm que somos irmãos ou primos. Dito assim, parece uma coisa horrível mas eu acho que demonstra o quão próximos nos sentimos um do outro.

O meu marido já fez de tudo na vida. Trabalhou em fábricas, papelarias, deixou de estudar e acabou uma licenciatura, viajou pela Europa mas sempre com um mote comum: nunca deixou de se importar com os outros. Mesmo quando a vida lhe dava razões para mandar todo o mundo àquele sítio, ele soube refazer-se e caminhar sempre em direcção à tolerância e à generosidade. Isto não é dizer que ele tem um temperamento fácil e que é a mais doce das pessoas, são coisas totalmente diferentes. Mas sempre existiu nele um genuíno desejo de ajudar os que mais precisam e uma vontade sincera de mudar o mundo. Ele faz um bocadinho disto, todos os dias, à sua maneira. Mas é verdade que a crueldade e, acima de tudo, a estupidez a que assistimos diariamente o têm tornado mais cínico. Sem que isso o faça desistir de ser bom.

O meu marido comemora hoje quatro décadas de vida e eu apenas tenho pena de não ter estado ao lado dele na sua totalidade. Imagino-o nos primeiros anos de vida e na alegria que certamente trouxe à sua família e imagino-o a subir às árvores e gritar palavrões em plena esplanada porque essa história já faz parte da nossa história também. Mesmo assim, dou-me por contente em fazer parte da vida dele há pelo menos quase trinta anos e por ter desistido de resistir às suas tentativas de conquista. Ele sabe ser muito persistente!

Não se pense que ele é perfeito: desentendemo-nos muitas vezes, discordamos outras tantas e às vezes o sangue ferve a sério. Mas ele tem aquela maneira de ser, aquela capacidade de nunca ficar zangado muito tempo, de esquecer as parvoíces do quotidiano para dizer qualquer coisa que me faça rir. E tem aquele amor desmedido pelos filhos e aquela vontade de ter uma equipa de futebol (não, obrigada!) que só me faz amá-lo ainda mais. Talvez muita gente não o conheça assim mas tenho a certeza que outra tanta sabe exactamente do que falo - ele tem muitos amigos por todo o lado.

Por tudo isto e muito mais, que nunca teria lugar num post de um blogue, por ser uma pessoa que me faz querer ser melhor, por ser o exemplo que eu quero para os meus filhos, pelo sentido de humor que nem toda a gente entende, pela sua generosidade e enorme coração - parabéns, meu amor! E que possamos festejar (pelo menos) mais quarenta, mais ou menos rabugentos, mas sempre certos do que sentimos, lado a lado <3 br="">