fevereiro 25, 2013

Dar no duro

Esta semana que passou foi, profissionalmente falando, de cão. Eu sei que, em parte, a culpa é minha, que me meto nestes empregos sem perceber muito bem ao que vou mas também há que dar uma quota parte da responsabilidade ao meu chefe, cujos skills de recrutamento são espectaculares ("Falas Alemão? Bestial, estás contratada!"). E por muito que eu pense honestamente que é possível aprender (quase) tudo, a semana passada mostrou-me o caminho íngreme e mais ou menos interminável que tenho pela frente. Felizmente, os anos de trabalho que me trouxeram aqui ensinaram-me muita coisa sobre pessoas e, mais particularmente, sobre clientes, pelo que nem todos os esforços são em vão.

As minhas lacunas técnicas são ainda de vária ordem, mas inclinam-se especialmente para a minha inexperiência com redes. De computadores, bem entendido. E o maior problema é que neste tipo de empregos nunca há formação quando se quer (é quando a bomba nos explode nas mãos), não há manuais consolidados ( há uma mão cheia de malta que leva o conhecimento consigo no dia em que sai) e nunca, mas nunca se pode falhar. Resultado? É claro que a coisa rebenta em momentos decisivos e eu, que até acho que aprendo rápido, dou comigo a não conseguir aprender, entender, compreender, chamem-lhe o quiserem, uma tarefa e, em vez disso, preocupo-me mais em decorar os passos que me levaram até ali para os poder repetir novamente. Toda a gente sabe que isto, mais cedo ou mais tarde, me há-de dar dores de cabeça mas não tenho tempo para mais. Só fico feliz por muitas vezes perceber que a minha capacidade de retenção das lições e de replicar soluções é maior do que a de colegas que já estão ali há anos. Não que eles sejam menos inteligentes ou capazes, mas simplesmente porque eles não querem saber e fazem as coisas pela metade. Ora, se trabalhamos numa área que mexe com muito (é mesmo muito, às vezes) dinheiro a mim parece-me importante sermos precisos, ágeis e rápidos mas isto sou só eu. Há gente que não está para se chatear e quer é descanso, estas pessoas estão por todo o lado.

Depois cada vez mais me convenço que esta coisa de servir pessoas é uma arte. Pode não ser inata ou não ser logo evidente (eu nunca sonhei com isto mas enfim, cá estou) mas com a dose certa de empenho e rigor consegue-se dominar. O primeiro passo, parece-me a mim, é pensarmos em nós como clientes e fazermos a pergunta "Como gostaria eu de ser atendido por alguém?". Para mim, esta interrogação devia ser suficiente para as pessoas que trabalham nesta área percebem o que fazem bem e o que precisam de melhorar mas, acima de tudo, para conseguirem sempre estar acima das expectativas. É que eu, desculpem lá a arrogância, não quero apenas trabalhar bem: quero ser a melhor naquilo que faço, sem precisar de competir com ninguém - apenas dependendo das minhas capacidades. E acho que é por isso que tenho pouca tolerância com pessoas que não gostam de se esforçar ou que pensam que o mal está nos outros e às vezes isso também me parece explicar o facto de gostar de almoçar sozinha tantas vezes.

E entretanto nesta semana completarei seis meses de trabalho nesta empresa. O meu contrato de duração indeterminada efectiva-se e eu deixo para trás os seis primeiros meses de experiência. Esta diferença em relação a Portugal também explica um pouco a postura das pessoas aqui: em Portugal, os contratos são normalmente de seis meses, podendo prolongar-se ou não até ao máximo de dois anos (ou três, não me recordo) até que a pessoa ou entra para os quadros da empresa ou é despedida. Em Portugal, eu sentia muito mais a pressão para um bom desempenho porque queria garantir a minha continuidade na empresa e queria que, em caso de dúvida ou de desempate, o meu chefe não hesitasse sobre quem queria manter a trabalhar. A cada seis meses, havia aquele desconforto de não saber como era, se a empresa tinha planos de expansão ou de retracção e a coisa angustiava-me um bocadinho. É claro que só isso não chegava para motivar as pessoas (profissionais mesmo bons, com ou sem contratos, não interessa a empresa ou área, só conheci aí uma mão cheia) mas para mim dava-me mais alento. Aqui, pelo contrário, entra-se com um contrato a tempo indeterminado, só precedido por estes seis meses de experiência. Só não se fica se a nossa prestação for completamente desenquadrada dos objectivos e planos da empresa, por isso é canja. Depois disto, quero trabalhar para ser promovida, ganhar mais responsabilidades e dinheiro mas não faço grandes planos ainda. É arregaçar as mangas todos os dias, respirar fundo, fazer listas mentais do que há para fazer, não dormir às vezes a pensar nas coisas pendentes, tentar o melhor que sei e ignorar (cordialmente e sem pôr em causa a relação com os clientes) a pessoa que me calhou em sorte como equipa directa. Se há coisa que já aprendi é que os outros não têm culpa dos nossos dias menos bons. Lembrem-se disso quando precisarem dos serviços de alguém ;)

fevereiro 14, 2013

O amor

Enganei-me muitas vezes sobre isto. Enganei-me as suficientes para um dia estar em casa sozinha e achar que seria assim para o resto da minha vida. Enganei-me muitas vezes e nem sequer sei porquê, como foi que cheguei a acreditar tanto no amor. A minha cabeça enganou muitas vezes um coração que acreditava em contos de fadas que eu própria imaginava. Pergunto-me tantas vezes como foi que construí a ideias que tinha em relação ao amor e não sei responder. Não sei onde fui buscar a esperança secreta de que aquele é que era ou como confundi muitas vezes aquilo que os outros sentiam por mim. Forcei-me algumas vezes a gostar, a tentar, a experimentar e só não foi tudo em vão porque de todas as vezes aprendi qualquer coisa. Quis muitas vezes que gostassem de mim e não sei porque me faltava esse afecto, essa validação. Eu tinha cá a minha ideia das coisas mas sabia acima de tudo o que não queria: mentiras, dúvidas constantes, o sacrifício doentio de ter que acreditar em alguém que me mentia com uma calma quase monstruosa. Eu queria ser livre a amar sem precisar de ter medo. Eu queria sentir que era um poema e não uma comodidade, queria que me escrevessem canções e mensagens de amor mas acima de tudo eu queria a verdade. Consegui-a algumas vezes, outras não. Tanta coisa que vivi só na minha cabeça, tanto pormenor que estudei até me sentir enjoada, tantos segundos sentidos tentei descobrir onde não havia nada. Gastei horas de conversa, noites inteiras a pensar em coisas que nunca aconteceram, manhãs a suspirar em autocarros, viagens a reconstruir tudo na minha cabeça. Eu não sabia mas tive medo da ideia de para sempre, tive medo que um dia não pudesse aspirar a mais nada. Passei muitas tardes num quarto, inerte até a dor ser física, fiz quilómetros em busca de alguém que nunca existiu senão na minha cabeça, sofri mas agora parece-me que foi porque sempre quis. Gravei na memória frases ocas que me soavam a promessas, escrevi tanto até chegares tu.

Tu, que já cá estavas. Imortalizei os meus desgostos com a minha escrita e deixei a felicidade que me trazias só para nós. Não sei ainda como foi que acontecemos e não faço ideia como demorámos tanto. Aquela excitação dos fins de semana, as horas ao telefone, o forno que quase me ardia e tu a tranquilizares-me a duzentos quilómetros de distância. Fomos vizinhos antes de sermos amigos. São vinte e tal anos a conhecer-te. E mesmo assim quiseste ficar. Amparaste-me na dor, mostraste-me sempre o que há de melhor nas pessoas, acreditaste em mim. Ensinaste-me o que é ter orgulho em alguém. Dizias muitas vezes que íamos ter filhos e eu ficava quase horrorizada. E agora chegámos até aqui, ao momento em que te escrevo. Não preciso dizer-te o quanto gosto de ti, acho que os anos falam por si. Que sejamos sempre fortes - é que amar assim dá trabalho, precisa de investimento, de dedicação. Celebremos o amor à nossa maneira, meu marido namorado amigo.

Parentalidade positiva para as urtigas

Há dias muito maus e ontem foi um deles. Fechados em casa há quase uma semana à conta desta doença (um nome um bocado parvo, uma total desconhecida para nós), não tem ajudado a manter a calma e a serenidade. Primeiro houve aquela fase de choro e mimo resultantes do mau estar, os queixumes permanentes naturais de quem não podia sequer comer ou dormir. Depois, uma ligeira melhoria que infelizmente terminou em quatro horas absolutamente inquietas no hospital. E finalmente chegámos ao dia de ontem, em que os desafios, as desobediências, os disparates se sucederam em catadupa.

Penso muito nas coisas que leio e pelas quais me interesso quando me relaciono com o meu filho. Escolhi (escolhemos) a via da conversa, da explicação de causas e consequências, tentar entendê-lo e aceitá-lo como a personalidade única que é, fazendo um esforço para não o julgar e desvalorizando o seu temperamento irascível. Falar é muito simples mas poder manter esta visão depois de horas de berros, choros, empurrões, faltas de paciência, exigências e birras (aparentemente) sem sentido é impossível. Cheguei ao ponto de questionar as minhas qualidades como mãe, assumi silenciosa e dolorosamente uma derrota neste nosso caminho. Estarmos aqui, sozinhos, a dois mil quilómetros da família e dos amigos também não ajuda: na maior parte dos casos, não temos tempo para sair apenas e respirar fundo durante uns bons minutos, o tempo suficiente para nos refazermos e ganharmos novo fôlego. Não existe espaço e, apesar de ser esta uma consequência de uma decisão nossa que tomámos conscientemente, isso custa.

O melhor destas situações é acordar no dia seguinte. É poder ter essas horas de silêncio para tomar coragem para começar a luta outra vez. É perceber (vezes sem conta) que esta batalha não tem fim mas é exactamente isso que faz de nós mãe e filho: crescemos juntos, às vezes gritamos mas abraçamo-nos muitas mais vezes, discordamos, insistimos e rimo-nos um bom bocado. O melhor é sentir como nos esquecemos das horas amargas quando começa um novo dia. Cruzar os braços é que não pode ser.

fevereiro 12, 2013

[piscando o olho ao regresso]

Estas últimas duas semanas têm sido chatas mas chatas. Não têm havido tempo para corridas porque eu estou doente ou saio demasiado tarde ou tenho um filho doente. Os dias já se notam mais compridos mas só quando o céu não está extraordinariamente carregado e cor de chumbo. Houve um dia então em que o céu tocou literalmente na terra, ficou tudo escuro numa questão de segundos e em dois ou três minutos tudo estava coberto de um generoso manto de neve. É que a neve é bonita, sim, mas só naqueles sítios onde permanece pura e intocada, onde não se transforma em lama ou perigosas camadas de gelo e se mantém assim até derreter.

Esta semana a minha irmã emigrou e agora vive em Londres. É fácil entender a revolta dos meus pais com o nosso país e também a sua desilusão com todo o investimento que fizeram na nossa educação. É claro que a distância foi crescendo de há dezassete anos para cá, no dia em que me deixaram sozinha na rua Sabino de Sousa, fazendo força para não olhar para trás. E depois, quando entregaram também a minha irmã a Lisboa e alugámos a casa de bonecas na vila Grandella. Mas agora a distância é quase insuportavelmente gigante e é bom de ver que não são sessões semanais de Skype que podem eliminar as saudades. Os meus pais ficaram sem as suas filhas (e neto) no espaço de um ano e eu sei que isso deve doer. Mas, e sabendo que é pouco o consolo, ganharam pelo menos duas filhas que resolveram fazer pela vida em vez de se ficarem a lamentar em Portugal ou a depender deles depois dos trinta anos. Quando falo sobre o tempo que faz em Lisboa aos meus colegas aqui, há um que me diz sempre que não podemos ter tudo e é absolutamente verdade. Resta-nos lutar por outra vida, mesmo longe, mesmo sem garantias e saber que, mesmo falhando, estivemos cá e tentámos fazer tudo funcionar. Eu conheço bem a minha irmã e sei que ela há-de vencer por lá, de uma maneira ou outra. Vontade de trabalhar não lhe falta e sobra-lhe a simpatia e à-vontade que eu nunca tive. Enquanto assim for, enquanto se tiver vontade de arregaçar as mangas, a vida há-de andar para a frente. E vamos encurtando as distâncias como podemos.

E ainda me apetecia falar da minha colega de equipa mas acho que não vou fazê-lo. Há uma coisa que eu tenho tentado fazer nos últimos anos que é tentar ser uma pessoa melhor, conter-me nas críticas, cingir-me à realidade e aos factos, procurar não ser injusta. Mas esta pessoa faz-me pensar em duas coisas, a saber que a) não estou a tentar o suficiente e b) há pessoas que nem sequer merecem estes esforços. A verdade é que já tentei gostar dela, entender o que a leva a ser assim mas não consigo e apenas tento manter a relação profissional tão cordial quanto possível. Só receio que este esforço continuado em não me exaltar, esta convivência forçada e artificial não me faça explodir um dias destes. É que eu tenho cá a minha ética profissional mas há limites para a preguiça, irresponsabilidade, incompetência e estupidez que eu consigo aguentar. Trabalhar sozinha é que era mas infelizmente enfio-me sempre em sítios onde o trabalho de equipa é que é bom.(E com isto tudo, sem querer falar, já falei).

E agora já me faziam um favor e acabavam com tosses, aftas, ranhos e horas de espera em hospitais, faltas de paciência e vómitos, neves, temperaturas negativas e pessoas detestáveis. Só me apetece dormir e acordar no pico do Verão.