outubro 30, 2013

Crónica de uma recém viajante

Hoje é o terceiro dia fora de casa. Todos os dias um voo para qualquer lado, às vezes dois. Não é difícil entender como tem aumentado o meu pânico na altura da descolagem: encontro conforto agarrando o meu assento com o máximo de força mas apenas a suficiente para outras pessoas não notarem. Aprendi a gostar de não facturar bagagem e ter a liberdade de chegar mais tarde e saltar o check in. Em contrapartida, ainda preciso apurar a maneira como preparo a única mala com que viajo para transportar apenas e só o essencial. Um par de sapatos rasos, descobri ontem, é absolutamente obrigatório.

Há, claro, uma certa frustração de ficar em hotéis melhores do que o habitual (ou seja, do que aqueles que normalmente consideraria pagar) e apenas disfrutar da cama. A televisão nunca se ligou, o mesmo com as restantes comodidades e o despertar é normalmente cedo o suficiente para não apreciar devidamente o duche. Vive-se literalmente da mala, sem tempo para arrumar a roupa convenientemente, apenas tentanto que esteja o mais direita e apresentável possível. Quem me dera poder fazer todas as visitas de ganga... É engraçado como as coisas mudam: há uns anos atrás, discutia com um amigo que defendia que é necessária essa adaptação da roupa à posição, enquanto eu dizia que jamais me imaginava a fazer esse tipo de cedências. E então olho para mim agora e encolho os ombros. Faz-se um pouco o que se tem que fazer, tentando não comprometer as nossas convicções mais básicas.

Já deu para comer tapas, ver o mar, apanhar um taxista português no centro de Madrid, ter muito calor e também bastante frio, dar cabos dos pés com tanto que se anda, praticar as reuniões com clientes, aprender como estar calma (o único segredo é saber exactamente do que se fala) e, finalmente, agradecer silenciosamente o empurrão que me deram em Julho para me libertar de um trabalho frustrante, de pouca responsabilidade e demasiadas concessões. Antes que me arrependa, vou dizer: era aqui mesmo que queria estar. Agora vou só ali despachar o que falta e contar o tempo que me falta para esborrachar o meu filho com beijos.

outubro 18, 2013

A verdade é dura (e pesada!)

Chegou o momento de bater no fundo. Escrevê-lo aqui é como dizê-lo em voz alta, materializá-lo para que já não possa existir volta atrás: estou gorda.

Desengane-se quem pense que é de agora ou que eu nunca tinha dado por nada. Tudo começou há nove anos atrás, depois de deixar de fumar, com momentos de recuperação e de algum esforço mas agora cheguei a um ponto em que não consigo aceitar este facto serenamente. Não consigo olhar-me no espelho. Não consigo suportar a ideia de que a roupa me deixou de servir. Não consigo esconder a profunda desilusão que é ver as minhas fotografias de há dez anos atrás e olhar para mim hoje. Não aguento as comparações que faço entre o meu corpo e o de todas as mulheres com quem me cruzo. Não consigo aceitar a minha falta de agilidade e genica. Não posso mais fingir que me estou nas tintas para a minha imagem, porque o que interessa é o interior - estou gorda e isso foi difícil de aceitar.

Sempre tive problemas de auto-estima mas antes de engravidar tinha recuperado bastante bem. Tinha acabado de emagrecer dez quilos (depois de uma brincadeira que me magoou profundamente), fazia algum exercício, tinha encontrado uma pessoa que gostava de mim com todos os defeitos, já tinha vivido o suficiente para saber que conseguia mais se me esforçasse mais. Depois veio a gravidez. Para ser honesta, não sei se comi muito mais nessa altura mas tenho a certeza que comia muitas vezes o que me apetecia com a desculpa de que na gravidez tudo é permitido e que, a haver uma altura para engordar sem problemas, era aquela. Eu, que antes quase só sonhava com empadas, rissóis e croquetes, dei comigo a querer comer doces. Perdi a conta às queijadas de leite que comi na pastelaria da vizinha e sei que também comi uns quantos gelados enquanto passeava na Estrela.

Depois houve o pós-parto. Não tive a sorte de ser com aquelas mães que dizem que amamentar emagrece: amamentei o Vicente em exclusivo até aos quatro meses e depois continuei até aos oito, até que, exausta e refém de um bebé que tinha sempre fome, decidi parar. Emagreci uns quilos mas creio que só os que constituíam a barriga de grávida e pouco mais. Durante meses a fio esperei ver esse milagre do emagrecimento e com o crescimento do gaiato pensei que andar atrás dele me ajudasse também a perder quilos.

Não ajudou. Demorei até me habituar às rotinas e foi difícil voltar a fazer exercício outra vez. Depois, saímos de Portugal e ainda tive as minhas tentativas de me mexer: ainda consegui correr umas vezes no Verão passado e depois abracei quatro meses de ginásio para me esconder do frio. Nada resultou: não tinha objectivos, companhia e muito menos motivação. Essa força de vontade, essa determinação que só pode vir de dentro de nós falhou-me. O tempo passava, eu perdia a motivação, não via resultados e pensava desistir. Até que desisti, pouco antes da minha inscrição expirar. E continuei na mesma inércia, à espera que a solução me viesse ter às mãos (e à barriga, às ancas e às pernas) milagrosamente. Só que esse dia nunca chegou.

Hoje foi um dia importante nesta história toda. Fui procurar ajuda profissional e personalizada para perder não menos de quinze quilos. Quinze quilos! Preciso repeti-lo muitas vezes para acreditar que isto chegou a este ponto. Já não posso acordar mais a meio da noite e levar à barriga como para me convencer que ela ainda está lá. Não posso sentir-me inferiorizada porque sei que um dia fui diferente. Bem sei que a gravidez trouxe modificações ao meu corpo que não poderei apagar. Mas raios me partam se vou ficar a assistir à degradação do meu corpo e da minha saúde sem fazer nada! Boa forma, me aguarde!

outubro 15, 2013

O amor que vive fora de nós

 
Esta pequeno diálogo é real e aconteceu esta semana.

Ele: Pai, a mãe?
Pai: A mãe já saiu para trabalhar.
Ele: (desapontado) Mas eu não lhe dei um beijinho!

(Eu queixo-me muito, eu sei, e espero talvez demais de um menino de três anos. Mas acho que não esperava esta doçura no meio de tanta teimosia deste pequeno furacão. Ainda me custa perceber como é que conseguimos fazer um miúdo saudável, cheio de vida porque a genética é muito bonita mas sei lá, tantas coisas podiam ter corrido mal. É claro que é muito giro ter um bebé e andar sempre com ele ao colo e babarmo-nos a ver as suas gracinhas. Mas este miúdo está agora a aprender a expressar-se, faz perguntas e decora tudo o que se lhe diz à primeira e na maior parte dos casos não pára de falar! Posso sonhar em recuperar um pouco da minha vida antiga mas já nada faria sentido se o meu borreguinho não fizesse parte das nossas vidas.)

outubro 13, 2013

Duas semanas depois...

Enfim, voltámos ao frio e ao cinzento do Luxemburgo. Estivemos uns dias em Portalegre e outros por Lisboa, a tentar meter em quinze dias tudo o que temos vontade de fazer no resto do ano. Uma conclusão óbvia de que já me devia ter apercebido há muito tempo? Não dá. É literalmente impossível ver toda a gente de quem sentimos saudades, ver quem conseguimos durante tempo suficiente, visitar todos os sítios que nos fazem falta, comer todas as coisas com que sonhamos no resto do ano, absorver todo o Sol que não vemos por aqui. Não conseguimos e isso torna estas viagens num momento um pouco frustrante. É como se, secretamente, tivéssemos a esperança de conseguir enfiar a nossa vida anterior num espaço de tempo tão curto, conseguindo satisfazer tudo e todos. Não é que passemos o ano inteiro à espera disto mas não podemos fingir que estas duas semanas são importantes para nós.

Nos primeiros cinco dias, parecia que não tínhamos saído do Luxemburgo: algum frio, nevoeiro cerrado e muita, muita chuva. Não dava para sair de casa, o miúdo estava a precisar de libertar energia, nós precisávamos de um bocado de ar fresco. O stress e a frustração de não podermos aproveitar o tempo como tínhamos imaginado acumulavam-se.

Mas depois o tempo mudou, o miúdo ficou com os avós em casa e nós fomos visitar a nossa Lisboa. Como ainda temos a nossa casa na Estrela, a sensação é a de que vamos para o nosso hotel privado, uma casa que está sempre livre, sempre à espera de nos receber outra vez. Como antes, ficar na nossa casa é tranquilizador e algo doloroso ao mesmo tempo. Há demasiadas memórias que ganhei naquele pequeno espaço desde o dia em que a comprei, há seis anos atrás. Passei lá muitos dias tristes mas muitos, muitos dias de serenidade, de descoberta e da tranquilidade de que me faltava. Acabámos a gostar dos nossos vizinhos, acabámos apaixonados pela rua e zona envolvente, acabámos por construir uma rotina que tentamos recriar sempre que voltamos. Só que não é bem a mesma coisa porque sabemos que tem, à partida os dias contados.


Foram dias muito bons: pudemos ir ao cinema a meio da tarde, comer uma sapateira em Sesimbra e um brunch na LX Factory, andar de eléctrico entre os Anjos e a Estrela, beber minis e comer picapau na tasca da nossa esquina, passear pela Arrábida e por Sintra, ver a família e (melhor) deixar que pudessem matar as saudades do Vicente com tempo, comer o suposto melhor hamburguer de Lisboa, andar pela Baixa e beber um copo na Bica, rever antigos colegas e bons amigos, sentir a temperatura da noite sem precisar de um casaco, ter o miúdo nos baloiços da Estrela, comer tremoços e frango assado, dormir a sesta ao som do eléctrico e dos sinos da basílica, maldizer o trânsito e louvar a beleza de Lisboa, respirar o Tejo e confirmar como agora a cidade está mais virada para ele. Só faltou tudo o resto e, mais importante, a sensação de poder fazer tudo isto quando nos apetecesse, sem voos pelo meio, sem temperaturas de congelar, sem a distância que nos separa do nosso país.

Continuo a gostar do Luxemburgo, que não restem dúvidas. Continuo certa que tomámos a melhor decisão, que as vantagens equilibram bem as desvantagens mas isso não significa que o meu coração não me diga que era em Lisboa que gostava de estar. Uma das perguntas que mais nos fizeram nestas duas semanas foi quando pensávamos voltar. Com toda a honestidade mas sem termos pensado muito nesse assunto, respondemos que não fazemos a mínima ideia. Não podemos dizer para o ano, daqui a cinco anos ou nunca - estas coisas vão-se decidindo ao sabor dos dias cinzentos aqui e do Verão tardio do lado de lá. Parece-me estranho mas querer voltar não significa necessariamente querer deixar tudo o que temos aqui e sabemos que se um dia isso acontecer vamos ter muitas saudades do que vivemos, construímos e aprendemos aqui. Se calhar o verdadeiro castigo é mesmo este, termos o coração dividido em dois, amar duas cidades e dois países e querer estar sempre onde não estamos. Vamos vivendo, enfim. E reconhecemos que somos felizardos por podermos viajar com esta regularidade - afinal de contas, o Mundo está mesmo aqui ao lado.

outubro 01, 2013

Estado das coisas: ninguém merece uma escuridão assim!

Acontece que estas férias não começaram exactamente como as tínhamos imaginado. No ano passado, o tempo ajudou bastante mas este ano a coisa não é bem assim. Não precisava de temperaturas de Verão, simplesmente que parasse de chover durante uma, duas horas. Não é fácil fazer planos, ter vontade de sair de casa quando o nevoeiro chega mesmo até ao chão. Uma pessoa olha pela janela e parece que chega um sono inexplicável, uma vontade de não mexer uma palha. O miúdo não pode brincar fora de casa, os pais não podem passear, a neura instala-se.

De resto assistimos às eleições para constatar uma vez mais que Portalegre mal existe para o Mundo lá fora. Durante as horas em que seguimos os directos, nem uma única menção aos nossos resultados, apesar de aqui ter ganho uma candidatura independente. Os restantes resultados foram mais ou menos o que já se esperava, à excepção da abstenção que continua incrivelmente alta. Isto é uma perigosa pescadinha de rabo na boca: o povo está farto dos governantes que tem mas, quando pode exercer o seu direito de escolher uma alternativa (boa, má, medíocre, sofrível mas uma alternativa), prefere não ter nada a dizer. Gostava que as coisas fossem diferentes, adorava ser surpreendida mas parece-me que não vou assistir a nada assim enquanto for viva, especialmente se pensar no desinteresse que as gerações mais jovens demonstram pela política.

Vale-nos que já pudemos comer umas migas com costado e uma sopa de tomate, que o dia do terceiro aniversário do gaiato foi muito agitado mas cheio de gente que lhe quer bem, que se tem dormido o suficiente e que as previsões para os próximos dias são mais animadoras. Mais notícias só depois do nevoeiro levantar.