julho 10, 2012

Ossos do ofício

Ora estando eu longe (mais uma vez) de ter encontrado a profissão de sonho ou onde pudesse exercer a creatividade em vez dos números atrás de números, há uma coisa que me aborrece (e de que maneira) no meu novo emprego: a falta de noção para onde eu e a empresa estamos a caminhar.

Profissionalmente falando, eu sou filha dos call centers. Como tantas outras pessoas da mesma geração, foi aí que comecei a aprender o que era trabalhar em condições um bocadinho precárias para ganhar um ordenado ainda mais precário. Fi-lo para ganhar dinheiro enquanto terminava o curso (que já se prolongava beeeeem para lá dos semestres aceitáveis) e saí assim que pude, já de (inútil) canudo na mão. Aquilo preparou-me para o pior: quase nunca conseguia fazer uma pausa porque alguém chegava sempre primeiro; tinha que pedir por favor para ir à casa de banho porque havia sempre gente a mais na sala dos fumadores; não podia conversar com o colega do lado porque isso podia incomodar quem estava ao telefone; tinha que lidar com clientes que, mais do que um serviço, precisavam e procuravam ali alguém que os ajudasse a combater a solidão e demasiado tempo nas mãos. As avaliações eram lixadas, ouviam-nos as chamadas às escondidas, havia já uma elite de operadores efectivos que faziam o que lhes dava na gana e mandavam os clientes para aqui e ali, os clientes muitas vezes era miúdos mal educados ou velhotes cujo domínio de palavrões envergonhava qualquer um. Havia muito favorecimento entrem chefes de equipa e pessoas que lhes caíam em graça e enfim, não precisava de o dizer, eu não era uma delas.

Depois trabalhei quatro sólidos anos numa empresa, onde verdadeiramente cresci profissionalmente e onde me foi dada a oportunidade (sempre muito controlada) de me desenvolver. Deixei de lidar com o cliente directamente, ganhei funções que exigiam alguma liderança, fui obrigada a mentir e a florear decisões até ao dia em que, apesar de todo o trabalho e vagas ainda disponíveis, me trataram como apenas um número e me despediram (juntamente com o resto da equipa). Foram anos duros e esse crescimento veio muitas vezes à força mas foi, sem qualquer sombra de dúvida, o sítio onde eu percebi que tipo de pessoa quero ser no meu local de trabalho, seja qual for a sua natureza.

E no fim tive a última experiência em Portugal, um sítio onde eventualmente poderia ter também aprendido muitíssimo, não fosse dar-se o caso de ter emigrado. Era um sítio onde me sentia verdadeiramente bem, nunca me lembro de ter acordade sem vontade de ir trabalhar, começava a fazer amigos entre os colegas, tinha um chefe com um estilo de liderança que não sufocava as personalidades, tinha os meus pet peeves (mas até isso lhe dava piada), uma esplanada à nossa espera, uma área de conhecimento totalmente nova.

O ponto comum a estes empregos: tinha objectivos e sabia exactamente o que fazer para os cumprir. Isso tanto podia implicar ter que atender uma média absolutamente louca de 156 chamadas por dia, como reduzir os custos da equipa da empresa, como tratar de 17 pedidos por dia, como aumentar exponencialmente a eficácia do atendimento aos nosso clientes através de projectos especialmente delineados para esse efeito. É verdade que muitos desses objectivos se podiam traduzir em números, o que diz muito sobre a natureza das tarefas, mas também não é menos verdade que nos ajudava a saber exactamente em que ponto estávamos.

Aqui... bem, aqui a coisa é diferente. A área de negócios está ainda em expansão e está apontada a quem não sofreu ainda com a crise, a própria empresa parece viver os tempos antes de 2008, em que tudo era crescimento, inovação, resultados impressionantes. Talvez isso também seja o resultado de estar localizada neste pequeno paraíso fiscal e ter uma sólida e reputada casa mãe. Mas ter que trabalhar todos os dias sem saber se o que faço é suficiente, se o que faço começa a ter qualidade, se faço diferença no todo que é aquela equipa, se sou uma mais-valia como contratação deixa-me desorientada e um pouco só. Não será isto que me faz desistir de ser uma boa profissional mas que desanima, isso desanima. Mas antes isso que pertencer às outras estatísticas, que também aqui sobem. Nada a fazer, a não ser suspirar pelos dias em que os sonhos eram possíveis.

1 comentário:

Helena Barreta disse...

Não podemos, nem devemos deixar de sonhar de alcançar o que nos faz felizes, adiá-los sim, perder a capacidade de sonhar não.

Coragem para enfrentar os dias, ou os momentos mais cinzentos.