Daqui a uma semana terão passados vinte e quatro meses desde que fui mãe. Fui lembrada sem qualquer delicadeza por um pijama novo que comprámos ao Vicente esta semana: é um pijama enorme, o último tamanho de bebés, com um comprimento de pernas que me assusta. O que também é estranho é a minha capacidade de me recordar dos pormenores do dia do nascimento dele com bastante clareza, ficando com a sensação que tudo aconteceu na semana passada e não há dois anos atrás.
Há já uns meses que as educadoras do Vicente nos andavam a avisar que isso dele ser bebé tinha que acabar, que era um estado que já tinha ficado para trás, que ele agora era um menino. Mas como é que uma mãe deixa de chamar bebé ao seu... bebé? Ainda não sei e por enquanto opto pela variante bebezão grande, numa tentativa um bocado patética de o diferenciar de um recém-nascido. É uma fase um pouco ambígua e isso nota-se mesmo na roupa: já não veste nos departamentos de bebé mas ainda não veste nos de departamentos de meninos. Já percebe tudo o que se lhe diz (e em duas línguas) mas não nos surpreende ainda com frases completas. E é (sem margem para dúvidas) um rapaz: adora bolas, comboios, aviões e helicópteros, carros e todo o tipo de animais. É um descarado que cumprimenta toda a gente na rua e tem uns olhos que lhe garantem sorrisos por todo o lado e gente a oferecer-lhe coisas doces.
Felizmente, viver aqui permite-nos continuar a sonhar com mais filhos. Não será para já (ainda falta uma condição essencial mas que se cumpre numa mão cheia de meses) mas seríamos ainda mais felizes se o Vicente deixasse de ser filho único. Para já, é ele que dá conta da casa, fazendo cambalhotas em qualquer lugar, querendo arrumar a louça e varrer o chão, pedindo para lavar as mãos e os dentes e não reclamando muito na hora de ir dormir. Antes de vir outro bebé, ainda nos falta arranjar maneira de correr atrás dele quando quer sentir a água dos rios, quando quer fugir de nós, olhando sempre para trás para sentir que alguém o segura.
Há muitos dias em que acabamos cansados com as birras e os jantares espalhados por todo o lado e as gritarias do banho. Há muitos dias em que não temos a certeza se caminhamos no caminho certo da disciplina, tolerância e educação e desesperamos por não existir uma fórmula mestra para criar um ser humano espectacular. Mas, como as dores do parto, há coisas que se esquecem numa questão se minutos. E só nós sabemos como as palhaçadas, as palminhas no fim das músicas enquanto grita Bravo!, a forma como me procura nas escadas do prédio todos os dias quando chega a casa, o seu amor por bananas, a forma como nos chama só para saber que estamos ali, a personalidade completamente impulsiva e irascível são as melhores coisas do mundo. É um furacão de olhos grandes e doces, caracóis que não herdou do pai nem da mãe, um bilingue aos dois anos, um beijoqueiro nos dias bons, um amante dos tachos e da cozinha, sempre descalço em casa e orgulhoso dos sapatos e do casaco na rua. Passam quase dois anos desde que o tive no meu peito acabado de nascer e a única coisa que me preocupa é mantê-lo puro, ingénuo, educado e livre pelo mais longo período possível. Isso e dar-lhe o melhor de todo o Mundo.