setembro 23, 2012

(Quase) 24 dele!


Daqui a uma semana terão passados vinte e quatro meses desde que fui mãe. Fui lembrada sem qualquer delicadeza por um pijama novo que comprámos ao Vicente esta semana: é um pijama enorme, o último tamanho de bebés, com um comprimento de pernas que me assusta. O que também é estranho é a minha capacidade de me recordar dos pormenores do dia do nascimento dele com bastante clareza, ficando com a sensação que tudo aconteceu na semana passada e não há dois anos atrás.

Há já uns meses que as educadoras do Vicente nos andavam a avisar que isso dele ser bebé tinha que acabar, que era um estado que já tinha ficado para trás, que ele agora era um menino. Mas como é que uma mãe deixa de chamar bebé ao seu... bebé? Ainda não sei e por enquanto opto pela variante bebezão grande, numa tentativa um bocado patética de o diferenciar de um recém-nascido. É uma fase um pouco ambígua e isso nota-se mesmo na roupa: já não veste nos departamentos de bebé mas ainda não veste nos de departamentos de meninos. Já percebe tudo o que se lhe diz (e em duas línguas) mas não nos surpreende ainda com frases completas. E é (sem margem para dúvidas) um rapaz: adora bolas, comboios, aviões e helicópteros, carros e todo o tipo de animais. É um descarado que cumprimenta toda a gente na rua e tem uns olhos que lhe garantem sorrisos por todo o lado e gente a oferecer-lhe coisas doces.

Felizmente, viver aqui permite-nos continuar a sonhar com mais filhos. Não será para já (ainda falta uma condição essencial mas que se cumpre numa mão cheia de meses) mas seríamos ainda mais felizes se o Vicente deixasse de ser filho único. Para já, é ele que dá conta da casa, fazendo cambalhotas em qualquer lugar, querendo arrumar a louça e varrer o chão, pedindo para lavar as mãos e os dentes e não reclamando muito na hora de ir dormir. Antes de vir outro bebé, ainda nos falta arranjar maneira de correr atrás dele quando quer sentir a água dos rios, quando quer fugir de nós, olhando sempre para trás para sentir que alguém o segura. 

Há muitos dias em que acabamos cansados com as birras e os jantares espalhados por todo o lado e as gritarias do banho. Há muitos dias em que não temos a certeza se caminhamos no caminho certo da disciplina, tolerância e educação e desesperamos por não existir uma fórmula mestra para criar um ser humano espectacular. Mas, como as dores do parto, há coisas que se esquecem numa questão se minutos. E só nós sabemos como as palhaçadas, as palminhas no fim das músicas enquanto grita Bravo!, a forma como me procura nas escadas do prédio todos os dias quando chega a casa, o seu amor por bananas, a forma como nos chama só para saber que estamos ali, a personalidade completamente impulsiva e irascível são as melhores coisas do mundo. É um furacão de olhos grandes e doces, caracóis que não herdou do pai nem da mãe, um bilingue aos dois anos, um beijoqueiro nos dias bons, um amante dos tachos e da cozinha, sempre descalço em casa e orgulhoso dos sapatos e do casaco na rua. Passam quase dois anos desde que o tive no meu peito acabado de nascer e a única coisa que me preocupa é mantê-lo puro, ingénuo, educado e livre pelo mais longo período possível. Isso e dar-lhe o melhor de todo o Mundo.

setembro 20, 2012

A derradeira semana!


 
Falta agora uma semana até voltarmos a aterrar em Portugal. Cada vez que penso nos dias que faltam, lembro-me do momento em que levantei voo do Porto sem fazer a mínima ideia quando poderia voltar. Naquele momento, tudo o que eu tinha era o exílio e isso deixava-me profundamente triste.

Não é difícil imaginar como me senti estranha depois de aqui aterrar pela primeira. No carro chorei por não saber como gerir as saudades e os dois primeiros dias foram uma mistura nebulosa de dor de cabeça, cansaço, limpezas e uma casa que ainda não era a "nossa".

O tempo passou e, depois de toda a burocracia e emprego e creche e a criação de uma rotina de raíz, eu gosto do Luxemburgo. E gosto mesmo, apesar de ainda ser Verão e já estarem só quatro graus de manhã. A nossa vida mudou radicalmente e conseguimos coisas nestes primeiros meses que nos levariam anos em Portugal. Não é fácil estar longe, muitos dias apetece entrar no primeiro avião que aparecesse mas agora esta é também a "nossa" casa.

Mas estar de bem com a nossa escolha, aproveitar esta oportunidade única não significa que não esteja a contar os dias (sim, segui a sua sugestão e fiz um pequeno calendário para riscar os dias!) e que não caiba em mim de contente por saber o que poder fazer durante duas semanas. Muita coisa envolve comida, é certo! Mas acima de tudo abraçar a minha família e amigos, sentar-me à mesa com todos, poder partilhar o bebé Vicente com todos - é tudo o que tenho desejado nestes últimos dias. E vou continuar a contar, estando cada vez mais perto, imaginando-me de regresso a casa. E se o conforto desta imaginação já é tão grande, nem imagino como será estar lá.
 
 

setembro 12, 2012

Força meu Portugal!

Quantas mais notícias nos chegam de Portugal, mais triste fico. Por um lado, sinto-me um pouco envergonhada por ter deixado o país e não fazer parte da luta. É óbvio que o fizemos pelas melhores razões mas não posso deixar de sentir que, como um rato, abandonámos o navio mesmo antes deste afundar. Por outro lado, sinto um enorme alívio por termos saído na altura certa, já cansados de apenas sobrevivermos e antes das últimas (assustadoras) notícias.

Sinto algum rancor do Estado e da forma como funcionam, por exemplo) as prestações sociais do nosso país (critérios e processos labirínticos de atribuição, erros involuntários) mas não sinto rancor do meu país e muito menos da sua gente, que tem vivido calada e esperançada que os todos os sacrifícios darão resultados. Sinto rancor pelo que estão a fazer aos trabalhadores, retirando-lhes poder de compra, empurrando-os para a pobreza, enquanto as grandes empresas, especialmente aquelas que já antes podiam regozijar-se com o lucro, enchem ainda mais os bolsos.

Vejo direitos a serem cortados à minha família, vejo os meus amigos desempregados, sem esperança e sem perspectivas de futuro, vejo a pobreza a chegar a todo o lado. Sinto que se perde a esperança, o que é especialmente grave para famílias com filhos. Sinto-me aliviada por ter escapado um pouco a tudo isto mas culpada por não estar ao lado da "minha gente" neste momento tão grave.

Viver aqui faz-me sentir ainda mais rancor da nossa classe política. Ver como são distribuídas aqui as prestações sociais, perceber que direitos têm os trabalhadores, sentir como são mais justas e equilibradas aa contribuições de cada um só me faz perguntar mais vezes o que raio correu mal em Portugal. Se a riqueza podem ser distribuída mais equitativamente aqui, porque raio deve apenas encher alguns bolsos em Portugal? Se aqui a maternidade (e paternidade) são protegidas e quase encorajadas porque razão fazem contas os portugueses para ter um filho? Porque é que aqui as contribuições tributárias são simples de entender e justas na sua aplicação e em Portugal as pessoas se perdem entre escalões e descontos que nunca se traduzem na melhoria das suas vidas? Não tenho resposta mas creio que há uma certa maneira de funcionar aqui que não vinga em Portugal. E bem, não acho o Luxemburgo perfeito mas do que me é dado a ver é um país mais transparente, mais justo e, não sendo paternalista, mais protector dos cidadãos.

Os dois mil quilómetros de distância não significam que não esteja solidária e profundamente preocupada com o destino do meu país e das minhas pessoas. Assisto, atenta, ao desenrolar das coisas e espero, como todos os portugueses, que os custos da austeridade não caiam uma e outra vez sobre os mesmos. E, mesmo aqui, junto-me aos que gostavam de não ver cair o nosso país. Nunca me manifestei mas este Sábado seria certamente a minha primeira vez.

setembro 10, 2012

Não há mal que sempre dure...

Eis pois que me encontro sem computador e sem carro. Como eu acredito piamente nos provérbios portugueses, uma desgraça nunca vem só. Sem o computador tenho vivido razoavelmente bem, embora necessite dele por razões profissionais, mas sem carro a coisa torna-se muito difícil. O sistema de transportes do Luxemburgo (ou da cidade do Luxemburgo, para ser mais precisa) funciona bastante bem mas torna-se mais complicado quando incluímos no nosso trajecto dois ou mais meios de transporte. Ideal era ter um autocarro que nos levasse de A a B mas aqui em casa já não temos essa sorte, o que torna o nosso quotidiano bastante mais complicado. Agora vivemos como na era pré-carro (para mim é estranho, já não sei o que isso é há doze anos), só que desta vez há um filho à mistura e dá sempre jeito ter uma forma de rápida de chegar a qualquer lado.

Ficámos sem a carrinha a uns vinte quilómetros de casa. Tínhamos ido levar o pai do Vicente a uma corrida (ele estava prontíssimo para os dez quilómetros!) e a carrinha decidiu ficar-se exactamente antes de a estacionarmos. O reboque, conduzido por um português (obviamente!), demorou quase uma hora, o que deixou o pai do Vicente fora da prova. Os três, além de cansados e chateados, estávamos desiludidos com a nossa sorte. A parte positiva de termos ficado a interromper o trânsito debaixo da torrina do Sol e perante a possibilidade de um arranjo caro foi o Vicente ter andado pela primeira vez de comboio, meio de transporte pelo qual ele tem uma verdadeira fixação. Achamos que ele gostou, embora ainda não perceba que está efectivamente dentro de um comboio. 

Entretanto já penso no que poderá ainda correr mal porque, lá diz o povo, não há duas sem três. Hoje andei a confirmar os nossos voos para Portugal, com medo que alguma coisa tivesse sido cancelada e nos tivesse dado cabo dos planos. Está tudo na mesma, respirei de alívio. É especialmente importante que tudo se mantenha assim, agora que até tenho uma lista (grande) de coisas que quero fazer em Portugal. É engraçado que, além das coisas óbvias (abraçar família e amigos), grande parte da lista envolve coisas de comer. Não é que aqui não consiga comprar um alheira ou umas postas de bacalhau para demolhar, mas algumas coisas só fazem sentido nas circunstâncias muito específicas. Parece-me é que se calhar me pode faltar tempo para tanta coisa e que as coisas podem não correr como eu idealizei. Resisti à tentação de imprimir um calendário para riscar os dias que faltam mas faço essa contagem várias vezes por dia na minha cabeça.

setembro 05, 2012




Entretanto voltei a trabalhar. Custou-me horrores voltar ao ritmo das madrugadas, apesar de agora poder acordar 45 minutos do que o habitual. Cheguei atrasada no primeiro dia, culpa da Braderie e do consequente trânsito caótico e fiquei chateada porque, apesar da culpa não ser minha, foi essa a primeira impressão que deixei. O regresso a casa não foi menos atribulado e, sem autocarros livres, lá foram dois km de marcha, cheia de raiva e cabeça cheia do primeiro dia.

Trabalho no campo (nas fotos está a vista do escritório e da paragem de autocarro), para contrastar com a localização anterior em plena capital. Só existe um autocarro que chega aqui e a paragem obriga-nos a ficar literalmente no meio da estrada. Nunca precisei tanto de um carro mas a coisa há-de resolver-se.

Não fui recebida com flores desta vez. Não existe aqui a máquina de recursos humanos como no meu último emprego, com todas as boas vindas, com o economato à minha espera e ainda nem sequer tenho computador. Mas sinto que já aprendi mais em dois dias do que nos últimos três meses de trabalho e estou verdadeiramente aterrorizada com o tipo e profundidade de conhecimentos que preciso ter. Medo não tenho e continuo sem perceber porque é que todos os alemães com quem trabalhei adoram andar descalços no local de traballho.

Todos os colegas de trabalho são mais velhos do que eu, o que é uma novidade. Há português com idade para ser meu pai que começou como pescador e já trabalhou em todo o Mundo, a alemã divorciada e com um filho que achas que sabe tudo sobre ser mãe (sobre tudo, na verdade), oo italiano careca que nunca sabe o que fazer. As pessoas demoram algum tempo a reveleram-se individualmente mas é relativamente fácil entender as dinâmicas de uma equipa e aqui é claro que nem todos puxam para o mesmo lado. Mas é um ambiente descontraído, informal, muito geek e algo agitado onde vou conseguir quantidades massivas de conhecimento.

Se é o trabalho ideal? Com certeza que não porque ainda ninguém paga a ninguém para ver filmes, música, escrever e correr. Mas por enquanto (que eu espero seja um longo enquanto) aqui estou. Rezo para que o meu cérebro não queime já e não me deixe ficar mal. O resto são só muitas questões e uns milhares de linhas de comando. Eu sempre soube que devia ter ido para a informática!