maio 28, 2014

Não estamos nunca a salvo

Um destes dias tive um sonho horrível, do qual despertei completamente angustiada e com um gigante sentimento de culpa. Estava num complexo de piscinas imaginário, explorando e visitando, e ao chegar a um segundo ou terceiro andar, não sei precisar, o miúdo empoleirou-se (se este verbo não existe, acabei de o inventar) num varandim e caiu, em direcção a uma piscina demasiado rasa. É claro que eu, de cabeça perdida e consciente da enorme falta de atenção que tinha provocado o acidente, saí dali a gritar, voando nas escadas, para encontrar o meu filho vivo, magoado mas vivo. A dor que eu senti durante esse dia, essa, foi bem real e não ficou no sonho como eu queria.

Já tinha tido outros sonhos assim (o sonho que o perco por uma pura negligência de segundos deve ser até recorrente) e sofro muito, mesmo sabendo que não passa de algo que o meu inconsciente fabricou a partir dos meus medos. É que eu sou aquele tipo de mãe que sofre apenas por pensar no que pode acontecer ao nosso filho. Acho que todos os dias vemos/lemos/ouvimos histórias mirabolantes e assustadoras do que acontece a crianças ou mesmo adultos por esse mundo fora. Nos últimos tempos, lembro exemplos (esta, esta, esta ou esta histórias) da total falta de respeito pelos direitos humanos e da silenciosa impunidade que vivemos hoje. Estes pesadelos não são exclusivos de um continente ou civilização, não escolhem idades mas ainda tendem para passar-se maioritariamente com o sexo feminino. A nossa passividade (autoridades, profissionais de educação, família, amigos) é gritante e é impossível saber destes casos sem que se nos dê um nó no estômago e fiquemos literalmente nauseados. E eu, confesso, tenho muita dificuldade em aceitar os motivos religiosos, passionais, irracionais que levam esta gente a viver assim. Pior: custa-me entender que actos destes se façam por pura diversão, por falta de soluções e divergências de opinião. Esta aleatoriedade de motivos ainda me fazem temer mais pelo nosso futuro. É preciso viver com a consciência de que podemos vir a estar precisamente no olho do furacão sem saber como aí chegámos.

Quando eu olho para o nosso filho, tenho apenas um enorme desejo: que se possa cumprir e realizar como ser humano, vivendo e aproveitando ao máximo, consciente de si e dos outros, respeitando todas as formas de vida, todas as opiniões, todas as escolhas alheias. Que possa fazê-lo em paz, num ambiente que promova o desenvolvimento saudável e pleno das suas capacidades, em que estimule e seja estimulado pelo valor inestimável que têm as pessoas ao nosso redor. Que possa escolher o seu próprio caminho e que nós possamos sempre ajudá-lo. Não o trouxe para este mundo, em que ser menor ainda é uma desvantagem, em que ser mulher ainda é uma fraqueza, em que o dinheiro ainda fala mais alto do que a justiça. Nestes momentos, tenho vontade de o apertar e colocá-lo numa redoma onde ninguém lhe possa fazer mal, nem mesmo eu com as minhas negligências sonhadas. Falta muita humanidade por aí.

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