agosto 27, 2014

Sobre os primeiros tempos de gravidez

Da primeira vez, comecei a sentir-me diferente exactamente no dia em que tive a primeira confirmação que estava grávida. Coincidência ou não, já passei essa primeira noite a sentir um borbulhar na barriga como se sentisse finalmente o meu corpo a trabalhar para formar o ser que nasceria uns meses depois. Depois disso, o descalabro: enjoos que não eram exclusivamente matinais, o calor que sentia no autocarro a caminho do trabalho, o sono que me tomava de assalto no trabalho sem que conseguisse manter os olhos abertos, a alergia aos cheiros (principalmente o do marido, coitado, que cheira sempre bem), o cansaço avassalador que me fazia ir à cama quase assim que chegava à tarde a casa.

Tudo passou no terceiro mês, em que como um milagre deixei de me sentir mal e passei a sentir-me no topo do mundo. Desta vez, os sintomas começaram um pouco antes da confirmação mas que eu, como parecia tão difícil engravidar, me despachei a descartar como falsos alarmes. Que não eram, soube pouco depois, claro. Mas a verdade é que a coisa ainda não está fina: tenho alguns enjoos durante o dia e tive um dia ou dois mais cansada mas ainda me consigo controlar bastante bem. Está a ser um pouco difícil explicar no trabalho o que se passa exactamente comigo mas até agora a teoria dos problemas de estômago tem safado a coisa. Creio é que não posso mantê-la durante muito mais tempo mas não queria que se soubesse aqui em primeiro lugar, queria aliás que fossem os últimos a saber.

A diferença gigante da primeira para a segunda é que agora já existe um rapazinho que exige muita atenção, que quer brincar, ajudar na cozinha, saltar em cima do sofá, abraçar-me sempre que pode sem ter noção da sua força. Não posso simplesmente deitar-me e esperar que passe a má disposição, não posso enfiar-me na cama e esperar que os cheiros deixem de ser tão intensos, não posso estar sempre cansada. Especialmente por isso peço aos céus (se lá existir uma entidade divina, melhor) que me deixem passar por esta gravidez com menos desconfortos, para que eu possa equilibrar as coisas e tratar do menino que está cá fora tão bem como a semente que está cá dentro.

(escrito no dia 10 Julho)

[actualização]

Foi mais ou menos um mês e meio de muito desconforto e de baixa médica. As náuseas eram demasiado fortes para conseguir sequer estar sentada mas ainda me devo sentir sortuda porque nunca vomitei. Não conseguia concentrar-me em nada que exigisse muita atenção, os dias passavam e eu sentia-me como se estivesse num pesadelo, muito calor e suores, de vez em quando a conseguir ver a realidade. A médica tentava acalmar-me, dizendo que tanta náusea era um bom sinal, era sinal de que as hormonas estavam a trabalhar bem e de que a gravidez estava firme mas eu queria lá saber. Sem medicamentos, tentei sobreviver o melhor que pude, mesmo com uma disposição de cão. E só me lembrava da minha ex-colega P., que me contou que na sua primeira gravidez vomitou e teve enjoos os nove meses certinhos! Eu podia lá aguentar essa provação!

Mas agora estabilizou. Não posso dizer que estou fina e livre desta má disposição mas a verdade é que já consigo trabalhar, não me sinto tão derrotada e fragilizada como há duas semanas atrás, já consigo estar sentada por uma quantidade simpática de horas. Mais ou menos como esperava, esta gravidez é bastante mais visível que a primeira e por isso, com apenas três meses, já se vê bem que qualquer coisa está a acontecer. Até à semana passada, fazia algum esforço para a esconder mas agora, que pude dizê-lo em voz alta e informar quem precisa de ser informado, já posso exibi-la com orgulho. E agora é esperar que os desconfortos se manifestem mais timidamente para eu poder viver o segundo trimestre com todo o esplendor que lhe corresponde. Até já azia e dores em todos os ossos, vemo-nos já no final!

agosto 26, 2014

Outono em Agosto

Este fim de semana voltámos a meter o edredon na cama. Faz muito frio à noite e as manhãs não aquecem tão facilmente. Os rapazes já não saem de casa sem os seus casacos e na maior parte dos dias sem os seus guarda chuvas. Eu sei que as manhãs não estão propriamente agradáveis mas já vi pessoas de cachecol e luvas, o que prova a minha teoria de que há pessoas que não conseguem ver uma nuvenzinha sem pensar que já é Inverno. Não é mas também já não é Verão, acho que todos aqui o sabemos.

Quando tomo o pequeno-almoço na cozinha ainda silenciosa, olho lentamente pela janela e vejo que há já muitas chaminés a lançar aquele fumozinho para o ar, sinal de que o aquecimento já está ligado em algumas casas. O Verão acabou mas eu pergunto-me como, se nunca chegou realmente até aqui. Se calhar é este o resultado de um Inverno com apenas um dia de neve, se calhar os homens andam mesmo a brincar lá nas nuvens – seja como e porque for, a verdade é que está tudo trocado.

De vez em quando, uma trovoada. Todos os dias o céu a alternar entre inúmeros graus de cinzento, mais ou menos vento, intervalos de aguaceiros e chuva a sério, o miúdo que de repente ganhou medo à chuva e não consegue dormir enquanto a ouvir fustigar a janela. Não sei, honestamente, se já estou habituada a isto, mais de dois anos depois. Vim para cá com aquele peito inchado de quem diz que uma pessoa se habitua a tudo, basta querer, só porque tinha vivido seis meses em Berlim. Mas esses seis meses eram apenas isso, um curto intervalo após o qual eu sabia que iria regressar e por isso não me importava tanto com os dias a escurecerem às quatro da tarde. Viver em Berlim era cool, viver no Luxemburgo nem tanto.

Pergunto-me se algum dia me vou realmente acostumar a isto. Nem sequer penso se vou gostar porque isso está completamente fora de questão. Não vou negar que há um certo encanto no aquecimento central por todo o lado, que nos deixa confortavelmente apreciar o frio que faz lá fora. Eu sou uma alentejana de Verões de quarenta graus, do alcatrão a borbulhar, das tardes passadas em casa com tudo fechado para enganar o calor - não sou uma mulher de temperaturas de um dígito e a minha serotonina agradecia viver num sítio com Verão all year round.

agosto 25, 2014

O segundo tarda mas não falha <3

Depois de um ano e meio de alguma frustração e tristeza, respiramos finalmente de alívio. Não é fácil, ter toda a gente a achar que o segundo filho é o passo mais natural e esperado para quem tem o primeiro e ter, ao mesmo tempo, um corpo que, por capricho ou alguma sabedoria que não está ao nosso alcance, simplesmente não quer colaborar.

Carrego o nosso segundo filho na barriga. Ainda não é mais do que uma mistura confusa de células, ainda sem um coração que bate mas é um filho e de repente já sinto amor por uma criatura que ainda está por formar. Um filho tão desejado, mais do que isso, o irmão ou irmã que queríamos para o primogénito. O nosso filho, que vi hoje numa bolsinha no meu útero quando procurava uma segunda opinião para o nosso decréscimo de fertilidade - ia lá perguntar o que devia fazer para engravidar e saí de lá grávida. A médica brincou, dizendo "Viu como sou boa? Isto tudo só numa consulta!" e eu a rir como uma pateta que não percebe o que lhe está a acontecer. Um filho, uma semente, um feijão sem nome nem género, um pré-embrião que ainda tem que lutar com toda a sua força para crescer e para tornar-se no bebé que tanto esperámos.

O primeiro filho foi tiro e queda: um mês a tentar e uma gravidez logo assim de mão beijada, eu a sentir que transbordávamos fertilidade e que afinal era tudo mais fácil do que parecia. Nunca me vou esquecer do primeiro, do segundo, do terceiro teste de gravidez, assustada com uma dádiva que tanto tinha buscado, incapaz de raciocinar claramente e a alternar entre o medo e a felicidade maior que já senti. A primeira gravidez tão desajeitada, os enjoos que passaram a correr, a azia no final, o trabalho de parto que quase terminei sem dar por isso, o bebé chorão e cheio de personalidade que me roubou o sono desde o dia em que nasceu e eu fiquei em pleno transe naquele quarto da CUF Descobertas. O filho que é tudo para mim, mesmo nos dias em que me sinto exausta e uma mãe do pior, o filho cujos olhos brilham em tudo o que faz, um filho saudável e livre e reguila que gosta de mim sem qualquer reserva.

E agora o segundo. Ou a segunda, toda a gente sabe que isso não interessa. A segunda semente que deixamos no Mundo, a repetição de um projecto que vai terminar numa pessoa tão completamente diferente mas igualmente amada por nós. Um segundo filho, caramba, parece que não posso acreditar! O acalmar dos dias e dos meses a passar sem sinais de gravidez, a procurar ajuda médica, a tentar sorrir à malta que nos dizia que já era hora, que havia que tentar outra vez. E como queria que chegasse essa segunda vez e como queria que o meu corpo me obedecesse cegamente sem me fazer duvidar! Nada interessa: vamos ter outro filho. Vou cheirar e embalar outro bebé, provavelmente vou perder a cabeça outra vez, vou cansar-me e chorar, descontrolada com as hormonas, vou levar muito tempo a conhecer esta nova pessoa que está para chegar. Nada importa: dentro de mim, uma pessoa pequenina, um projecto de pessoa na realidade que eu vou amar incondicionalmente e que certamente retribuirá esse amor. O nosso segundo filho!

(escrito no dia 7 de Julho)

agosto 19, 2014

Entre tres tierras


Na minha cabeça é já oficial: o Verão acabou. Sim, é verdade, mesmo que em Portugal as temperaturas teimem em não descer dos trinta graus, mesmo que só vejamos Sol e muito calor, aqui a coisa já deu o que tinha a dar. E este fim de semana já foi um belo exemplo do que nos deve esperar nos próximos tempos. Portanto, este ano no Inverno tivemos apenas um dia de neve e no Verão quase apenas um dia de verdadeiro calor - o resto dos dias são de uma gigante indefinição entre uma Primavera já gelada e um Outono desastrosamente chuvoso.

Este fim de semana veio mesmo a calhar para alguém como eu, que andava há muito a precisar de arejar as ideias. Já o tínhamos marcado há bastante tempo, creio que ainda na ilusão de que lhe podíamos chamar um fim de semana de Verão no campo. Lá pelo campo andámos nós, em ruas em que um lado pertencia à Bélgica e o outro à Holanda, onde se ouvia falar quase exclusivamente Neerlandês e onde mal se falava Francês. 

A cada visita que passa dou comigo a gostar mais da Bélgica e especialmente da zona das Ardenas. É impressionante o verde daqueles campos (embora não seja de admirar, se pensarmos nos litros de chuva que caem por estas bandas...), a calma e o silêncio, os memoriais da Segunda Guerra sempre à espreita em qualquer cruzamento, as casas de pedra que afinal são feitas de madeira, os jardins bem cuidados e os sinais de vida nas ruas, mesmo aos Domingos. Estes sítios são impecáveis para quem tem miúdos, que podem saltar nas poças deixadas pela chuva, mexer em gatos felosos e não tão felosos, ver burros, galinhas e galos de perto, praticar os desportos em dois pedais. E também não são menos espectaculares para pessoas que precisam de sair da rotina, que precisam de respirar fundo e mandar más vibrações para trás das costas, que precisam de se distrair. E foi isso que fizemos. Com castelos à mistura, bons amigos, moules e frites (está claro!), manhãs a ver o atletismo colados à televisão, cozinha holandesa e, para terminar em beleza, uma açorda para matar saudades! Depois? Foi respirar fundo, fazermo-nos à estrada e ignorar que a vida real voltava na manhã seguinte. Agora é esperar até à ocasião seguinte.

agosto 04, 2014

(Um intervalo neste gigante parêntesis)

Ainda aqui estou, mesmo que não pareça. Olho para a data da última publicação que fiz e assusto-me quando vejo que foi já há quase um mês! Acho que foi o período mais longo que passei sem escrever aqui.

Não desisti disto, a questão não é essa. Não me passou pela cabeça acabar com este espaço de partilha, que já tanto me trouxe. Só que estou num sítio muito confuso neste momento - falo da minha cabeça, claro - e não arranjo forma de me expressar de uma maneira clara, sem alarmismos nem sentimento e emoção a mais. E ainda por cima, como se toda esta confusão interior não chegasse, também não me sinto preparada para verter isto cá para fora. Se alguma mudança realmente tiver existido nos últimos tempos, é esta: não consigo abrir-me e também não acredito que estas coisas sejam interessantes para os leitores.

Fomos de férias e já voltámos. O que dizer? Eu podia fingir que não estou sempre à espera de pisar solo português mas estaria a mentir. As viagens correram com grande tranquilidade ( muito graças ao nosso homenzinho, que se portou à altura, poupando-nos a birras ou choros desnecessários e sempre empolgado para ambas as direcções. Optámos por dormir uma noite no caminho para cada lado para evitar o cansaço dos dois mil quilómetros. Dividimo-nos entre Lisboa e Portalegre e o tempo (mais uma vez) foi insuficiente para tudo o que queríamos fazer e todos os que queríamos ver. E neste capítulo, ainda estamos longe de fazer o melhor: embrulhamo-nos em tantos compromissos que acabamos por não ter verdadeiramente momentos de descanso, o último propósito das férias. Não sei se alguma vez aprenderemos a fazê-lo ou se continuaremos a falhar mas a verdade é que o balanço entre gente que queremos ver e descanso de que necessitamos é incrivelmente difícil de manter.

Pudemos pelo menos apanhar ar. Pudemos comer junto ao mar, almoçar na tasca dos vizinhos lá ao pé de casa, tomar banho de mar e piscina. Pudemos tratar de burocracias que exigem a nossa presença em Portugal, pudemos ver alguns amigos (e partimos tristes por falharmos outros mas sabemos que todos têm as suas vidas e chegarmos nós a destabilizar é dose), demos saudades a matar à família que, como sempre, nos acolheu cheia de mimos e recordações comestíveis/bebíveis que enchem o nosso coração (e estômago!) agora que regressámos. Nunca chega, a verdade é essa. Por muito que tentemos condensar tudo em tão poucos dias, nunca é suficiente e os dias parecem mais curtos nestas alturas.

Pelo meu lado, tive um momento de revelação e desabafo que me aliviou mas abalou um pouco. Era espectacular que pudessemos ter sempre a certeza de tudo e estarmos totalmente confiantes nas nossas decisões e escolhas. O tempo tem-se encarregado de me mostrar que nem sempre as coisas funcionam assim, com toda a dificuldade que estes momentos implicam. Imagino que a seu tempo conseguirei falar de tudo quanto me tolda a visão agora mesmo, que poderei racionalizar o que me parece agora um amontoado de emoções à solta e que me tem dificultado a verbalização das coisas. Tempos estranhos, estes e fico-me agora por aqui. A seu tempo, tudo se ordenará.