outubro 08, 2014

Lisboa (para todo o sempre)


Escolho ouvir Orelha Negra e as memórias soltam-se, desordenadas. Estava provavelmente a sobrevoar o Norte de Espanha mas há mil quilómetros que a minha cabeça está em Lisboa. Sinto sempre aquele frémito quando se aproxima a hora de voltar, sempre. Sempre. De repente, desço a rua do Alecrim num final de tarde. A seguir, vejo o dia em que bebemos café em Belém e depois entrámos no Museu da Electricidade. Subo para o Jardim de São Pedro de Alcântara e sento-me com vista para o castelo. É a minha cidade, podemos escolher a nossa cidade ou ela simplesmente se impõe? Sentada no miradouro de Santa Luzia a ver os barcos a passar em câmara lenta, a inventar romances de faca e alguidar sobre os telhados de Alfama. O dia em que me enfiei numa velha mercearia porque andava um cavalo à solta na Morais Soares. A cidade que ambos tanto desejámos, como se tudo fosse possível apenas ali. Debaixo das copas que ladeiam a Ferreira Borges, a sensação que conseguimos. (Mas conseguimos exactamente o quê?) A rua do Poço dos Negros a um Sábado à noite, os enchidos a decorarem uma montra, os eléctricos que ainda não passavam. A mesma Lisboa onde tanto chorei, os quartos de onde insistia em não sair, das coisas impensadas e dos arrependimentos. A mesma capital antiga, ora demasiado snob, ora a cheirar a sardinhas e cerveja morta. As colinas onde morei, as casas que aluguei e que acabaram donas de mim. Os amigos que vieram e os que se foram, os nossos vizinhos como se já tivessemos sessenta anos. A casa que quase comprei, que às vezes ainda me assalta a memória em vagas de uma nitidez tremenda. Tudo o que me falta fazer na minha Lisboa, todos os despertares e anoiteceres em que falta a verdadeira luz das estrelas, os becos por onde ainda nunca passei. A turista que agora sou, absorvendo simultaneamente uma cidade estranha e a cidade que é minha. A minha Lisboa que há-de ser sempre cantada em Português, um cafezinho, um pastelinho de nata e a continha. Quantas linhas poderei eu escrever mais sobre ela? Quantas mais vezes sentirei o aperto de quem regressa aos braços de um grande amor? Quantos mais anos de saudade poderei suportar?

2 comentários:

M de M disse...

Até quando ? Também me pergunto isso ...

Dalma disse...

Minha querida, o teu texto é lindo, mas...
Pensa que vais voltar, és muito nova, estás a adquirir experiência e vais um dia encontrar de novo um lugar na tua cidade e voltarás a todos os sítios que agora só visitas de fugida como se turista fosses!
Beijinhos