abril 22, 2015

Virar o jogo

Começar, como em tudo, é muito, muito difícil. Antes de mais, um disclaimer mais ou menos evidente: não procuro ser uma atleta de alta competição nem uma super modelo. Quero só ser mais saudável (e, claro, perder uns quilos no processo), acho que é um desejo simples e que resulta do senso comum.

Muitas vezes as pessoas confundem a licença de maternidade com um período de férias. Não trabalhamos fora de casa, é certo, mas temos um bebé para cuidar e isso a mim ocupa-me muitíssimo tempo. Nas primeiras duas semanas foi relativamente fácil mas a tarefa complicou-se desde então e a miúda exige-me muita atenção. Só esta manhã, por exemplo, foi andar com ela ao colo para trás e para a frente para acalmar até decidir sair um bocado de casa antes que desse em maluca. Tentar enxaixar exercício nestes primeiros meses é uma missão difícil mas não impossível. Vejo aquele video da mãe super-em-forma que faz exercício com o seu bebé em cima e só penso Agora experimenta a fazer isso com um bebé de dois meses com cólicas e que não pára de chorar, vá.

Estava fora de questão ir para um ginásio (já tentei demasiadas vezes para saber que não funciona) e ainda não dá para correr sozinha. A solução? Um programa de exercício que posso seguir sozinha em casa (poupo dinheiro, tempo e o desconforto dos balneários) e caminhadas com a miúda sempre que o tempo o permite. Era muito bom ter alguém por perto para corrigir a minha postura ou para me motivar mas por agora chega-me bem poder seguir um plano de exercícios durante cinco dias por semana, no conforto de casa e sentir que pelo menos me estou a mexer. Depois é só pegar no carrinho dela e andar um bocado aqui pelo bairro e já me sinto mais leve no final.

E a decisão lógica seguinte foi começar a comer melhor. Não se trata de nenhuma dieta, é apenas o que se designa de comer o mais clean possível: diminuir o consumo de carne e apostar noutras proteínas, escolher produtos frescos e da época para cozinhar, evitar ao máximo todos os alimentos processados. Há dias em que é mais difícil seguir os preceitos à regra: são dois filhos a precisarem de muita atenção, uma casa para gerir - nem sempre me apetece cozinhar e muito menos cozinhar tudo mas o que interessa é fazê-lo o maior número de vezes possível. O verdadeiro desafio é passar estes hábitos para a restante malta cá de casa, embora sejam incontestavelmente mais saudáveis.

Mesmo antes de ver quaisquer resultados, sinto-me bem e existe apenas um único motivo: a vida é minha e eu faço dela o que quiser. Poder tomar as rédeas com convicção e determinação, poder decidir o que é melhor para mim sem esperar pelos outros - poucas coisas sabem tão bem! E no fundo os resultados já aí estão: mais energia e aquele cansaço bom quando me vou deitar. Agora é bola para a frente e força de vontade para não furar os planos!

abril 17, 2015

A vida lá fora


O céu hoje acordou cinzento pela primeira vez em bastantes dias. É apenas um intervalo, segundo a meteorologia, que prevê o regresso do Sol para amanhã. Mas nem o cinzento consegue ofuscar o branco puro da árvore que está quase totalmente florida e a qual ainda nos falta identificar - somos novatos nestas coisas de quintais.

No chão, restam ainda as folhas que caíram no Outono passado, à espera que saibamos o que fazer com elas. Tenho visto alguns vizinhos a cuidar dos seus quintais e estou a tentar aprender pela observação antes de recorrer aos tutoriais que devem estar espalhados por aí. À esquerda, fica o quintal cuidado do nosso vizinho que partilha o apelido com a nossa rua e que gosta muito de cumprimentar o Vicente pela manhã. À direita, o estendal onde a nossa vizinha congolesa estende a roupa dos seus três filhos. No outro dia, apanhou-me a estender a roupa com os miúdos e desceu para se vir apresentar e conhecer-nos. Sou muito má com nomes mas sei que tem três filhos (rapaz de 25 anos e gémeos rapariga-rapaz de 15). Falou-me da viagem que fez no ano passado a Lisboa e de como comeu bem por lá. Concordámos as duas que é fácil fazer boa vida em Portugal quando se vive por estas bandas. A nossa vizinha de baixo juntou-se à conversa e percebi que fazem as duas exercício juntas quando começaram a brincar aos agachamentos. A senhora congolesa faz limpezas em lares de idosos e diz que já viu de tudo mas que teve uma surpresa (desagradável) na semana passada. A minha vizinha de baixo trabalhava numa pastelaria até ter um acidente de trabalho que a tem de baixa há vários meses. O que meia dúzia de minutos nos pode dizer sobre as pessoas...

À nossa frente, duas personagens: a velhinha que de vez em quando espreita à janela e usa a marquise apenas para passar a roupa a ferro e deixa-la bem estendida, pendurada em cruzetas; do seu lado esquerdo, o senhor que podemos ver a vestir-se todas as manhãs, pouco depois das sete, e que nunca abre ou fecha as persianas de casa. Há pássaros a pousarem na nossa varanda e a picarem um ou outro quintal, há esquilos de vez em quando a saltar de árvore em árvore à procura de qualquer coisa para comer. Estamos mais longe do percurso que os aviões fazem pouco antes de aterrar no Findel mas ainda os conseguimos ouvir a chegar. Aposto que mais umas semanas e vai começar a cheirar a sardinhas ou entremeada grelhada quando chegarem as sete da tarde. Nós havemos de procurar um grelhador maneirinho, uma mesinha para a varanda, umas cadeiras para o quintal e uma manta para deitar os miúdos. Nunca pude viver as traseiras de uma casa e ainda me estou a habituar a ter um espaço assim. Falta-nos um estendal e o tempo para tratar do pedaço de terra onde hei-de plantar as plantas comestíveis. No fim disto tudo, só nos ficará a faltar a companhia dos nossos para fazermos um beberete nos dias quentes!

abril 14, 2015

Também há Primavera a Norte!


É de caras: um céu azul faz muito mais por nós do que qualquer anti-depressivo artificial. Basta que o Sol entre pelas janelas pouco depois das seis da manhã e que o céu se mantenha azul durante todo o dia e sai meio mundo de casa para aproveitar.

O parque estava cheio de miúdos e pais que se dividiam entre escorregas, baloiços, bancos a entreter bebés mais pequenos ou simplesmente a conversar com outros pais. A língua que mais se ouvia era - surpresa! - o Português. Havia quem o falasse discretamente, outros gritavam-no para quem quisesse ouvir. Quanto mais tempo passamos aqui, mais fácil se torna saber quem é português só pelo aspecto. Nunca, mas nunca, falhamos!

As ruas da capital e os parques de estacionamento estavam sobrelotados. As gelatarias não tinham mãos a medir (com empregados - adivinhem! - portugueses!), todas as escadarias e bancos eram um pretexto para parar e absorver o Sol. Há árvores floridas por toda a parte, num espetáculo de cor que rivaliza apenas com o Outono. As varandas e terraços encheram-se de vida, com o solitário na companhia de um livro, até ao grupo de amigos simplesmente na conversa. Lembrámos-nos que precisamos de uma pequena mesa e cadeiras para a varanda, talvez umas espreguiçadeiras para o jardim. Tenho quatro pacotinhos de sementes de ervas comestíveis por plantar e finalmente nem preciso de vaso!

Durante as horas que passámos fora de casa, tudo parece mais simples, care free. A miúda chorou um bocadinho mas nada que um bocadinho de leite não consiga acalmar. Mesmo que os outros dias sejam mais pessimistas, mais negros, é vital que estes dias leves também vão aparecendo para que eu não me esqueça de como é realmente a vida lá fora.

abril 09, 2015

(um momento de catarse)

(melhores dias virão, repito comigo mesma)

As raras vezes em que me permito ler os blogues onde tudo é perfeito, onde os filhos são crianças perfeitas, onde as casas estão sempre limpas, organizadas e cheias de flores dão-me cabo da cabeça. Ou melhor, eu é que me dou cabo da cabeça porque não entendo onde é que eu estou a falhar.

Eu nunca fui uma rapariga de seguir as tendências, nunca usei maquilhagem e acho que não tenho nenhuma peça de bijuteria e, quanto mais tempo passa, mais me sinto uma freak no meio das outras mulheres que são o meu padrão de normalidade. Para piorar as coisas, desde a primeira gravidez que a minha auto-estima praticamente desapareceu e sou quase incapaz de olhar para mim como uma mulher (passo os dias a pensar que sou apenas uma mãe). Estava quase, quase a recuperar quando se anunciou a segunda gravidez. E voltou tudo à estaca zero.

Todos os dias me olho ao espelho com uma mistura de pena e espanto, porque as sequelas de dois filhos podiam ser muito mais visíveis mas há muito tempo que não reconheço o corpo que está diante de mim. Às vezes até me penteio de olhos fechados apenas porque não suporto olhar para mim. E o que realmente custa nisto tudo é que ninguém me pode ajudar. Ninguém a não ser eu, claro. E por muito que dê voltas à cabeça, por muito que leia ou me inspire nas histórias dos outros, por muito que pesquise, não estou a ser capaz de sair desta espiral de auto-desprezo. Para dizer a verdade, não é um sentimento de agora e sempre me senti tão longe dos padrões de beleza e de feminilidade das pessoas ditas normais mas com o tempo fui aprendendo a aceitar-me como sou. Só que não quero aceitar-me como sou agora, não posso. Mas todos os dias vou adiando um corte de cabelo pelo qual já desespero, os exercícios que toda a gente diz que se podem fazer em casa, uma pedicure, uma manicure, os números a descerem na balança, deitar fora a roupa que me faz sentir estranha. Sinto que me estou a adiar todos os dias mas às vezes é muito difícil não me sentir perdida num mundo de fraldas, sestas mal dormidas, dores de barriga, filhos que mordem a língua e caem e aproveitam todos os instantes para chamar a atenção, a casa que não se limpa a si mesma e a roupa que cresce num monte que espera aqueles momentos livres, um marido que também precisa de atenção. Às vezes, simplesmente parece que não há espaço para mim, nem um milímetro livre para eu apenas ser, quanto mais para me preocupar com as futilidades femininas. E pergunto-me todos os dias como raio me deixei chegar aqui.

Leio os blogues das pessoas perfeitas, daquelas que dizem que não há desculpas para não estarmos sempre no nosso melhor, que têm tempo e paciência para tratamentos de beleza, que correm e vão ao ginásio e que separam tão bem ser mãe de ser mulher e volto a pensar: que raio estou eu a fazer mal? Não sei onde ir buscar esse instinto de protecção da minha imagem, nem a força de vontade para sair da minha zona de conforto, nem a capacidade de organização de super-mulher. Se calhar estou a culpar-me demais, se calhar não estou a culpar-me o suficiente - é mesmo difícil para mim verbalizar em que é que estou a falhar. Gostava de não me sentir anulada como indivíduo, gostava de estar sempre impecável (versus pijama, cabelo apanhado e fralda ao ombro, ainda assim a miúda não vomite), gostava de me ver ao espelho sem este sentimento gigante de falhanço e espero que reconhecer tudo isto, dizê-lo em voz alta me possa ajudar a pegar nas rédeas outra vez em vez de me deixar conduzir. Faço figas mas preparo-me para uma viagem bem longa de volta aos dias em que tratava melhor dessa parte de mim.