setembro 29, 2015

Vicente, cinco anos


Há cinco anos atrás, a esta hora exacta, estava a tomar um banho depois de ter passado a noite em claro. Estava cheia de contracções desde as sete da tarde e passei a noite a comer pêssegos em calda e a ver episódios do Family Guy. Sabia lá eu que já estava em trabalho de parto!

O meu Vicente faz hoje cinco anos. O meu bebé gordinho, com aquele sorriso gigante que lhe nascia nos olhos (e ainda nasce!); o meu bebé que tão mal dormia até ao dia, já no Luxemburgo, em que pediu para ir para a cama; o meu bebé quase sem cabelo que cresceu para se tornar o miúdo dos caracóis - cinco anos, caraças!

Andava a fazer a contagem decrescente já há muitos dias. Já tem aquela ânsia de ser mais velho, de crescer. E eu, mesmo sem a certeza de que me compreende, peço-lhe para não ter pressa, para deixar o tempo correr devagar. Também anda sempre à procura de impressionar os mais velhos, de fazer parte. Custa-me vê-lo a esforçar-se tanto, tão pequenino mas deixo-o seguir. É muito, muito afectuoso: vai a gritar pela rua fora quando o levo à escola sempre que vê os colegas, quer abraçá-los a todos, mesmo à força!

Gosta de brincar, de andar de skate, bicicleta e trotinete, de me ajudar na cozinha mas do que ele gosta mesmo é do universo Star Wars. Quando começa a cantar o genérico com o pai, quando os dois passam Sábados inteiros a ver os filmes da saga, quando vê as referências aos filmes em todo o lado. Antes comia muito bem, agora afasta tudo o que não seja carne, massa ou arroz! Adora nadar, correr e delira mesmo com a competição! Para ele tudo é uma corrida, mesmo quando vamos os dois só lavar os dentes e por isso não sabe perder: é o pior perdedor que já conheci!

O meu bebé já não é um bebé - é um menino que anda na pré-escola, que quer escolher o seu penteado e a roupa todas as manhãs, que iria para a escola sozinha se nós o deixássemos! É um menino que já pensa na morte, que sonha com meteoritos e que quer experimentar todas as actividades radicais quando crescer. Incluindo beber café... E, mesmo com as birras que parecem numa mais acabar, esta é a melhor idade dele. É tão bom poder conversar, argumentar, vê-lo pensar e desenvolver o raciocínio, fazer piadas! Preferia que o tempo passasse com metade da velocidade mas já se sabe como é: hoje eles têm cinco anos, amanhã já foram para a universidade!

setembro 27, 2015

Mágico, mil vezes mágico!


De lágrimas nos olhos, ele disse qualquer coisa como "É tão importante esta quietude, este silêncio para celebrarmos a música. Obrigado por estarmos juntos neste momento de introspecção." E eu continuei de lágrimas nos olhos, como desde a primeira canção. 

Muitas vezes precisamos de ser salvos de nós mesmos. Muitas vezes precisamos de ser ensinados a sublimar as nossas pequenas tragédias pessoais, de encontrar beleza mesmo nos momentos mais dolorosos. E esta beleza torna-se quase insuportável se o fizermos em comunhão, um bando de almas reunidos em torno de um ser místico, irreal mesmo que à nossa frente. Pedaços de passado a marchar, saudades do tempo em que tudo era fácil e novo e especial, a dor de se perder alguém. E ele sentado ao piano, ele de guitarra na mão e aquela voz a encher toda a sala. Os ecos da melancolia, do passar lento dos dias, as cabeças que de repente se voltam para trás. Tudo foi doçura e aceitação, tudo fez crescer o nó na garganta e era como se eu tivesse atravessado montanhas para estar finalmente ali. Sentada, sozinha, um desastre em potência que nunca se cumpriu. As lágrimas contidas, a pele de galinha aos primeiros acordes de cada canção, entregue ao fascínio sem sequer resistir.

Ele disse que a música expressa o que não conseguimos apenas a falar. Não há pressa nem mundo, são só as crianças a correr lá atrás ou o movimento constante das ondas, o desfiladeiro donde se escapa o calor. Há o silêncio dele entre canções, os olhos fechados a sentir tudo uma e outra vez, a plateia suspensa da última nota do piano para rebentar em aplausos. Eu estive lá e parecia que podia tocar-lhe, a essa imagem que vive escondida em memórias, à voz que nos abraça e diz que, afinal, está tudo bem. Está mesmo tudo bem, vai estar tudo bem - penso, enquanto ainda me sinto a flutuar entre sonho e emoção.


setembro 24, 2015

Próxima estação: Esperança


Aqui chegou mais do que pontualmente.Ainda não tínhamos passado do vinte e um para o vinte e dois de Setembro e o Outono já cá estava.

É sempre difícil dizer-lhe adeus, sempre. Por mim era Verão o ano inteiro, se possível fosse. E este Verão foi especial, foram quase dois meses em Portugal, sempre de chinelo no pé, o céu sempre azul Alentejo, o calor. Posso não ter ido a nenhum sítio espectacular nem feito nada fora do comum mas este Verão foi muito importante para mim. Melhor do que toda a novidade, foi poder simplesmente estar num lugar seguro e protegido e poder estender essa sensação aos miúdos. Nem todos os dias foram fáceis e em alguns desanimei um pouco mas precisava mesmo desse tempo longe daqui.

Este ano tivemos Verão no Luxemburgo. Lembro-me que enchemos a pequena piscina dele ainda em Maio e fomos tendo dias bem quentes até irmos de férias. Comprámos uma ventoinha antes delas terem esgotado um pouco por todo o lado. Fomos ao lago de Madine para o miúdo nadar um bocado. Passeei muitas vezes com a pequena, o tempo convidava a sair. Ao contrário de outros anos, foi um Verão simpático mesmo aqui. Sem o calor luxuriante do meu Alentejo, sem dias de Sol a fio mas o melhor que podia ter sido.

Passam quase duas semanas que voltámos e só hoje consegui sair com ela para andar um bocado. Parece parvo mas acho que uma pessoa precisa de muito tempo para reorganizar a casa, as roupas, a bagagem que trouxemos e para se reorganizar também. Beber um café em silêncio em frente à janela da cozinha e aceitar que o cinzento vai ser o padrão dos dias. Levantar as persianas de manhã e desanimar um bocadinho quando se vê nevoeiro até ao chão ou a chuva que cai a potes. Ou então dormir de persianas levantadas porque afinal o Sol só nasce por volta das sete e meia. Aceitar que os dias ficam mais pequenos desde Junho e preparar o coração para o escuro e a neve. Abraçar a ideia de voltar ao trabalho no início do ano que já se avista lá ao fundo, deixando a vida de mãe a tempo inteiro para trás.

Eu gosto do Verão mas depois lembro-me de todas a abóboras, dos marmelos e romãs, das broas de milho da minha mãe, das florestas luxemburguesas a mudarem de cor, da chuva que me faz apreciar mil vezes mais a nossa sala (que já adoro!), das séries que regressam em catadupa, de pausarmos os passeios com um chocolate quente e bem, custa menos deixá-lo para trás. Até que chegue a neve está tudo (muito) bem.

setembro 14, 2015

Um adeus tardio



Foram quase dois meses de Sol e céu daquele azul único. Quase dois meses que acabaram na passada Sexta e que vão deixar imensas saudades.

Eu ia com o intuito de descansar muito. Tinha-o prometido a mim mesma, devia-o a mim e aos miúdos mas eles precisaram de mim mais do que esperava e há coisas que só uma mãe pode resolver. Eu ia a pensar que ia ter tempo, que ia ter silêncio mas foram poucas as vezes que consegui um pouco dessas coisas, verdadeiros luxos quando se é mãe de dois.

Visitas fiz muito poucas. Como o verdadeiro bicho do mato que sou, a ideia não era ser social: era respirar um pouco, era poder ter tempo para não ser mãe enquanto espreitava os miúdos mesmo ao lado. Mas até as poucas visitas e os encontros mais curtos me fizeram bem e me distraíram, que era tudo o que podia pedir.

Os meus pais foram tudo. Perdoaram as impertinências do mais velho e ampararam-lhe as birras; brincaram, jogaram dominó e Uno com ele, compraram-lhe gelatina e levaram-no ao parque inúmeras vezes; deitaram-no e tentaram não ceder aos seus caprichos. Encheram-me a pequena também de amor: acalmaram os seus sonos difíceis, roubaram-lhe sorrisos todas as manhãs, deliciaram-se com os banhos dela. Deram aos nossos filhos todo o mimo permitido aos avós mas elevado ao quadrado para compensar a distância. Fizeram de tudo para que eu descansasse, desligasse um pouco e só não tiveram mais sucesso porque a biologia é mais forte e eu não consigo desligar dos meus filhos.

Fiz os passeios que o meu coração pedia quase sempre em silêncio. Revolvi memórias e dores de crescimento, constatei mais uma vez como seria doloroso e, ao mesmo tempo, gratificante viver na cidade que me viu nascer. Só que eu, é sabido, nunca poderia ficar. É e foi sempre mais forte do que eu. No final, tinha saudades da minha casa, de estar noutro lugar, de ser apenas mais uma estranha.

Doeu regressar, depois de ser tão agraciada com o amor incondicional da minha família, também estendido aos meus filhos. Custou ver o mais velho a chorar porque não queria sair dali nunca. Custou deixar para trás o Sol e o azul para fazer o caminho de regresso à chuva e ao frio. Mas era uma viagem necessária, como era necessário que os meus filhos estivessem novamente com o pai.

Acabaram as férias e voltámos ao silêncio, à ordem, à disciplina e às nossas coisas. É o mal de não pertencermos verdadeiramente a nenhum sítio: queremos simultaneamente ficar e voltar. Sempre até à próxima vez.

setembro 07, 2015

Ver além do espelho *



Nota prévia: eu SEI que sou muito mais do que apenas o meu corpo.

Num destes dias, enquanto mostrava fotografias minhas antigas ao Vicente, encontrei algumas de 1994. Eu era assim em 94: tinha pouco peito mas uma barriga incrível e umas pernas tonificadas, coisas pelas quais estava disposta a pagar nos dias que correm.

Quando olhei para esta fotografia fiquei espantada: então mas um dia eu fui assim? Em 1994 tudo o que eu era parecia-me muito pouco, parecia-me insuficiente para os padrões exigentíssimos dos rapazes que eu conhecia e que, infelizmente para mim, definiam eles também o meu conceito de beleza. Em 1994 eu tinha um corpo impecável mas sentia-me deslocada, inadaptada, até rejeitada porque parecia que não tinha aquilo que era preciso (hoje penso nisso e não faço ideia do que era...). No entanto, eu tinha aquele encanto da juventude, a forma e a firmeza despreocupadas de quem não faz ideia do que trará a vida e alguns filhos depois. Eu era assim e fiquei com pena de mim com 13, 14, 15 anos porque nunca soube ver-me como realmente era.

Hoje já não dependo dessas ideias pré-feitas sobre como devem ser as mulheres: reconheço que continuam a existir ideais e padrões de beleza, compreendo que o meu corpo se afastou dos ideais mais generalizados do corpo feminino mas aceito, com algumas reticências, as mudanças do meu corpo. A tantos anos de distância (20 anos, caramba!) apetecia-me gritar ao meu eu com 14 anos: TU ÉS BONITA, SAUDÁVEL E SUFICIENTE! Mas como não o posso fazer, sinto que não vivi aqueles anos na plenitude de quem se olha com a dose certa de realidade e aceitação.

Hoje olho o meu corpo e vejo os sinais evidentes da idade de de duas gravidezes. Reconheço a necessidade de comer melhor e mexer-me mais. Relembro as minhas dores de crescimento, literais e metafóricas porque sei que essa história está escrita nas curvas a mais. E apesar de querer melhorar, apesar de querer aproximar-me do potencial que encerro em mim, sinto-me mais em paz e aceito com mais serenidade a passagem do tempo. Que bom teria sido perceber a mulher que era naquele tempo! Espero que daqui a uns anos possa olhar para trás, para os dias de hoje e objectivamente saber que era tudo o que poderia ser ou, pelo menos, saber que estava a caminho de me cumprir.

* um post com dedicatória à Ana, que olhou para a sua fotografia de há uns anos atrás e sentiu o mesmo que eu. Felizmente somos mais do que apenas isto :)