Há muito silêncio por aqui. Quer dizer, não é silêncio completo ou profundo mas o suficiente para me ouvir a respirar. Corrijo: não é silêncio, é apenas a ausência de azáfama e correria doutras cidades, doutros países. Aqui eu consigo viver devagar. Aqui as ruas estão misteriosamente vazias e as janelas desocupadas. Ouve-se o ruído interminável da auto-estrada ao longe, bem abaixo do bosque cerrado e frondoso onde também se esconde o cemitério. Ouvem-se as empresas de jardinagem que se multiplicam nas manhãs por todos os quintais e jardins das casas donde saem pessoas de meia idade em Porsches. Ouvem-se os corvos pousados ora nos jardins, ora nos telhados que esperam os primeiros flocos de neve com alguma antecipação.
Não sei se faço parte. Quando saio com a miúda, alterno entre a minha música ou os meus podcasts e o ruído da vizinhança. Os parques estão vazios e estranhamente silenciosos. Ao fundo, a igreja marca a passagem to tempo a cada quinze minutos. Parece que tenho sempre que morar perto duma igreja (ao lado da igreja na Taborstr. em Berlim, quase ao lado da Basílica da Estrela em Lisboa, a metros desta igreja em Howald - é este um sinal?). Cruzo-me com poucas pessoas nos nossos passeios de higiene mental: outro carrinho de bebé, a senhora que veio apanhar o correio, os senhores das obras sempre a esquecerem-se que o mais certo é que quem passa fala Português. O Outono chegou e bem até aqui, mesmo nas zonas com menos árvores. Está frio e às vezes Sol mas esta ausência de vida é transversal a todas as estações.
Numa janela vislumbro um piano. Nunca vivi perto de pessoas que podem e têm um piano em casa. Os jardins das traseiras alternam entre a simplicidade e os intricados trabalhos de arquitectura paisagística. Começo a ter vergonha do nosso jardim, coberto pelas folhas débeis da cerejeira que perdeu há muito o fulgor do Verão. É como se a relva, mal aparada mas verde, se estivesse a preparar para o manto de neve que ainda há-de chegar. Às vezes cai uma chuva muito miudinha, é de noite quando levo o miúdo à escola mas agradeço a escola ser no fundo da rua para nos poupar a percursos de carro. A carteira passa sempre à mesma hora e eu ouço o bater da nossa caixa do correio. Os homens do lixo passam sempre à mesma hora e eu ouço o caixote a voltar ao passeio, já vazio. Os nossos vizinhos já não trabalham e eu vejo-o da janela da cozinha, enquanto recolhe as folhas que se acumulam no seu lado da cerca. Aqui dentro, o calor da nossa casa. Aqui dentro, eu perco toda a vontade que alguma vez tive de sair. Não preciso, sou só eu e ela e podemos passar o dia em pijama. Aqui dentro, conto os dias para este silêncio acabar e, com alguma ansiedade num estado inicial, peço para o tempo demorar muito mais a passar.
2 comentários:
Muito bem escrito, Marisa!
O silêncio de que falas deve ser nas zonas residenciais. No meio do comércio é constrangedor assistir a certas conversas. Admito que, quando vamos ao Luxemburgo, falamos sempre francês entre nós. Ainda ontem o meu filho arregalou muito os olhos quando ouvimos, na fila da caixa, uma discussão: "Agora é assim, Claúdio! Quanto te ralhar e não parares, mamas com uma chapada nas trombas que é para aprenderes a não ser estúpido!". Até me encolhi... :(
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