São oito da manhã e estou sentada num autocarro com destino a Lisboa. Quase a partir, a manhã está fria mas há Sol e o céu está azul, o que parece explicar uma certa ponta de optimismo.
O autocarro avança e eu tenho Portalegre à minha esquerda e o Sol que nasce atrás das torres da Sé. Quero absorver o perfil da cidade uma última vezes, como em todas as vezes, mas só consigo fixar o olhar a espaços. Não consigo evitar chorar, não posso. Nunca quis aqui ficar mas penso em tudo o que já foi e tenho saudades. Estes dias foram tudo, foram catárticos, foram duros mas necessários. Fui sentindo ao longo da vida mas agora, aos trinta e seis anos, vejo claramente o amor incondicional que os meus pais sentem por mim e aspiro apenas a poder oferecer o mesmo aos meus filhos.
Perdi-me algures no caminho e tem sido difícil reencontrar-me. O autocarro avança e eu abandono-me à paisagem, às azinheiras ou sobreiros que nunca soube distinguir, à geada que cobre os campos verdes com o seu manto macio, às vacas que pastam alheias ao que se passa à sua volta e imagino este silêncio lá fora.
É possível que muita gente não entenda por que raio estou eu sentada sozinha a caminho de Lisboa e isso, apesar de não ter importância, incomoda-me um pouco. Já não me lembrava como era fazer uma viagem tão lentamente, sem a necessidade de estar perto do volante. Já não me recordava do que era ter tempo para pensar, do que era mergulhar neste estupor, de ver alternar terras lavradas com parcelas por lavrar, de adivinhar ribeiras e riachos, de cobiçar casas abandonadas e em ruínas. A paisagem lá fora é um filme mudo e os meus problemas são ridículos, envergonha-me chamá-los problemas. Como se estivesse sempre ao meu alcance controlá-los.
Talvez há mais de dez, doze anos não faça uma viagem assim. Na única paragem do caminho, o ridículo dos amores que se escrevem nas portas das casas de banho, na esperança... Na esperança de quê? Respiro fundo, muitas vezes. A minha missão é apenas apanhar ar. Não quero (não posso) falar, não quero partilhar, simplesmente preciso de espaço. Daquele mesmo que tinha em demasia quando eu era só uma e tinha apenas a responsabilidade (facílima, vejo hoje) de tratar de mim. A vida enfiou-me numa espiral perigosíssima e eu estou agora à tona, combatendo a profundidade com as minhas parcas forças. Por isso, olho pela janela. Às bermas constantemente cheias de lixo, junta-se a barragem tão em baixo, o desleixo das casas à beira da estrada, o piso bom e o piso por renovar, o Sol esconde-se atrás de nuvens, ainda há ribeiras a correr e os ciganos ainda se sentam na rua em acampamentos improvisados. Toda a vida continua, não há tempo para olhar para trás. Porque haveria eu de parar?
(* uma série de posts em diferido, para não atrapalhar o curso da história)
1 comentário:
Querida, como sempre um texto muito bem escrito, só não gosto da depressão que parece indiciar... Do meu ponto de vista só a falta de saúde é grave, o resto resolve-se! Bjis
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