abril 28, 2016

Uns são mais iguais do que outros

Trabalho numa equipa onde sou a única mulher. É verdade que a minha empresa é maioritariamente masculina, dada a natureza do negócio, mas a minha equipa é das mais afectadas pelo desequilíbrio de género. Dela faziam parte no passado outras duas mulheres mas, como trabalhavam a partir do escritório de Londres, eram como que invisíveis para mim.

Sempre gostei de trabalhar com homens. São, no geral (e sublinho no geral, porque sei perfeitamente que existem as excepções à regra), menos complicados, mais focados no trabalho e menos distraídos com os fait-divers pessoais e profissionais. Nos meus dez anos de trabalho, a competição menos saudável a que pude assistir teve sempre origem em mulheres mas se calhar tive azar. Ou sorte, depende da perspectiva.

Mas cheguei ao ponto em que tenho uma ponta de saudades de trabalhar com mulheres. Tenho saudades da sensibilidade e ponderação, tenho saudades da humanização dos números e gostava de não ser a única mulher da equipa. Ser uma mulher numa área comercial que se especializa em hardware e, especialmente, em software é extremamente difícil. Entra-se para reuniões e é preciso combater os olhares que desconfiam que sejamos competentes para a posição com a única postura possível: a de que somos as melhores, de que não existem dúvidas que nos atormentem, que somos profissionais capazes, mesmo quando a coisa se torna tecnicamente mais complicada. Na minha responsabilidade geográfica (a Península Ibérica), os clientes que participam nas reuniões são também eles maioritariamente homens, directores de finanças ou de informática, gente que também já viu muito mundo mas que nem assim se consegue livrar da ideia de que a mulher é um bocadinho menos capaz do que o homem e que pede a presença de um técnico da reunião porque se sente "mais reconfortado". Mesmo que eu lhe pudesse explicar exactamente o mesmo.

É verdade que há aquele momento em que sinto a satisfação de poder levar o processo do início ao fim sem precisar de uma benção masculina e a euforia de ser tratada de igual para igual. Eu não devia sentir isto em 2016. Eu devia apenas ficar feliz quando cumpro as minhas funções como esperado e eufórica quando supero as minhas expectativas. Mas nem tudo é mau e é claro que muita gente me considera suficientemente competente na minha área. Só que às vezes ponho-me a pensar que, se para mim é difícil vingar numa posição privilegiada num país de primeiro mundo, para mulheres em situações verdadeiramente desfavorecidas deve ser o pesadelo total. Faço o que posso para lutar contra este estigma: preparo-me bem, admito quando tenho dúvidas, procuro respostas, raramente vacilo. Mas há dias em que uma mão feminina me fazia muita, muita falta. Nem que seja para falar da filharada mas para sobretudo eu sentir que não estou sozinha entre as feras.

abril 20, 2016

Primavera, és tu?


Eu sei que é parvo mas vocês entenderão. Caramba, foi a primeira vez que saí de casa sem casaco nuns bons sete, oito meses! Dei-me ao luxo de ir buscar os miúdos a pé, ele de trotinete, ela no seu carrinho, todos a carregarmos as baterias de vitamina D. Se eu vos disser que ainda há dois dias se previa neve para todo o fim de semana, vocês perdoam-me o histerismo? Lembrem-se que estamos quase em Maio e as temperaturas mínimas ainda são negativas. Pensem em mim, carregada com as coisas do dia, uma miúda ao colo, um gaiato pela mão, a chegar ao carro quase em Maio e ainda ter que raspar o gelo de todos os vidros do carro. Imaginem que ainda não tive coragem de guardar aquecedores e desligar o aquecimento central porque tenho tido tanto frio nos últimos dias. A alegria desmedida é justificada. Mesmo que amanhã já não haja Sol. Ou que caiam mesmo uns flocos de neve. O que importa é que hoje o dia trouxe Primavera!

abril 13, 2016

Sete anos de muita coisa

Faz hoje sete anos que começámos a namorar. Acho que não o sabia muito bem nessa altura mas já estava a acontecer. O meu avô paterno fazia oitenta e muitos anos neste dia mas já não estava em condições de celebrar. O meu avô materno havia de morrer dois dias mais tarde e nunca me hei-de esquecer de como aquele que é hoje o meu marido tentou amparar-me a queda e prepara-me para o que estava a acontecer. Enviou-me uma mensagem, com todo o amor e carinho que sempre lhe conheci, dizendo que me devia preparar e que a partida do meu avô estava para breve. Um mês antes disso, a sua mãe tinha também partido.

Comemorar o nosso dia nesta data traz-me mixed feelings. Por um lado, a alegria serena de saber que estou com a minha pessoa, a mesma que nunca desistiu de mim, que insistiu e peserverou até roçar o chato, que decidiu que iríamos ter filhos juntos (mesmo quando eu gritava Que horror!), que sempre gostou de mim de uma forma desinteressada e aberta, que nunca desapareceu. Por outro lado, é impossível esquecer a atmosfera em que vivemos este começo: tanto luto, eu e ele, o meu avô materno quase a morrer, o avô paterno debilitado por acidentes vasculares cerebrais consecutivos, a mãe dele já a olhar por nós noutro sítio melhor, as igrejas frias, a comida que os amigos nos levaram a casa como conforto, a chegada a casa noite cerrada e toda a gente à nossa espera para podermos chorar abraçados.

Foi difícil não confundir o princípio da nossa relação com a profunda carência afectiva de que sofríamos os dois naquela altura. Foi difícil distinguir o que era o abraço amigo e o sólido apoio moral do que era o romance que se insinuava entre nós há algum tempo. Mas a verdade é que passaram sete anos e nós continuamos aqui, enquanto os meus avôs e a sua mãe nos espiam lá de cima. Eu não quero misturar as coisas, nem quero tirar importância a tudo o que vivemos naquela altura mas a verdade é que, no meio do nosso bem querer, havia muita dor.

Nunca tive uma relação tão longa. Sete anos impressionam-me, especialmente se prestar atenção ao padrão do que são as relações hoje em dia. Sete anos passaram num instante, mesmo que nos dias maus o tempo pareça não se mover. Sete anos, dois filhos, uma mudança de país, uma nova casa, muitas viagens - talvez o meu marido seja mesmo a minha maior riqueza. É a pessoa mais lúcida e justa que conheço (pai e mãe, vocês não contam, tá?), é o marido mais realista. É engraçado mesmo quando não tem graça nenhuma e a isso devo não ficar zangada com ele por longos períodos de tempo. Quando éramos amigos, muita gente não o entendia e eu ficava triste. Agora, se alguém não o entender, não me importo porque eu sei exactamente como ele é e acho que quem não o compreender é que perde. Tem os seus defeitos (olá, divisão igualitária das tarefas domésticas!) mas nós divertimo-nos tantos com as pequenas estupidezes do dia a dia que nos vamos arranjando como podemos. Às vezes ele quer estar sozinho e nós perseguimo-lo porque gostamos muito de estar com ele - ele chateia-se um bocado mas logo se desfaz em graças para a pequena e em desafios para o mais velho.

Não sei se vamos estar casados para sempre mas gosto de pensar que sim. Não sei se a vida nos vai mudar, se vamos deixar de querer fazer planos a dois, se vamos continuar a rir das mesmas coisas mas espero que estejamos juntos por muitos e longos anos. Porque eu acho que só eu é que aturava um chato destes e só ele é que podia aguentar com a montanha russa de emoções que foram este sete anos para mim. E por isso, sinto que estamos feitos um para o outro, mesmo nos dias em perco um pouco a fé no amor. Não no nosso, mas no que vejo por aí. Pelo sim, pelo não abrimos hoje uma garrafa de vinho e celebramos as bodas de lã :)

abril 07, 2016

A música acaba mesmo aos 33?

Tinha ouvido falar disto há uns tempos mas nunca me tinha debruçado muito sobre o assunto. Acho que nunca quis pensar muito nisso porque, no fundo, sei que é verdade. Há um estudo que conclui que deixamos de ouvir música nova aos 33 anos (encontram o link aqui). A caminho dos 37, não sei muito bem o que pensar.

Um dos factores que contribui para esta diminuição da procura pelo novo são os filhos, claro, mas o autor do estudo sugere que isto acontece porque começamos a ouvir mais músicas infantis (para lhes fazermos as vontades). Ora, aqui em casa, não é essa a razão para não conhecermos o último êxito ou a banda mais indie de todo o sempre. A verdade é só uma: não há tempo para música nova, quando se tem dois filhos, um emprego e nenhuma ajuda por perto.

Eu explico a minha perspectiva. Quando andava na universidade e não tinha gravador de cds, confiava num colega meu que me gravava cds mas sem me perguntar o que eu queria ouvir: ele decidia se era qualquer coisa que eu ia gostar e gravava na mesma, eu que me desenrascasse. Depois, quando eu ainda era solteira e uma miúda sem filhos, chegava a casa depois do trabalho e esticava-me no sofá. Muitas vezes ali ficava até serem horas de dormir mas tinha o computador no colo e saltava de site em site, de comentário em comentário, de sugestão em sugestão até encontrar a última novidade. Muita música nova me aparecia no computador porque tinha apenas gostado da capa do cd ou porque saía uma crítica porreira nas páginas do Ipsilon e, mais tarde, porque apareceram serviços como o Last.fm, que fazia o favor de analisar o que andávamos a ouvir e nos sugeria música parecida. Conheci muitas pessoas com base na música nova que sempre procurei e a todas elas agradeço o facto de me terem ajudado a ver/ouvir/sentir mais coisas.

Mas chegou o primeiro filho e os meus tempos livres passaram a depender dele, não apenas de mim. As minhas noites mudaram também desde há cinco anos e meio: não dormir uma noite seguida desde aí fez com que, na maioria dos dias que se seguiram, eu tivesse pouca ou nenhuma paciência para procurar o Novo. E depois chegou o segundo filho e as coisas complicaram-se ainda mais. O tempo precisa de estar de tal maneira compartimentalizado agora que me sobra pouco tempo para as velhas coisas que me faziam mais feliz. Acho que já aproveito bastante bem o tempo e tento perder o menos possível em frente à televisão sem propósito definido mas não dá para me sentar e navegar sem destino no mar de bandas novas e da moda como antes fazia.

É por isto que não queria admitir mas, musicalmente falando, estou velha e a agarrar-me mais e mais à música que, no passado, já me fez feliz. Não tem mal nenhum, eu continuo a achar que é música boa e muita dele nem sequer envelheceu por aí além mas tenho pena de estar a perder esse combóio - o puro e simples Fear Of Missing Out. Aposto que muita gente acha que é perfeitamente possível manter tudo ao mesmo tempo - casa, filhos, trabalho, maridos e mulheres, últimas tendências da moda/dos livros/da música/das séries/dos filmes. Para mim, infelizmente, não dá e, tendo precisado de escolher, escolhi estar presente no aqui e agora, escolhi tentar manter o ténue equilíbrio entre ser uma pessoa e ser uma mãe e tem resultado mais ou menos. E só por isso, deixo aqui três das minhas músicas preferidas de todo o sempre, mesmo que todas tenham sido gravadas antes do ano 2000. Que se lixem as the next big things