maio 31, 2016

Falar menos e melhor

O meu desencanto crescente com as redes sociais levou-me recentemente a concluir que tudo o que eu quero ser, neste momento, é neutra. Por um lado, temos as pessoas que se indignam com as coisas mais absurdas (José Cid e Trás-os-Montes, Henrique Raposo e o Alentejo, o gorila abatido para salvar uma criança... and so on, and so on), partindo mesmo para os insultos e até para as ameaças de ofensas corporais. Parece que vivem para estes momentos, para cuspir todo o fel que vão acumulando sabe-se lá como, para demonstrar uma superioridade virtual sem qualquer valor, para exorcizarem os demónios do seu quotidiano. Imagino a raiva que lhes corre nas veias enquanto escrevem os comentários agressivos, desprovidos de qualquer bom senso, convencidos de que agora vale tudo e tudo implica ameaçar de morte até a família dos implicados e todo o tipo de impropérios em nome da liberdade de expressão. Não há qualquer discussão construtiva, pensada e repensada, não existe consideração pelos interlocutores, não há civismo nem respeito pela ortografia: há apenas a agressão gratuita, o sangue que ferve por tudo e por nada, o tempo perdido com fait divers, enquanto o Mundo continua a acontecer lá fora. Toda a gente sabe que as caixas de comentários internet fora são um caso de estudo, tal é o tamanho do ódio, do desprezo e da falta de empatia de quem por lá paira. Muitas vezes, preciso de deixar de ler comentários para acabar com o mal-estar que a falta de humanidade me provoca.

Mas também há o lado oposto, o lados dos yes-men e yes-women. Aquelas pessoas que concordam com tudo e que precisam comentar a dizer que têm a mesma peça de roupa ou que já foram ao mesmo restaurante, como se isso fosse importante para a sua validação. Quero acreditar que não escrevo para gerar esse tipo de consenso oco, fabricado - antes, quero apenas partilhar ideias, materializar o que me muitas vezes me atormenta/alegra, cristalizar momentos tão diversos da minha vida. De qualquer maneira, não tenho esse público e não sou esse modelo de pessoa. E não aguento tanta gente a perguntar de onde é o casaco e onde é que se comprou a louça e onde é que podem encontrar o mesmo papel de parede. Parece que hoje algumas pessoas perderam a capacidade de pensar por si, de partir à descoberta das coisas que os fazem felizes, de procurar lojas de decoração e vagas de emprego, de arriscarem a ter gosto pessoal.

Tenho cada vez menos vontade de opinar sobre qualquer coisa. Por um lado, não quero reagir intempestivamente, acusar e esquecer-me de que nem sempre conhecemos as razões dos outros. Quero pensar e ponderar as minhas reacções, quero trabalhar na minha empatia e lembrar-me que um dia também me pode acontecer a mim. Não quero ser injusta nem arrastar outras pessoas para o lamaçal das críticas sem fundamento. Também não quero saber onde compraram a saia, a mala e o caderno - posso apreciá-los, elogiá-los mas não preciso que sejam meus. É claro que meço as minhas palavras e muitas vezes não escrevo tão livremente porque sei que há um público que me lê mas também não quero ser escrava desse público. Não quero ser exemplo para ninguém (bem, talvez para os meus filhos) nem quero precisar dos outros para me sentir válida. Sinto-me num momento importante das redes sociais, num cruzamento em que devo escolher entre partilhar abertamente e limitar essa partilha e cada vez pendo mais para esse encerramento sobre mim mesma. Porque estou cansada dos justiceiros sociais que não lutam pelas causas fora da internet e se indignam azedos, com a sua falta de humor. E também dos seguidores cegos, para quem um estranho é um modelo de virtudes e de perfeição. Dá para criarmos a Suiça da internet?

maio 30, 2016

Luxemburgo-Lisboa-Portalegre-Lisboa-Luxemburgo


É muito mais fácil queixarmo-nos, eu sei. É tão mais fácil sucumbir à crítica pela crítica, deixarmo-nos afogar num mar de pessimismo, esquecimento e ingratidão. Deixei de comer na cozinha com outros colegas exactamente para não ser arrastada para esta espiral de queixumes em que se tinham tornado os meus almoços. Não sou pela corrente de optimismo e crença profunda no karma mas a experiência tem-me ensinado que mais vale apreciarmos o que temos, mudar quando não nos sentimos confortáveis, agir sempre que for necessário - em vez de chorar a falta de mudança. Mesmo este ano, quando estive menos certa daquilo que estava a fazer, comecei a mover-me para encontrar uma alternativa que, no fim, não foi necessária. Mas procurá-la era fundamental para sentir que estou no controlo da minha vida. Não sou cega nem sou tão facilmente influenciável que chegue a pensar que trabalho na empresa ideal. 

Trabalho aqui há quase quatro anos e vi muitas coisas a acontecerem, outras tantas a mudarem - muitas drasticamente. Pessoas entraram e saíram, o negócio deu uma cambalhota ou duas mas a essência dos seus princípios e, acima de tudo, a competência e humanidade dos seus funcionários raramente foram abalados. Muitas vezes desejei não trabalhar com certas pessoas ou achei que a estratégia não seria a mais acertada mas se fiquei, foi porque acredito neste projecto e porque, uns dias mais, noutros menos, sinto-me em casa. Posso vir trabalhar descansada porque o ambiente não é hostil, porque a competitividade pouco saudável não existe, porque entendem que às vezes a família fala mais alto, porque há quem acredite em mim. Deixar tudo isto só para ir procurar mais dinheiro ou um status social diferente seria um erro. Ainda bem que parei a tempo. E depois há sempre aquela coisa espectacular de ter de viajar em trabalho... para Portugal. Ser responsável por um mercado que coincide com o meu país de origem é mais do que podia pedir num emprego no estrangeiro. Poder falar a minha língua, conhecer bem a realidade do país, orgulhar-me do que já conseguimos fazer in loco - isto não tem preço. 

Na semana passada, pude passar quatro dias em Portugal, em que dois foram turismo puro, porque coincidiram com o fim de semana. Abracei a minha família, vi alguns amigos, comi bem e até quase não aguentar mais, trabalhei sempre que pude e trouxe boas notícias para casa. Só não trouxe o bom tempo, o peixe fresco, as festas de Lisboa, as festas de Portalegre, os filhos dos meus amigos, a minha irmã e os meus pais, a minha rua e os meus vizinhos que, depois de dez anos, ainda são capazes de não me conhecer quando nos cruzamos na rua. Não trouxe o silêncio de Portalegre, o humidade de Lisboa, os turistas a perder de vista e as esplanadas onde apetecia estar - em troca, voltei para as trovoadas, a chuva forte, a Primavera que teimou em não aparecer e o Verão que parece ainda estar longe. Mas voltei para os braços da minha pequena família, que já sentia a minha falta. E voltei para o escritório onde, uns dias mais, outros menos, a gente me quer bem. 

Há-de haver mais viagens, mais negócios à minha espera, hei-de poder juntar mais vezes o útil ao agradável. E agradecerei, sem floreados e crenças no destino, poder continuar assim a trabalhar. Porque às vezes é preciso estar no sítio certo à hora certa. E noutras há que trabalhar para agarrar essa fortuna.

maio 20, 2016

Filhos, filhos... Filhos por todo o lado!

Três cromos do Euro 2016 entre os tapetes do carro. Um boletim de vacinas e uma bola de borracha dentro da mala. O desenho tosco de um tubarão a sorrir como protecção de ecran. A trotinete quase à porta da rua. A árvore genealógica com colagens e fotografias mal cortadas à porta de casa.

Há uns tempos atrás (o que me parece hoje uma eternidade, diga-se de passagem), fui criticada porque o meu blog tinha deixado de falar sobre aventuras, dores do coração, amores não correspondidos para me dedicar mais ao filho que me tinha acabado de nascer. Na altura, fiquei triste porque queria continuar a ser a mesma rapariga livre que podia sair para concertos ou encerrar-se em casa, podia viajar sozinha, sofrendo ou florescendo de amor. Fiquei triste porque alguém me estava simplesmente a fazer ver que eu tinha mudado, uma ideia a que eu parecia simplesmente estar a resistir.

De há uns tempos para cá, aceitei finalmente que não posso (nem quero) ser a mesma pessoa que começou a escrever este blogue. Detesto a ideia de me tornar apenas numa mãe mas acho que é saudável admitir que os meus filhos são uma parte (muito, muito) importante da minha vida sem que isso anule a pessoa que eu quero ser e para a qual tenho trabalhado muito. Não quero ser a mulher que se deixa atropelar pelos caprichos dos meus filhos: quero poder fazer-lhes muitas vontades, ao mesmo tempo que quero fazer o mesmo por mim. E pelo meu marido, claro. Quero ter tempo para brincar deitada no chão e para beber um copo de vinho, para pintar páginas intermináveis de livros de colorir e acompanhar as séries de que mais gosto, levá-los aos aniversários dos amigos e levá-los a ver o Mundo, inventar jogos infantis e conversar com outros adultos. Não quero que um dia os meus filhos saiam de casa e eu fique mais vazia do que é suposto ficar.

Eu tenho lutado por manter este equilíbrio, embora já tenha percebido que enquanto os filhos forem pequenos, ele será mais ténue. Mas não posso evitar vê-los em todo o lado porque eles têm esta maneira subtil de se insinuar em todas as coisas, de deixar pequenas lembranças nos sítios mais inusitados, de ter conversas de que me lembro e vou rindo ao longo do dia. No outro dia, começou uma trovoada e a primeira coisa em que pensei foi que o Vicente tem medo e em como gostava de estar com ele para o tranquilizar. Uma pessoa pode lá escolher quando não quer ser Mãe ou quando precisa de tempo sozinha - os filhos estão em todo o lado e sempre quando menos se espera.

E é quando penso que, daqui a não muito tempo, eles não vão querer estar tanto conosco (como todas as crianças, diria eu) que decido: abraçá-los é aqui e agora, fazer-lhe cócegas não pode esperar, as suas ideias inocentes mas criativas transformam-se na melhor conversa. Temos todos tempo de nos voltarmos para dentro à procura de quem somos. Por isso, permito-me que eles invadam a minha vida, todas as assolhadas da nossa casa, os meus pensamentos, o carro e mais a mala. Um dia volto a ser só eu mas há-de ser sem me arrepender de ter sido mãe a toda a hora.

maio 06, 2016

Nem só de chuva se faz a nossa Primavera


Um dia de férias só para mim. Eu sei que podia ter ficado, pelo menos, com a miúda mas decidi levá-la para a creche na mesma. Um dia só para mim, sem estar doente ou ter qualquer responsabilidade a cumprir. Ainda mais incrível, se pensar no tempo que faz hoje.
 
Saí de casa às nove da manhã. Ir a pé para o centro da cidade estava fora de questão porque ainda é um bocadinho longe mas decidi deixar o carro em casa e pus-me a caminho do autocarro. Headphones na cabeça, uma playlist das minhas e aquela disposição que só um dia de Sol traz. Meti uma carta no correio, passei pela escola do miúdo onde ainda havia silêncio. Quinze minutos de autocarro e estava no centro da cidade do Luxemburgo. Havia gente por todo o lado, pessoas a caminho dos intermináveis escritório, turistas, sem abrigo que se têm multiplicado por aqui nos últimos tempos. Obras por todo o lado, limpeza de ruas, fornecedores a descarregar mercadorias, montras a serem compostas - esta cidade está viva!
 
Senti uma ponta de orgulho quando vi a bandeira do Luxemburgo a ondear debaixo deste incrível céu azul. Pensei no que sentem os Luxemburgueses pelo seu país, pela sua cultura e, culpada, percebi que também já vou partilhando um pouco deste mal do coração. Quanto tempo precisamos de viver num sítio até que ele se torne também nosso? Quatro anos são suficientes, vai-me parecendo. Esta cidade não é nenhuma Lisboa (nenhuma cidade se lhe compara!) e este país também não é nenhum Portugal mas é difícil combater o efeito da Primavera que já vai tardando: agradeço poder estar aqui, estável e segura, espalhando o meu amor aos quatro ventos e guardando este país pra sempre no meu coração.

maio 04, 2016

O futebol também ensina!


Nunca tinha pensado nisto até que estive com ele sentada, a colar cromos: uma caderneta é uma óptima maneira de aprender coisas!

Compramos-lhe cadernetas mais pelo prazer de as completar e de abrir as carteirinhas e ver se tivemos sorte ou, se pelo contrário, só nos saem cromos repetidos. Não é exactamente pelo nosso grande amor ao futebol: aqui em casa, vêem-se de vez em quando os jogos grandes mas nunca organizamos a nossa vida em função do futebol. (Quando vejo a doença com que os meus colegas gostam de bola, agradeço aos céus ter um marido totalmente neutro e ponderado mas isso já foi assunto de outro post!). Mas a verdade é que é giro completar as equipas e saber um pouco mais dos grandes campeonatos (do Mundo ou da Europa) que já passaram e dos que estão prestes a começar.

Então, esta semana levei umas carteirinhas para casa e sentei-me com o miúdo a colar cromos antes de jantar. Organizei-os primeiro e ia-lhe passando um a um para que os colasse e foi aí que percebi que é uma tarefa que obriga ao desenvolvimento de umas quantas competências: primeiro, os números - é preciso saber a ordem em que aparecem as equipas, entender números com um, dois e três dígitos, separar os que já são repetidos. De seguida, temos as bandeiras que ele adora decorar, juntamente com as pequenas fotografias sobre os monumentos mais famosos de cada país, que ele assume que já visitámos. Depois, vêm os nomes - não só ele tenta identificar a posição dos cromos pelos números mas também pelos nomes dos jogadores, comparando o que está no cromo com a caderneta e tentando, à maneira ingénua e atabalhoada dele, ler o que lá está escrito. Mesmo em albanês. E a verdade é que, à custa de tanta tentativa, já percebe algumas combinações de letras e consegue descobrir outras. E finalmente, ainda pode treinar a motricidade fina, enquanto descola os autocolantes e os cola o mais correctamente possível na caderneta.

O bom disto tudo é que, se ele realmente está a aprender alguma coisa, é unica e exclusivamente por sua própria iniciativa. Eu cheguei a estas conclusões por acaso, não tinha nenhum plano mirabolante para que ele retirasse isto tudo duma actividade tão banal. E esta sua curiosidade, sei-o hoje mais do que nunca, é o que realmente quero que ele nunca perca. Porque ser curioso e aberto ao mundo é meio caminho andado para o seu desenvolvimento saudável e para ir sempre mais longe. De certeza que aprender mais e mais lhe custará menos se ele mesmo quiser sempre saber mais.