outubro 27, 2017

VLOOKUPs e outras funções que tais

A minha saga profissional continua. Parece que quanto mais tempo trabalho, mais me vou afastando do que sonhava fazer.

Na minha inocência de criança, queria ser professora. De Inglês, de preferência, que era a minha grande paixão. Não admira: o Inglês está por todo o lado - filmes, televisão, música, livros, tudo coisas que eu sempre consumi avidamente. Não me lembro de querer ser outra coisa. No liceu, juntou-se-lhe o Alemão porque era assim o grupo de ensino, Inglês e Alemão, e porque eu tinha queda para as línguas. Mas quando começou a faculdade, tudo mudou. Durante um tempo ainda achei que ia fazer as cadeiras pedagógicas e passar pelo estágio mas dei um trambolhão metafórico que me fez perder o Norte e demorei nove anos a fazer o curso. Em algum momento, que não consigo isolar ou definir, deixei de querer ser professora e passei a sonhar com alguma coisa na área da cultura. A escrever, se pudesse ser.

Mas depois começaram as contas, as responsabilidades. Os meus pais levaram-me ao colo durante nove anos (mesmo depois daquele trambolhão), o que nunca lhes poderei agradecer de maneira satisfatória, mas tinha chegado a hora de me fazer à vida. Muitos dos meus colegas seguiram a via do ensino mas creio que muito poucos acabaram professores no sistema de ensino público. Outros seguiram tradução e safaram-se melhor. Muitos de nós terminámos a fazer simplesmente pela vida, um emprego que (se calhar) era para ser temporário e acabou a condicionar os anos que se seguiram.

Trabalhei em cinco ou seis sítios diferentes, na maior parte dos casos em posições ligadas ao apoio ao cliente, quer directo ou indirecto. Sempre que tive tempo, comecei pela posição mais básica e fui trepando pela cadeia hierárquica a pulso, mesmo quando não sabia criar um relatório ou fazer uma apresentação em público. Cheguei à empresa em que trabalho agora e fui apanhadas em sucessivas cambalhotas: primeiro, um conhecimento técnico que não tinha e fui obrigada a obter à força; depois, passar para uma área totalmente distinta, para a qual não tinha formação (as vendas) mas sobre a qual aprendi milhões com os meus colegas de equipa. E agora, um regresso aos bastidores para ajudar a equipa a fazer mais e melhor, para ajudar a empresa a compreender quem são os nossos clientes. Só há um pequeno problema: são ficheiros intermináveis de Excel com centenas de milhares de linhas, são análises que me vi obrigada a aprender sozinha (obrigadinha, Google), é lidar com o peso opressor dos números.

Eu sempre quis escrever. E nunca fiz nada por isso, há quem diga e com muitíssima razão. Despertei para essa paixão tarde demais e agora é difícil uma pessoa ser paga para escrever. Isto se não quiser viver de fazer publicidade, claro, porque se for para vender produtos, há aí muito boa gente. Eu sempre sonhei escrever, não aqui, não apenas num blogue, mas um livro a sério, sem que fosse preciso pagar para o editar. E agora vejo-me a braços com ficheiros de Excel que nunca mais acabam. Pelo contrário, têm apenas tendência a multiplicarem-se. E, que remédio, contento-me em escrever na minha cabeça ou um post aqui e ali. E no fundo aprendi uma coisa muita importante sobre mim: eu gosto é de trabalhar. Invejo aquela malta que consegue viver daquilo que gosta. Mas por enquanto, só ainda plantei uma árvore e fiz três filhos. O livro fica para depois.

outubro 19, 2017

Augusto: nove meses dentro, nove meses fora

Para mim, é uma data quase tão importante com o primeiro ano de vida. O meu pequenino Augusto, o meu ratinho apressado, cumpre hoje nove meses fora da minha barriga!

Ao terceiro filho, tudo devia ser mais fácil. Dormir devia ser canja, sentar-se devia ser canja, comer devia ser canja. Eu já me devia ter acostumado às noites sem dormir, não devia ter dúvidas nem medos irracionais, devia saber sempre interpretar o seu choro - devia saber sempre o que fazer. Mas o meu Augustinho veio lembrar-me que o terceiro filho é, tantas vezes, como o primeiro (e o segundo): uma pessoa totalmente diferente, com o seu próprio temperamento e personalidade. A única coisa que os meus filhos partilham como característica é o facto de terem demorado uma eternidade a dormirem bem. E o Augusto ainda está a trabalhar nisso.

Levei-o sempre para todo o lado, já fez milhares de quilómetros de carro como um valente, já voou como os irmãos (estar longe tem, pelo menos, o benefício de um baptismo de voo bem cedo!). Nasceu antes do tempo e pequenino mas o tempo se encarregou de o fazer crescer devagarinho. Eu bem quis acabar com a amamentação mas ele não deixa e parece que gosta hoje de mamar mais que nunca. Secretamente, fico feliz por ser assim, por poder prolongar este laço, mesmo que isso me roube ainda muitas horas de sono.

Passámos oito meses juntos e foi o bebé mais fácil dos três. Na unidade de neonatologia, era o bebé que menos chorava: só não gostava quando o despíamos para mudar a fralda mas fora isso não me lembro de o ouvir a chorar. Às vezes estávamos em casa e eu esquecia-me que ele também estava ali porque não o ouvia. Ainda me olha como quem está sempre feliz por me ver uma e outra vez, com aqueles olhinhos castanhos sempre a brilhar. Já se entretém com os seus brinquedos, sentado ao pé de nós e gosta pouco de estar sentado na cadeira, a não ser que veja que vem lá comida. Quer literalmente mexer em tudo o que entra no seu campo de visão e delira a chapinhar no banho.

Tem os dois irmãos muitas vezes a fazerem palhaçadas para ele se rir. E não lhe falta muito amor: dos irmãos, dos avós e dos tios mesmo longe, da pessoas que se cruzam com ele na rua e não resistem àqueles olhinhos de azeitona. O pequeno Augusto veio lembrar-me que ser mãe é um papel sempre inacabado, que todos os filhos são diferentes e muito especiais, que eu me posso sempre superar-me. E agora, a todo o vapor em direcção ao primeiro ano! De preferência, a dormir durante as noites mas havemos de lá chegar!

outubro 11, 2017

Nick, uma história de amor tardio



Li esta semana no blogue da Marta: percebi que aprendemos certas matérias com mais antecedência do que o nosso cérebro tem capacidade para as entender. E eu diria ainda mais: ouvimos e lemos muitas coisas em alturas da nossa vida em que não estamos preparados para compreendê-las.

Comigo aconteceu com alguns artistas e com alguns livros: cheguei a eles cedo demais. Não quer dizer que agora os compreenda na sua totalidade mas o passar do tempo ajudou-me a ter menos menos do desconhecido, a aceitar melhor a diferença nos outros, a ter mais tempo para pensar e digerir tudo o que consumo, culturalmente falando. E há uns tempos cheguei, finalmente, a Nick Cave, não só através da sua música, mas também através do documentário 20,000 days on Earth. Num mundo em que cada vez mais é o plástico e o vazio de ideias/carácter/personalidade que imperam, foi quase um alívio ver um documentário sobre um homem que, apesar de normal, se move num misto de escuridão e luz insuportável. Vê-lo criar, cantar e ensaiar, vê-lo no seu ambiente natural provou-me que nem sempre os ídolos têm pés de barro e ainda há quem justifique o hype.

Ontem pude vê-lo ao vivo. E vi-o de tão perto que, por momentos, me parecia estar a sonhar. A certa altura, o Mário chama-me e diz Olha, ele vem mesmo na nossa direcção! e no meio da multidão incrédula, de impecável fato e tão branca como um fantasma, uma espécie de aparição. Os olhos pequeninos, a camisa meio aberta, as mãos sempre à procura das mãos do público, a ironia sempre pronta a envergonhar quem, como eu, queria guardar o momento em vez de apenas o apreciar. Há muita dor na maneira como canta, pode sentir-se. Há um filho que já não vive e de cuja morte foi difícil recuperar. Ouvem-se os excessos da juventude, mistura-se luxúria com religiosidade, solta-se urros do fundo do ser, sussurram-se histórias ao microfone. Um concerto de Nick Cave é todo surpresa: a maneira desconcertante como se envolve fisicamente com o público, as forças que convoca para transmitir tudo o que é seu, as palmeiras projectadas debaixo de um tornado, um miúdo em câmara lenta num areal de Brighton.

Tocou coisas antigas e intensas como Tupelo, The Mercy Seat ou Red Right Hand. Tocou coisas novas e impregnadas de dor como Anthrocene, Jesus Alone ou Jubilee Street. Levou um monte de gente para cima do palco, dançou com miúdas, emprestou microfones, caminhou sem medo entre aqueles que o idolatram. Os Bad Seeds emprestaram-lhe solenidade, conduziram os momentos de fúria e também se mantiveram em silêncio quando foi preciso.

Lembro-me de implicar com os meus amigos (e primos) Monteiro porque não entendia a sua devoção a este Australiano misterioso. Mas lá cheguei e é melhor abrir-lhe os braços tarde do que nunca ter sentido o abanão que são a sua música, as suas palavras.

outubro 08, 2017

Senhor Mário, quarenta e um anos

O senhor que alguns conhecerão como meu marido celebra hoje quarenta e um anos de vida. Escolho a palavra celebra intencionalmente porque uma vida tão rica, tão cheia de aventuras, peripécias e de amor (nas suas mais variadas formas) precisa mesmo de ser celebrada todos os anos.

Este senhor só pensa em ter mais filhos (cinco é o mínimo que aceitava, até eu lhe explicar que três é o limite. Mesmo assim, gosta de insistir) e eu percebo porquê: trata-os com tanto amor, muda fraldas com a naturalidade de quem fez isso a vida toda, resiste aos nervos que causam algumas birras, relativiza e coloca sempre tudo em perspectiva, corta-lhes fatias de queijo mesmo como eles gostam, beija-os até eles não aguentarem mais, corre atrás e carrega-os sempre que as costas lho permitem, diz não com a firmeza de quem ter a certeza do que está a fazer, gosta realmente de brincar com eles.

Por outro lado, eu vejo - embevecida -  a maneira como outras pessoas gostam dele. Talvez não seja uma pessoa fácil de entender ou até mesmo de gostar. Talvez muita gente desista de o fazer porque a sua parvoíce e sentido de humor podem ser difíceis de compreender. Mas eu juro que nunca vi ninguém a fazer amigos com tanta naturalidade, a falar com estranhos como se os conhecesse há uma vida atrás, a falar com outros miúdos naquela linguagem que só eles entendem. Ele precisa de estar rodeado de pessoas, não de muitas pessoas e também não necessariamente a toda a hora - mas creio que murcharia definitivamente se não pudesse soltar o animal social que tem em si.

Há ainda um senhor Mário profissional. Alguém que já fez de tudo nesta vida, que se fez à vida quando teve de ser, que emigrou e desemigrou antes desta nossa aventura, que viu muita miséria e acudiu a muita gente que precisava, que trabalhou por turnos e que vi o seu sonho de negócio próprio a ir por água abaixo mesmo antes de existir. Alguém que faz o que tem a fazer mas que não hesita em reclamar com o que está errado. Alguém que não pode andar pela cidade do Luxemburgo sem que seja abordado por uma mãe e seus filhos a quem ajudou nas consultas médicas ou por um grupo de adolescentes a quem acompanhou nas inscrições escolares, todos de sorriso aberto, visivelmente felizes e gratos pelo seu trabalho.

E finalmente, ele existe como meu marido. Antes disso, é sabido, já era meu amigo há vinte, trinta anos. Ele era o amigo que queria ter filhos comigo e a quem eu enxotava sempre que ele brincava com isso. Mas ele era um grande amigo, alguém que me escutava e com quem podia partilhar qualquer história, um ombro onde ainda chorei. Não existiam muitos segredos entre nós: talvez apenas histórias que não partilhámos com mais ninguém. E hoje, olho comovida para o que já construímos juntos - vinte e tal anos de amizade, quase nove de namoro, quase seis de casamento, três filhos. As aventuras que já vivemos juntos, as vezes em que eu chorava e ele fez qualquer palhaçada para me fazer rir, a tristeza que senti quando percebi que nunca mais íamos ser só nós os dois, o arroz de polvo que fui obrigada a comer uma e outra vez, os gostos musicais que sempre partilhámos, a forma desinteressada com que sempre acreditou em mim - pode acontecer de tudo mas estas coisas já ninguém me rouba.

Querido Mário, parabéns pelos teus quarenta e um anos. Cada dia que passa fica mais claro que estarei ao teu lado por muitos e longos anos, mesmo com o meu mau feitio e o teu péssimo feitio. Mas com muito, muito amor. E só com três filhos, que não precisamos de preencher todos os lugares da carrinha.

(Os anos vão passando e a possibilidade de me repetir aumenta exponencialmente mas eu gosto de fazer este exercício uma e outra vez.)

outubro 07, 2017

Estou feliz porque amanhã sou obrigada a votar!

Este ano, depois de cinco anos e meio de Luxemburgo, vamos finalmente votar nas eleições comunais, as equivalentes às nossas autárquicas. A legislação prevê que todos os estrangeiros que vivam no país há mais de cinco anos e que queiram participar (apenas nestas e nas europeias, o direito ainda nos está vedado quando falamos de legislativas) o possam fazer, bastando para isso estar inscritos nas listas eleitorais da sua comuna de residência.

Mas aqui as coisas funcionam de maneira diferente do sistema eleitoral português. Todos os cidadãos luxemburgueses são inscritos automaticamente nos cadernos eleitorais e são obrigados a votar. A lei prevê apenas duas excepções: os eleitores que vivem numa comuna diferente da onde estavam previamente registados e os eleitores de mais de setenta e cinco anos (que podem votar por correspondência). Para os cidadãos não-luxemburgueses, o caso é diferente: assim que completem cinco anos de residência no Grão-Ducado, podem inscrever-se nos cadernos eleitorais. Esta inscrição é opcional mas, se a fizerem, os cidadãos incritos passam a ser obrigados a votar. Podem, a qualquer momento, pedir para cancelar esta inscrição, o que não acontece com os cidadãos luxemburgueses.

A realidade é preocupante, especialmente do ponto de vista de um cidadão estrangeiro. Neste momento, os cidadãos não-luxemburgueses representam quase mais de cinquenta por cento da população total do país. Isto significa que, se não se inscreverem voluntariamente nos cadernos eleitorais, não podem votar e deixam as grandes decisões nas mãos de uma minoria, os cidadãos nascidos aqui. Os representantes dos partidos da comuna onde vivemos mostraram-se desiludidos com número de inscrições de eleitores estrangeiros nas listas e eu também sinto que há algum desinteresse e afastamento da política, talvez por razões meramente linguísticas. Há um grande debate sobre as línguas em que devem ser publicados os materiais de propaganda: há comunas mais francófonas, há comunas mais inclinadas para o Alemão, há comunas que não abdicam do (difícil) Lixemburguês. E existe a dificuldade real que é traduzir os programas eleitorais e conseguir que eles façam sentido e mantenham o espírito inicial (hoje mesmo recebemos um dos programas eleitorais traduzido em Português mas numa tradução e aspectos tão pobres - parecia saída do Google Translator, numa folha impressa em casa, sem a marca visível do partido).

Quando recebi a convocatória na Segunda, com a indicação da nossa mesa de voto, senti que estava a viver um momento solene e que, de certa maneira, simboliza o coroar do nosso processo de integração na sociedade luxemburguesa. Não basta ter os miúdos na escola pública, participar nas variadas manifestações culturais, conhecer a história e assimilar a cultura, contribuir para a riqueza material e humana do país: é preciso aproveitar a oportunidade, tentar compreender melhor o sistema político e exercer o dever cívico de escolher quem nos representa.

No Domingo, somos convidados a votar entre as oito da manhã e as duas da tarde na escola onde anda o Vicente. Levamos conosco a convocatória e o documento de identificação e eu levo mais qualquer coisa comigo: o orgulho em fazer a minha parte, o mesmo que sentiria se estivesse a votar no meu país. E também a esperança de que outros entendam a importância destes pequenos (grandes) gestos e queiram também participar.

outubro 06, 2017

O regresso à vida real: pegar de caras o trabalho que nunca acaba

Primeira semana de trabalho e estou feliz apenas por ter sobrevivido. Depois de dez meses em casa, completamente afastada do jargão técnico, dos colegas e do escritório, custou-me regressar. Não ajuda ter um bebé em casa que em muitas noites ainda acorda de duas em duas horas, sabe-se lá porquê. Bastava que pudesse dormir umas seis horas seguidas por noite e já não me arrastaria pelo escritório à procura do café.

Na minha cabeça, tudo o que agora fica por fazer em casa na minha ausência. Antes, podia organizar bem o tempo e podia mesmo deixar coisas para fazer amanhã, porque sabia que estaria lá, porque sabia que conseguiria apanhar o combóio no dia seguinte. Agora? Agora não há dia seguinte. Tudo o que não faço hoje só vai acumular até ao próximo dia livre. Esta semana fiquei feliz apenas de conseguir manter os miúdos alimentados, dar-lhes banho todos os dias, passar algum tempo com eles. Pouco mais fiz, a não ser tratar das refeições. A minha cabeça voa frequentemente para a roupa que se há-de acumular, na arrumação que cumpro em serviços mínimos. E voa para o silêncio dos últimos dias, com os miúdos já na creche/escola e eu a tomar o pequeno-almoço a olhar para o jardim.

Para piorar, voltei ao trabalho e mudei de funções. Não para algo radicalmente diferente mas para uma posição recém criada, onde não há ainda muitas orientações definidas, onde vou precisar de desbravar caminho. Passo de uma função integrada numa equipa para algo mais individual e não vou mentir, gosto dessa possibilidade de trabalhar sozinha. É claro que continuo a gostar das pessoas que trabalhavam antes comigo mas sabe-me bem poder (às vezes) isolar-me e fazer o que há para fazer. De resto, no capítulo das pessoas, há demasiadas caras novas para conseguir sequer decorar nomes. Uma empresa que cresceu vinte por cento em pessoal no último ano é motivo de orgulho e confiança no futuro mas também de demasiada gente que precisamos conhecer, com quem é necessário estabelecer confiança (só eu sei o tempo que isso me leva...), com quem é preciso aprender a lidar. Eu lido mal com pessoas no geral, pior ainda com as que não conheço - extra esforço nesta minha rentrée.

O primeiro dia foi tão mau que duvidei da minha capacidade de acabar a semana com a saúde mental intacta. Dormi extremamente mal, apesar de não ter pensado uma única vez no trabalho. Só que estar dez meses em casa, sem precisar de estar em frente a um computador mais de oito horas por dia, faz mossa. À hora do almoço, tomei um paracetamol em casa e decidi que ali iria almoçar sempre que puder. Assim sempre faço de conta que a licença ainda não acabou. Depois, com o passar dos dias, a coisa foi melhorando: fui tolerando melhor o computador, fui repescando informação que já tinha arrumado na memória, fui sendo apresentada à gente, fui sendo recebida de braços abertas pelos antigos colegas. O CEO passou no segundo dia e perguntou-me se estava tudo bem e se me aguentava. Se me aguentava a quê, perguntei eu, inocente. E ele explicou que quando acabo o trabalho aqui, abro a janela do outro trabalho em casa e lembrou-me que a mulher dele, ao quarto filho, percebeu que já não conseguia conciliar as duas coisas. Hei-de provar que as mulheres são de tal maneira eficazes que conseguem produzir relatórios complexos e limpar nódoas de sopa. Mas por agora, se alguém quiser passar lá em casa e passar a ferro uma peça ou duas, eu não digo que não.