outubro 08, 2017

Senhor Mário, quarenta e um anos

O senhor que alguns conhecerão como meu marido celebra hoje quarenta e um anos de vida. Escolho a palavra celebra intencionalmente porque uma vida tão rica, tão cheia de aventuras, peripécias e de amor (nas suas mais variadas formas) precisa mesmo de ser celebrada todos os anos.

Este senhor só pensa em ter mais filhos (cinco é o mínimo que aceitava, até eu lhe explicar que três é o limite. Mesmo assim, gosta de insistir) e eu percebo porquê: trata-os com tanto amor, muda fraldas com a naturalidade de quem fez isso a vida toda, resiste aos nervos que causam algumas birras, relativiza e coloca sempre tudo em perspectiva, corta-lhes fatias de queijo mesmo como eles gostam, beija-os até eles não aguentarem mais, corre atrás e carrega-os sempre que as costas lho permitem, diz não com a firmeza de quem ter a certeza do que está a fazer, gosta realmente de brincar com eles.

Por outro lado, eu vejo - embevecida -  a maneira como outras pessoas gostam dele. Talvez não seja uma pessoa fácil de entender ou até mesmo de gostar. Talvez muita gente desista de o fazer porque a sua parvoíce e sentido de humor podem ser difíceis de compreender. Mas eu juro que nunca vi ninguém a fazer amigos com tanta naturalidade, a falar com estranhos como se os conhecesse há uma vida atrás, a falar com outros miúdos naquela linguagem que só eles entendem. Ele precisa de estar rodeado de pessoas, não de muitas pessoas e também não necessariamente a toda a hora - mas creio que murcharia definitivamente se não pudesse soltar o animal social que tem em si.

Há ainda um senhor Mário profissional. Alguém que já fez de tudo nesta vida, que se fez à vida quando teve de ser, que emigrou e desemigrou antes desta nossa aventura, que viu muita miséria e acudiu a muita gente que precisava, que trabalhou por turnos e que vi o seu sonho de negócio próprio a ir por água abaixo mesmo antes de existir. Alguém que faz o que tem a fazer mas que não hesita em reclamar com o que está errado. Alguém que não pode andar pela cidade do Luxemburgo sem que seja abordado por uma mãe e seus filhos a quem ajudou nas consultas médicas ou por um grupo de adolescentes a quem acompanhou nas inscrições escolares, todos de sorriso aberto, visivelmente felizes e gratos pelo seu trabalho.

E finalmente, ele existe como meu marido. Antes disso, é sabido, já era meu amigo há vinte, trinta anos. Ele era o amigo que queria ter filhos comigo e a quem eu enxotava sempre que ele brincava com isso. Mas ele era um grande amigo, alguém que me escutava e com quem podia partilhar qualquer história, um ombro onde ainda chorei. Não existiam muitos segredos entre nós: talvez apenas histórias que não partilhámos com mais ninguém. E hoje, olho comovida para o que já construímos juntos - vinte e tal anos de amizade, quase nove de namoro, quase seis de casamento, três filhos. As aventuras que já vivemos juntos, as vezes em que eu chorava e ele fez qualquer palhaçada para me fazer rir, a tristeza que senti quando percebi que nunca mais íamos ser só nós os dois, o arroz de polvo que fui obrigada a comer uma e outra vez, os gostos musicais que sempre partilhámos, a forma desinteressada com que sempre acreditou em mim - pode acontecer de tudo mas estas coisas já ninguém me rouba.

Querido Mário, parabéns pelos teus quarenta e um anos. Cada dia que passa fica mais claro que estarei ao teu lado por muitos e longos anos, mesmo com o meu mau feitio e o teu péssimo feitio. Mas com muito, muito amor. E só com três filhos, que não precisamos de preencher todos os lugares da carrinha.

(Os anos vão passando e a possibilidade de me repetir aumenta exponencialmente mas eu gosto de fazer este exercício uma e outra vez.)

4 comentários:

м disse...

As melhores pessoas fazem anos em Outubro :) Parabéns atrasados ao marido, que parece realmente ser uma pessoa que vale a pena conhecer. Lucky you! :)

Dalma disse...

Querida, que melhor presente de anos que esta “carta” de amor que inclui todas as versões de “amor”?
Que continuem felizes para toda a vida, que vos desejo longa. Claro que haverá pequenas “areias” nos vossos sapatos, mas nada que não sacudam e possam continuar esse caminho de mãos dadas...

M. disse...

Obrigada obrigada! Ele gostou muito!

E claro, sempre teremos essas "areias", são assim os casamentos! Eu desconfio é de quem não tem areias nenhumas... ;)

Helena Barreta disse...

Muitos parabéns ao Mário.

O que nos conta do Mário como seu marido faz-me lembrar o meu, também nós éramos os melhores amigos muito antes de sermos namorados, o "ele era o amigo que queria ter filhos comigo...", também foi assim a nossa história de amor.

Que sejam muito, muito felizes