Há um ano atrás, perto da uma e tal da manhã, senti qualquer coisa que não devia estar a acontecer mas estava: as águas tinham rebentado. Ainda faltavam cinco semanas para a data prevista para o nascimento daquele bebé, não era possível que ele estivesse a querer ver o Mundo já. Num pânico controlado, liguei para a unidade de ginecologia e perguntei o que devia fazer naquele caso. Venha com calma para o hospital, disseram-me do outro lado da linha, mas venha. A mala ainda estava meio por fazer, enfiei meia dúzia de coisas de que precisava lá dentro. Acordámos os miúdos, que dormiam tranquilamente, enfiámos-lhes os casacos e gorros e botas e lá fomos os quatro para o hospital.
Fazia muito frio, nessa noite, como aliás nos dias que se seguiram. O M. ligou, sem querer, as luzes de nevoeiro porque não estávamos com o nosso carro, tínhamos um emprestado da oficina. Quando estamos mesmo a entrar na auto-estrada, um carro da polícia a fazer-nos sinais e eu já a pensar naquelas situações nos filmes em que a senhora grávida já vai aos gritos dentro do carro. Eu não gritava e eles queriam apenas alertar para o facto de não haver nevoeiro... Luzes apagadas, voámos até ao hospital.
Fui vista pela parteira de serviço, que ligou à minha médica para a avisar. Segundo ela, podiam passar semanas antes do trabalho de parto começar, por isso era melhor que eu me dispusesse a aguardar calmamente... mas no hospital. Levaram-me para um quarto às escuras, onde já dormia uma grávida de risco, tentando evitar o seu parto há já algumas semanas. Fazia muito frio porque estava uma janela aberta. Eu estava doente, devia ter uma laringite ou qualquer coisa do género e tremia debaixo dos lençóis. As contracções tinham começado e eu, moderna que sou, descarreguei à pressa uma aplicação para perceber a sua frequência e intensidade. Pelas minhas contas, o parto não devia estar longe. Pelas contas da enfermeira da manhã, não havia sinais de trabalho de parto no monitor fetal. Mas ela via como me contorcia com dor e, para não arriscar um nascimento ali no quarto, mandou-me para o bloco de partos. Passaram duas horas, um animal dum anestesista e muitas palavras de encorajamento de parteiras e médica - eu tinha mais um bebé, sozinha, sem o abraço do pai. Eu gritava O que é, o que é? e só depois de alguns segundos me disseram que era um rapaz e eu soube que tinha nascido o Augusto.
O resto já se sabe. Nascido com 35 semanas e 3 dias, o Augusto precisou de ir para a Neonatologia, embora tudo indicasse que era saudável. Passaram-nos brevemente pelos meus braços para que o beijasse antes de entrar na incubadora e eu senti-me mais sozinha que nunca. Parir um bebé e depois não ter bebé nenhum ao meu lado abriu um fosso no meu peito que só foi alargando com todas as horas que passei sem o ver no primeiro dia. Acho que o curei quando pude passar duas horas inteiras pele com pele, no escuro da Neonatologia. Deitados os dois, só a estarmos, a aprendermos a ser mãe e filho, o meu instinto de protecção a gritar milhões.
Fast forward para hoje. O Augusto comemora o seu primeiro ano, que, como sempre, passou incrivelmente depressa! Dos nossos três filhos, é talvez o mais bem disposto e bonacheirão. Como os outros, precisa de muito colo, muitos beijinhos, muitos abraços. Dá-se bem com toda a gente menos com o seu pediatra, apesar da sua gentileza e empatia. Como os irmãos, faz um ano e só dormiu duas vezes a noite toda. Se não pararem de lhe dar de comer, ele não pára de comer. Mexe em tudo o que está ao alcance dele (só na semanas passada conseguiu partir duas garrafas de vinho, mea culpa...), sabe o que é dançar, bater palmas e dizer xau. É o nosso último bebé e por isso custa mais sentir que o tempo avança sem piedade. Vou aproveitar muito que ainda o posso esborrachar com beijos!