dezembro 22, 2011

Ode ao serviço nacional de saúde *

Eram umas quatro da manhã quando regressámos a casa. Aqui não há urgências de privados e nem acordos com o seguro de saúde. Na verdade, também já não existem urgências pediátricas depois da meia noite, o que nos obrigou a passear entre os idosos acamados que esperam nos corredores por algo que não sei muito bem o que é e pelos outros que ainda têm forças para gritar. O médico era espanhol ou coisa que o valha porque parece que a malta não gosta de vir exercer medicina para a província. Dizem que os médicos se vão ver obrigados a emigrar mas, se eu pudesse dar um conselho, dizia-lhes antes para apenas migrarem porque aqui há muita gente a precisar.

A conversa começou mal. O meu nervosismo e ansiedade também não estavam a ajudar nada mas ele não estava para brincadeiras. Fez uma série de perguntas inconvenientes, a que só outra médica poderia responder mas felizmente parou a tempo ou eu não teria respondido por mim. Seguiram-se raio-x e análises ao sangue e urina e o bebé Vicente mostrou-se corajoso e muito mais valente do que muitos adultos. Vê-lo a tirar sangue foi, seguramente, um motivo de orgulho, embora as circunstâncias não fossem as melhores. No final, não havia razão para aconselhar um internamento mas muito material para reavaliar e ponderar a existência duma doença crónica.

Ter um seguro de saúde não garante cuidados melhores, embora os mesmos sejam pagos a peso de ouro. Eu gostava apenas que, sempre que nos cobram o balúrdio de cada urgência pediátrica, alguém tirasse dez minutinhos do seu tempo para nos explicar o que precisamos de fazer ou para nos descansar ou para nos chamar a atenção para as coisas que nos escapam. Só que infelizmente a humanidade, a delicadeza ou a cortesia ainda não se aprendem nas escolas, onde o que se quer é a malta com as notas mais altas. Erro crasso, digo eu, que vez após vez sinto que falta formação humanitária a quem que devia ter essa vocação. Mas assim vai o Mundo e muitos ainda sairão do país. O custo desta debandada e da chamada crise de valores que o paguemos nós.

* ainda que na pele dum médico espanhol.

3 comentários:

Helena Barreta disse...

De facto falta a muitos médicos baixarem do pedestal e passarem a ver-nos com outros olhos, alguns até fazem gala da sua arrogância, como se isso fosse uma qualidade, certamente ainda não tiveram do outro lado, do lado do medo, do receio e das dúvidas, das dores e maleitas do corpo e do coração.

Faço votos que o Vicente já esteja melhor e que não seja nada de cuidado. As melhoras.

Um beijinho

Um Natal Feliz.

aryabodhisattva disse...

Espero que não passe de um susto. E que não haja nada de "crónico".

Dalma disse...

M. que o susto tenha passado é o que te desejo e que o Novo Ano seja com menos agruras do que aquelas que nos anunciam!
A tua professora