julho 28, 2013

Nós somos uma ilha de três!

(Este post foi uma sugestão da Ana, deixada uns comentários mais abaixo.)

A nossa mudança para o Luxemburgo implicou, como é evidente, deixarmos para trás os nossos amigos e família. Ao contrário da maior parte dos emigrantes portugueses, não tínhamos cá nem família nem amigos (OK, eu tenho um primo mas, por ser afastado, não temos qualquer ligação). Temos visto aqui que essa estrutura de apoio (quando existe) é absolutamente essencial para a integração. Há muita gente que vem sem emprego e sem casa e acaba por se ajeitar em casa de gente conhecida até que se conseguir novamente ter de pé.

Mas nós chegámos sem ninguém. Arrendar uma casa foi primeiro um pesadelo, depois uma agradável surpresa. Os senhorios têm muitas reservas em alugar a casa a estrangeiros e, arriscaria a dizer, a portugueses ainda mais. Nem demonstrando que se pode pagar a caução (muitas vezes exorbitante) e que tem contrato de trabalho - o início da procura foi doloroso e desencorajador. Mas depois veio a surpresa e conseguimos um bom apartamento num subúrbio da cidade do Luxemburgo a preços incrivelmente baixos para o que estávamos habituados a ver. No nosso prédio vivem maioritariamente idosos luxemburgueses e um jovem casal alemão que só cá está esporadicamente. Às vezes sinto que nós viemos destabilizar e acabar com todo este silêncio.

De início ainda conhecemos algumas pessoas de Portalegre que se mostraram interessadas em ajudar-nos mas que cedo deixaram bem claro que esse interesse não era real. E então desenvolvemos uma habilidade que já trazíamos de Lisboa: passámos a viver bem só os três. Eu entendo que isto possa fazer confusão a muita gente mas no geral nós bastamo-nos no dia a dia e nos dias mais especiais. Planeamos viagens, fins de semanas com outros amigos espalhados aqui por perto, fazemos planos com outros bons amigos quando vamos a Portugal. Eu tenho gente no trabalho com quem me dou muito bem e o M. também mas ainda não fizemos transbordar essas relações para fora dos respectivos escritórios. Talvez esta semana o façamos, convidando a sua chefe para jantar mas será a primeira vez.

Eu sou um bocado bicho do mato mas o M. não, pelo contrário. Só que, além do trabalho, não encontrámos ainda pessoas com quem partilhamos interesses, convicções. Não nos damos com Portugueses só porque também somos Portugueses, nem com outros estrangeiros só porque somos emigrantes - nunca forçámos estes encontros ou relações. Vejo amigos na nossa situação e vejo como se adaptaram e criaram relações e não me faz confusão nenhuma, acho normal. Mas tudo depende do país onde se vive, da profissão e dos interesses extra-profissionais e tudo isto é diferente para todos nós. Os Luxemburgueses (os verdadeiros, nascidos e criados aqui) não são muito abertos, parece-me aliás que se fecham num círculo um pouco elitista (que eu até entendo, dada a percentagem esmagadora de estrangeiros que vivem no seu país).

Às vezes isto custa, não podemos mentir. Às vezes precisávamos de caras amigas para relativizar e esquecer a rotina, uma mão amiga que nos ficasse com o miúdo enquanto tratávamos de espairecer um pouco, a companhia para nos sentarmos à mesa e beber e comer enquanto as horas passam sem se fazer notar. Já nem falo da família, que poderia ver o V. crescer e participar activamente desse crescimento com o seu amor desinteressado e a sua disponibilidade. Mas nós aceitámos a inexistência de tudo isto quando decidimos vir e às vezes o peso é enorme mas no fim a escolha é sempre nossa. E assim aqui andam os três da vida airada!

julho 24, 2013

Viajar com um puto de dois anos e muito mau feitio

Se me perguntarem como me imaginava eu há uns anos a viajar pela Europa fora, teria que responder que imaginava a fazer um interrail, de mochila às costas, cansada de dormir em estações de comboio e de comer pão com pão mas imensamente feliz por poder gozar essa liberdade. Não imaginava eu que o pudesse fazer mais tarde, já com um filho mas ainda assim imensamente feliz por poder gozar essa liberdade!

Não vou dizer que é fácil - seria mentir com quantos dentes tenho, especialmente porque o nosso filho não é daqueles anjinhos tão especiais que não gritam, não choram, dormem e comem sempre muito bem, parecem adultos em miniatura. Pois, o nosso gaiato é daqueles que esperneia muito às vezes e chateia-se se não o levamos JÁ àquele carrossel, aborrece-se sempre que tem que estar sentado no carrinho muito tempo, aborrece-se se sai do carrinho e tem que andar, não quer comer nada do que escolhemos para ele e decide que não quer dormir assim que se deita na cama do hotel. Nestes últimos dias de férias, tive dois dias em que pensava que ia rebentar de tanta arrelia, tanta desobediência (que acabou até em marcas naquela cara boneca, quando aterrou de cabeça em plena areia), tanto cansaço à custa de recusar a sesta, tanta choradeira rua fora. Mas depois houve os momentos em que o vi tão feliz, sentado ao lado de outro miúdo numa feira no jardim das Tulherias, a forma entusiasmante com que perguntava "C'est quoi ça?" enquanto apontava para a Torre Eiffel, o seu ar compenetrado e sério cada vez que andávamos de metro, as brincadeiras no parque com miúdos alemães... Uma pessoa esquece-se depressa das coisas más.

O momento alto destes dias não foi nada do que esperávamos ou não fosse ele um verdadeiro gaiato nos terrible two: levámo-lo a ver o rato Mickey e falámos muito disto na semana antes e ele entusiasmava-se sempre. Quando chegou a hora da verdade, era uma sala pequenina, onde estávamos nós, um fotógrafo e um rato Mickey em tamanho real. A berraria foi tanta, o terror tamanho que até aposto que o pobre rato se sentiu constrangido, embora imagine que não lhe faltam birras épicas para contar. Estávamos nós mais contentes que o pobre miúdo aterrorizado!

Nós decidimos (foi mais uma coisa tácita, não verbalizada) que não íamos deixar de correr mundo porque temos um filho pequeno. Não é fácil lidar com as birras, com as teimosias irracionais (partindo do princípio que as há racionais...), com o cansaço (o nosso e o dele, especialmente o dele) mas a nossa vida precisa de continuar e a dele precisa de crescer e expandir e perceber que o mundo não é só ele. No fim de contas, as partes boas sobrepõe-se aos dias de neura e repetíamos tudo outra e outra vez.

julho 17, 2013

No coração da Europa, pt.2

A segunda parte das férias levou-nos até à Baviera, mais precisamente até Munique, onde temos grandes e bons amigos que esperam mais um amiguinho para Dezembro. A viagem foi completamente horrível: são quinhentos e tal quilómetros que se fariam muito bem, sempre por auto-estrada, não se fosse dar o caso do trânsito ser infernal e de encontrarmos obras de beneficiação a cada dois quilómetros. Tendo em conta as circunstâncias, digo mesmo que o pesadelo que durou chegar lá compensaria largamente o preço dos bilhetes de comboios e pouparia os nossos corpos e mentes a sete horas de aflição. Mas chegámos e isso foi o mais importante.

Ocorreu-nos que esta seria uma oportunidade de ouro para visitar o romântico castelo de Neuschwanstein (se não conhecem, vão penitenciar-se aqui) e foi assim que rumámos para os Alpes alemães numa das manhãs.  O tempo continuava óptimo, apesar do nevoeiro que se podia ver de longe nos picos das montanhas. É evidente que o sítio estava apinhado de gente, tanto turista asiático que lhes ganhei uma certa aversão, autocarros descarregando gente e mais gente para a subida à montanha, charretes e transfers a rebentar pelas costuras. Os nossos amigos tinham recomendado que conteplássemos o castelo da conhecida Marienbrücke mas foi quase, quase impossível: a ponte tinha tanta gente que para mim é surpresa como aquela malta não foi toda parar uns belos metros abaixo. Consegui uma foto furtiva e voltar para trás, tentando levar o menor número de empurrões possíveis e lembrado-me porque detesto estas multidões.

Depois Munique... Ah Munique, cidade da qual não sabia bem o que esperar. A única coisa que sabia era que é uma das mais ricas cidades de Alemanha, senão a mais rica, e isso pode sentir-se um pouco no ambiente que se vivia por todas as ruas e parques onde pudemos passear. Com a meteorologia a nosso favor, os relvados estavam cheios de gente que se tentava refrescar, os Biergärten estavam a abarrotar de gente que comia e bebia tão descontraidamente que dava vontade de sermos realmente um deles. Pudemos experimentar a cerveja em quantidades industriais (que eles lá não fazem por menos), saborear os pretzels e as salsichas que (para mim) simbolizam a cozinha alemã e aproveitar o bom tempo para relaxar um pouco. Andámos uns belos quilómetros também mas tudo isso resulta da vontade de ver de perto como se vive em lugares estranhos. Venho com a imagem de uma cidade sem engarrafamentos, cheia de bicicletas e transportes públicos que funcionam na perfeição, uma cidade próspera e tranquila que também deve bastante ao turismo e à quantidade gigantesca de comes e bebes que se encontram espalhados por todo o lado. Lá para Dezembro, vai nascer um bebé que, sendo filho de portugueses, há-de ser um bocadinho alemão também e que poderá beneficiar do melhor dos dois mundos.

A viagem de regresso foi ligeiramente melhor e nós já morríamos de saudades de apenas estar em nossa casa, sem correr para nenhum lado, nem estar quase a desfalecer com o calor. Ainda está para chegar a viagem em que regressar não é também um desejo bem forte. Agora fazemos tempo até ao regresso a Portugal, dois meses em contagem decrescente!

julho 16, 2013

No coração da Europa, pt. 1

Aproveitando a centralidade do Luxemburgo, na semana que passou pude cumprir um sonho já velho: visitar Paris. Aventurámo-nos de carro (são menos de 400km que se fazem bem até chegarmos à área metropolitana) e escolhemos um dos hoteis mais baratos que encontrámos. Não há dinheiro para grandes luxos e afinal o importante numa viagem destas é poder respirar, saborear e sentir a cidade. Andámos muito a pé ( uns 15km em cada dia), empurrando o carrinho do Vicente pela capital francesa fora, quase sempre debaixo de uns tórridos 30 graus. Apanhámos feira no jardim das Tulherias, com direito a roda gigante e tudo; íamos morrendo de calor e desidratação no funicular para subir ao Sacre Coeur; bebemos uma bica no café da Amelie; espantei-me debaixo da esmagadora torre Eiffel; não nos demorámos muito à porta do Louvre. Muita coisa ficou por ver e experimentar e ainda sonho com o dia em que vou andar lá de baguete debaixo do braço! Mas foi o suficiente para tornar real uma cidade que fazia parte do meu imaginário romântico e para saber que é preciso voltar.
No regresso a casa, passámos um dia na Disneyland Paris para o Vicente ver o Mickey Mouse mas o gaiato ainda é muito pequenos para aproveitar bem a visita. Assim que viu o rato em tamanho real, desatou aos gritos, completamente aterrorizado com a visão da criatura e esquecendo todas as tardes em que vibra com os desenhos animados. Estava um calor que não se podia, as sombras ocupadas por famílias inteiras em descanso que tratavam de ganhar fôlego. O pior, chamemos-lhe assim, foram as lojas que nunca mais acabavam cheias de coisas giras: tu olha-me aquele pijama!, e o conjunto de copos, hã?, as orelhas temos que levar! É um templo do consumismo e, como o pai do Vicente acertamente foi dizendo, das histórias felizes que nada têm a ver com a realidade. Já eu digo que para realidade já nos basta a nossa, que não sendo miserável, ainda é sofrível e fica a vontade de regressar quando o cachopo perceber mais das coisas.

A segunda parte de viagem segue dentro de momentos...




julho 03, 2013

Portugal (visto de fora)

Não é por estar longe que deixo de acompanhar o que se passa no meu país. Continuamos a ter televisão portuguesa e, claro, o benefício da internet, que nos deixa escolher o que queremos saber. Não é por isso de estranhar que, depois dos últimos dias, sinta uma angústia bem maior que o costume quando penso em Portugal.

Percebo pouco de política e a verdade é que anos a assistir à troca de cadeiras em cargos públicos mancharam a maneira como eu olho para a classe política em Portugal. O escandaloso mundo dos favores que se fazem debaixo da mesa, o cargo que se oferece independentemente das qualificações ou da competência, a minoria que se continua a rir e a viver rodeada de luxos enquanto a maioria luta já um pouco desesperadamente por sobreviver, por se manter à tona, as decisões de bastidores e até a falta de soberania em governar um país que é nosso - tudo razões por não acreditar em nenhum candidato, nenhuma força partidária e limitar-me a escolher o mal menor. Enquanto estive em Portugal, cumpri os meus deveres cívicos e votei. Digo até mais, nunca votei em branco e agarrei-me sempre à esperança mais ínfima de que alguma coisa iria mudar. Mas não vai, sei-o há muito tempo.

Vejo três grandes problemas no Portugal de hoje, sem grande profundidade de análise, só a opinião de uma cidadão sobre o que vê no seu país: primeiro, a questão do cumprimento do memorando e as consequências que isso tem trazido a Portugal, que se vê hoje ainda mais atolado em dívidas do que quando foi pedida a ajuda; a falta de alternativas e também de coragem que a população demonstra ao escolher sempre mais do mesmo; e finalmente, a maneira promiscua e quase obscena como a sede de poder acaba com todo e qualquer desejo real de contribuir para um país melhor. Parece que ter poder significa automaticamente esquecer ideais, batalhas a travar, justiça social e o bem comum. Parece que ter poder só serve para enriquecer quem está no topo. É muito difícil acreditar no meu país e isso é triste porque deixei para trás os meus amigos, a minha família que continuam a sofrer as consequências do desnorte.

Desde ontem que a angústia é um bocadinho mais física, assim aquela sensação no estômago como se estivesse a cair sem o chão à vista, uma vertigem desconfortável. Eu vejo o país que escolhi para viver e não entendo como podem existir uma diferença tão abismal nas maneiras como a governação é entendida. Aqui não há corrupção? Se calhar há, não o posso confirmar nem desmentir. Mas deixo só um exemplo: há uns tempos atrás, li uma notícia num jornal nacional sobre as obras públicas. Dizia a notícia que em quinze grandes obras públicas, doze delas ficaram abaixo do orçamento inicialmente previsto. Doze delas! Alguém consegue imaginar isto em Portugal? Alguém consegue imaginar que não se favoreçam empresas de amigos e família, que se tente reduzir as despesas ao mínimo indispensável para terminar a obra, que se faça bom uso dos dinheiros públicos? Eu não conseguia, até sair de Portugal.

Se até ontem mantinha a ilusão (ténue, é certo) de regressar assim que possível a Portugal, acho que ontem caí de novo na realidade e sei que o meu lugar vai continuar a ser longe dali.