Ontem, enquanto a senhora da caixa ia passando as minhas coisas, reparei num casal a algumas caixas de distâncias. Eram portugueses e sei-o sempre precisar de os ouvir falar, sei e pronto. Arrumavam as suas compras no carrinho: um bacalhau inteiro enfiado numa grandiosa caixa de cartão, caixas e caixas de vinho, muitos quilos de arroz, algumas bebidas brancas. Fez-se luz na minha cabeça: estão a preparar o Natal.
Foi isto que me lembrou que este ano, pela primeira vez em trinta e quatro anos de vida, não vou passar o Natal com os meus pais, com a minha irmã, com as minhas avós. Agora que a época se aproxima, e depois de muito racionalizar e desdramatizar o feito na minha cabeça, sinto uma angústia pequenina a crescer porque para mim Natal é com a família. Claro que tenho um marido e um filho que não me faltarão na noite da consoada mas ficar-me-á a faltar qualquer coisa.
Este ano não vou ver a cozinha lá de casa com tachos e mais tachos, as duas cozinheiras de serviço de roda deles, enquanto a cozinheira de profissão, velhinha e cansada pela vida, descansa um bocado no sofá. Não vou fazer companhia ao meu pai que com os anos foi perdendo os seus companheiros para acompanharem uns copos de um qualquer vinho especial escolhido para a ocasião e uma fatia de queijo depois de jantar. Não vou comer alhada de cação, talvez nos decidamos por um bacalhau com couves e também não hei-de ter mil doces para escolher à sobremesa. Não terei aquele abacaxio com vinho do Porto, nem as azeitonas retalhadas numa mesa coberta da toalha do Natal e do serviço de louça já antigo. Não vou fazer força, com a minha irmã, para abrir as prendas antes da meia noite porque as velhotas já dormem no sofá. O meu filho terá de certeza menos presentes porque não está ali e enviar um presente para o Luxemburgo sai caro e dá trabalho. Não vai haver chocolate quente à meia noite nem café nos vizinhos, mesmo com uma noite de lobos cheia de nevoeiro.
Pela primeira vez em trinta e quatro anos não vou passar o Natal em casa e isso custa-me. Eu até geri bem as emoções quando soube que não podìamos ir porque as circunstâncias falavam mais forte mas ontem, quando vi aquele casal a encher o carrinho de Natal, soube que a tristeza há-de crescer um bocadinho todos os dias, até finalmente tudo ter passado. Só não fico mais triste porque no final tenho todas estas memórias dentro da minha cabeça ( juntamente como meu avô Chico que nunca queria comer mas era sempre o primeiro a servir-se, o meu avô Mauricio que nos últimos Natais não era mais que uma sombra de si próprio, a minha tia Isaura que sempre passava a dar um beijinho, a minha madrinha e o irmão que nunca se esquecem de nós) e estas coisas não se apagam. Como o Natal em que fuzilaram o Ceausescu ou o outro mítico em que mandámos uma quinhentola para o lixo.
Custa-me mas dia vinte e seis já estarei mais aliviada e esperando que o próximo ano não me roube mais nenhum Natal.
2 comentários:
Querida, relativiza a situação, liga o Skype e partilha a alegria com os teus! Verás que no fim foi mais fácil!
mesmo sem os meus avós e mesmo sem os pratos típicos que se convertem em modernizações duma geração que foi demasiado bem tratada e mal habituada (a da minha mãe), não consigo conceber este dia distante dos muito pouco que restam. estranha esta nova forma de vida. eu sou péssima nestes momentos mas só me apetece dizer: não conseguem mesmo? (desculpa)
beijos e muitinhos
te adoro
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