novembro 03, 2014

A nossa pátria é a nossa língua?

(a propósito desta notícia)

O nosso filho é Português e Português é também a língua que falamos com ele em casa. Às vezes fazemos excepções para ver como vai o Francês e agora somos surpreendidos com as suas tiradas no Luxemburguês rudimentar que já traz da escola mas, no essencial, queremos expressar-nos com ele na língua do nosso país. A não ser que ele possa entrar de futuro na Escola Europeia, não vejo outra maneira de ele poder continuar a falar a sua língua (nem falemos de aprendê-la verdadeiramente).

Leio alguns comentários à notícia e fico incomodada. Aparentemente, aos pais que emigram não é permitido continuar a desejar que os filhos guardem alguma da sua herança cultural - apenas podemos postrar-nos agradecidos por este país ter sido tão generoso em acolher-nos e mandar Portugal às urtigas. Eu cá tenho uma ideia um bocadinho diferente: quero que o meu filho se possa integrar totalmente no país onde escolhemos viver, o que significa que talvez vá ter que dominar o Luxemburguês, o Francês e o Alemão; mas também quero que o meu filho não se esqueça nunca do sítio onde nasceu, com as suas virtudes e defeitos e, quem sabe, possa ainda conhecer a sua história, geografia, tradições. Ter vindo para aqui não implica que cortámos definitivamente relações com o sítio onde nascemos nem ter que assumir uma posição submissa face à comunidade onde nos inserimos agora. Podemos continuar a pensar por nós, parece-me.

A situação que se vive aqui no Luxemburgo é, de facto, complicada, com o Português a ser a segunda língua mais falada nas escolas, à frente de duas das línguas oficiais do país. É o resultado da emigração em massa, talvez um pouco assustadora mas mesmo assim necessária: o Luxemburgo precisava, pelo menos até há uns anos atrás, da mão de obra que este emigrantes portugueses puderam trazer. Vivermos fechados numa comunidade artificial, baseada no simples facto de que somos Portugueses, parece-me absurdo. Mas também me parece absurdo que tenhamos que renunciar às nossas origens, à nossa língua, aos nossos costumes só porque decidimos construir uma vida noutro país. É preciso equilíbrio. É preciso entender que existem momentos para tudo e que não é punindo as crianças que se vão conseguir melhores resultados na sua integração. Muitas delas vieram de Portugal já com oito, nove anos, o que dificulta ainda mais a aprendizagem do Luxemburguês.

Se por um lado nunca me senti verdadeiramente mal tratada aqui, também é verdade que há sempre um véu de suspeição e de algum desapontamento que se levanta quando mencionamos que somos Portugueses. Às vezes nem o Francês é suficiente, apesar de ser também língua oficial, e fica claro que falar Luxembuguês é uma marca distintiva para quem nasceu aqui. Eu consigo compreender que os Luxemburgueses queiram defender aquilo que é seu - afinal, é uma tarefa hercúlea se pensarmos na percentagem de estrangeiros face à de nativos - mas não me parece que castigar crianças que falem outra língua seja o caminho a seguir. Que o miúdo saiba sempre quando é tempo de falar o quê, é o que desejo.

4 comentários:

Dalma disse...

M. Mas é mesmo a sério essa de serem castigadas? Quando li e ouvi a notícia achei que era mais um exagero dos meios de comunicação social! Pelos vistos não era!

Helena Barreta disse...

Quando li a notícia lembrei-me logo do Vicente.

Nuno Guronsan disse...

Confesso que estava à espera de umas palavras tuas desde que vi reportagens sobre o assunto. E a tua opinião vai muito ao encontro daquilo que eu penso. E recordei-me muito dos tempos que passei na Coreia do Sul, no meio de coreanos, portugueses e outras nacionalidades. Fiz sempre o esforço de não falar português quando havia outras nacionalidades perto de mim, por uma questão de respeito e por uma questão de não me esquecer que eu estava ali num país de "empréstimo".

É como dizes, haja respeito pelos dois lados da situação e no fundo, acho eu, podem sair ambos com uma maior compreensão de tão diferentes culturas.

Obrigado pelas tuas palavras!
Felicidades!

M. disse...

Infelizmente parece que as crianças são mesmo punidas. Resta saber em que circunstâncias e de que tipo de punição se trata mas na minha opinião não pode ter resultados positivos.

Sou totalmente a favor que se fale a língua em que é dada cada aula e não apoio de forma alguma que o Português seja usado "contra" professores ou alunos que o possam não entender. Creio no respeito acima de tudo mas se entre dois alunos portugueses fizer mais sentido trocar impressões em Português qual é o problema?

Vejo o mesmo passar-se, por exemplo, na minha empresa, onde as pessoas do mesmo país falam muitas vezes na sua língua. Não se trata de excluir os outros, todos se respeitam e reconhecem os limites. É uma questão de conforto na expressão, de familiaridade.

Vejo também muitos comentários de portugueses a viverem no Luxemburgo, que sugerem que todos nós devíamos dar graças por podermos estar aqui e nos devíamos submeter às regras sem pensar. Dizem mesmo que portugueses como nós, os que pensamos assim, não fazem aqui falta. E fico triste, porque podemos querer viver integrados numa sociedade sem abdicarmos do nosso passado e daquilo que nos faz o que somos. Radicalismos, venham de que lado venham, não são para mim.

Outros comentários li que acusam os portugueses de falta de higiene, de maneiras e de educação. Como se essas fossem características de um povo e não de indivíduos, independemente da sua proveniência... Há mais racismo do que eu pensava por todo o lado. É um pouco assustador. E espero que não dê mais frutos.