Dormir nunca mais é a mesma coisa. Nunca, nunca mais. Já tínhamos um miúdo de quatro anos a dormir relativamente bem, apenas com alguns episódios de terrores noturnos ou simples pesadelos. Conseguimos que não bebesse leite a meio da noite a muito custo mas já não temos tido muita sorte com as horas a que acorda ao fim de semana. De repente, juntámos-lhe uma miúda de quatro meses que, apesar de não dormir a noite toda, não chora (só mesmo em desespero) e que é relativamente fácil de adormecer. Ainda estamos a treinar a coisa de a deixar adormecer sozinha na cama e acho que está a andar. Mas a cabeça de mãe não deixa dormir como antes - qualquer suspiro ou volta na cama são suficientes para despertar. Esta semana o mais velho gritou pela irmã em pleno sono e pregou-me um valente susto. Eu, que sempre conseguia dormir até ao meio dia nos bons velhos tempos, transformei-me numa pessoa das manhãs e luto para relaxar mais durante as noites.
As coisas pequenas são mais saborosas que alguns grandes gestos. Nos primeiros tempos, é difícil descrever a patetice que é ficar contente com um cocó mas foi assim com ele e continua a ser assim com ela. Ele trouxe-me a prenda do dia da mãe há uma semana. Conseguiu guardar segredo enquanto a fazia lá na escola e isso surpreendeu-me. Mas o melhor são momentos como quando me perguntou Posso dizer-te um segredo?. Acenei que sim e ele disse-me ao ouvido, bem baixinho Prometo que hoje não choro quando me for deitar. Foi ele que decidiu isto, espontaneamente, sem ninguém lhe pedir nenhum compromisso e cumpriu a promessa. Ele nunca nos deixa esquecer as nossas promessas mas também honra as dele.
Deixei de ter medo de coisas parvas. Ter um filho tem este efeito: passamos a achar ridículos alguns medo. Lembro-me de ficar tão nervosa para entrevistas de traqbalho, por exemplo, que a dor passava a ser física. E depois tive um filho e agora o segundo e nada disso me assusta. Convenhamos: quatro horas em trabalho de parto intenso em casa, quarenta minutos no hospital e nenhum tempo para levar a epidural tornaram-me mais rija. Claro que tenho ainda medo de algumas coisas mas eliminei os medos supérfluos. É muito importante ter um trabalho, claro, mas é mais importante poder estar com os nossos filhos.
Comecei a ver os meus filhos reflectidos em todas as crianças do Mundo. Nas que são refugiadas, nas que têm fome, nas que têm família e nas que não a têm, nas que se cruzam conosco diariamente. Todas as caras me fazem lembrar dos meus filhos e da imensa sorte que eles tiveram nesta lotaria: puderam nascer em países onde há paz e segurança suficientes para as crianças crescerem. É que se pensarmos no número de refugiados que existem no mundo, se não ignorarmos as imagens que nos chegam todos os dias a casa, então temos mesmo que admitir: temos uma sorte imensa por podermos fazer parte de um mundo livre, sem nunca precisarmos de deixar as nossas casas.
Às vezes pode não parecer mas consigo gerir muito melhor o cansaço. É claro que há dias em que tudo o que quero fazer é ficar deitada no sofá e reservo-me o direito de ter mesmo esses dias. Mas depois há os outros em que consigo fazer tudo o que tenho em atraso e nesses dias sinto-me uma verdadeira super-mulher. Às vezes ando a passear com ela no quarto de olhos fechados e com vontade de dormir, outras só estou à espera que eles se deitem para poder fechar os olhos mas no geral sinto-me muito menos cansada do que quando nasceu o Vicente. Talvez seja o calo, a prática, não sei, mas por enquanto ainda dá para gerir. Só não quero pensar quando, daqui a seis meses, tiver que voltar ao trabalho. Mas empurrei essa data para o meu inconsciente e lá ficará até dar.