julho 20, 2015

Nos entretantos

Já comecei a escrever dezenas de posts na minha cabeça, durante a noite, enquanto trato da miúda e tento não fechar os olhos. A existir uma entidade divina, não me abençoou com a dádiva dos bebés que dormem muito e bem e por isso, quase à beira dos cinco meses, a menina Amália continua a acordar durante a noite e, se bem que não chora, requere alguma manutenção. O meu sono está esfrangalhado como de costume e, embora já soubesse como era antes dela nascer, não me está a custar menos por isso. É por isto que começo os posts no escuro, às três, quatro ou cinco da manhã: não tenho normalmente forças (nem tempo suficiente) para me sentar ao computador e escrever um post a sério.

Em jeito de resumo, as coisas que me têm ocupado a mente nos últimos tempos:

  • a Grécia e a política europeia no geral. Eu sempre disse que não percebo nada de política e, quanto mais tempo passa, mais sinto que isto é verdade. Mas, depois do que li e vi entre o referendo grego e a humilhação a que a Europa sujeitou a Grécia, percebo porque não quero entender a política: é um meio demasiado sujo e desumano. Não quero acreditar nas teorias da conspiração que muitos sugerem porque isso seria o equivalente a enloquecer de vez mas como é que se podem ignorar essas coisas?
  • estou um bocado cansada das pessoas que se indignam por tudo e por nada e das outras, que acham que ninguém  tem o direito a indignar-se assim. Desde quando é que só existem os dois extremos radicais? Já ninguém tem direito a indignar-se só assim-assim? Também me inquieta o ódio, a mesquinhez e a maldade que tomam conta das caixas de comentários à menor oportunidade e normalmente sem qualquer justificação. Como é que estas pessoas conseguem viver na vida real com tanto fel dentro de si?
  • o miúdo vai mudar de escola e ela precisa de uma creche. A parte da escola é pacífica, é mesmo ao pé de casa e automaticamente assignada pela comuna, é a creche que me deixa a cabeça em água. Volto ao trabalho em Janeiro e por isso ainda não estou em pânico mas confesso que, aos poucos, aquele sentimento de que terei de abandoná-la nas mãos de alguém que não conheço e não a conhece toma conta de mim. Ele entrou para a creche aos cinco meses e sobreviveu, ela entrará aos dez meses e também há-de sobreviver. O coração de mãe é que leva umas chapadas nos entretantos.
  • no outro dia saímos e eu levei uns boiões para a miúda comer. Escolhi-os com base na indicação da idade (eram indicados a partir dos quatro meses) e não li convenientemente os ingredientes. Acontece que os dois continham leite de vaca e ontem as reacções não se fizeram esperar: alguma dor de barriga, muitos gases e muita impaciência. Como se uma pessoa não tivesse já razões de sobra para se sentir culpada, ainda fui arranjar mais uma e injustificável, ainda por cima. Serviu de lição, enfim...
  • Daqui a cinco dias partimos para Portugal. Já tenho algumas coisas apontadas para não me esquecer mas desta vez vamos ficar tanto tempo que o mais natural é esquecer-me de alguma coisa. Marquei o hotel para meio do caminho há umas semanas para me certificar que não temos que andar às voltas à última da hora. Como me dizia um amigo há uns tempos, a viagem pode ser muito boa ou muito má, já que depende de uma criança de cinco meses. Eu estou a descair para o lado optimista mas a rezar para que seja mesmo assim...
Não acredito em soluções milagrosas mas adorava encontrar uma que me deixasse dormir um bocadinho mais e não me fizesse arrastar-me muitas vezes casa fora. Assim sendo, eu vou tentando tudo o que me lembro e pode ser que entretanto reganhe forças para ir escrevendo todos os posts que comecei às escuras e não pude acabar.

julho 03, 2015

Às vezes, esta é uma casa de loucos

Há uns dias atrás, estávamos os quatro na cozinha a jantar (nós os três à mesa, a cachopa no seu ovo). Tínhamos ligado a rádio como costumamos fazer e eis que começa a tocar esta canção:


A miúda começa a chorar de repente, no momento exacto em que se fazem soar os primeiros acordes da canção. A seguir, e numa espécie de solidariedade, o mais velho desata também num pranto, alegando que a música lhe metia medo. O barulho dos dois era tal que quem ouvisse de fora havia de julgar que se tinha passado alguma desgraça! Depois, cada um de nós consolou um deles e nós, os adultos, trocámos umas gargalhadas silenciosas enquanto abraçávamos os pequenos.

Como neste dia, alguns dias são uma confusão pegada. Às vezes gritamos mais do que queremos e do que é preciso mas estarmos aqui sozinhos, sermos esta fabulosa ilha de quatro, tem destas coisas e a paciência esgota-se mais rápido. Às vezes à noite ela chora porque lhe custa a adormecer e ele aproveita a deixa para chamar um pouco a atenção. Noutras vezes, ele começa a rir-se para ela e ela ensaia as primeiras gargalhadas ao ver as palhaçadas do irmão. Quando conseguimos que os dois se deitem, é um silêncio esquisito e que nos faz sentir como se alguma coisa não estivesse bem.

Mais do que um filho é duro, é trabalho mas é mesmo casa cheia! Ainda não dominamos totalmente a divisão das tarefas mas pelo menos é claro que cada um de nós tem que se ocupar com um deles, não há muito que enganar. Esta é talvez uma das razões pelas quais é não considero o terceiro filho: é que depois sobra sempre um e quem é que o vai agarrar quando ele desatar a correr para a estrada? De qualquer maneira, é espectacular ter estes dois macaquinhos sempre perto de nós. Mesmo que às vezes isto pareça um manicómio!


julho 02, 2015

Questões existenciais

Foi ontem depois do jantar. Eu tinha ido deitar a miúda no nosso quarto e ainda havia muita luz. Ele veio a correr e deitou-se na nossa cama, ao meu lado.

Começou uma série de perguntas sobre o crescimento dos avós, até que chegámo ao ponto em que notou que lhe falta conhecer uma avó, que infelizmente partiu mais cedo. O diálogo que se seguiu foi mais ou menos assim:

Ele: Então e onde está a mãe do pai?
Eu: A mãe do pai morreu, querido.
Ele: (ficou pensativo durante uns instantes) Então mas as pessoas morrem?
Eu: (da maneira mais calma e ponderada que pude) Sim, todas as pessoas morrem. Normalmente ficam velhinhas e é aí que acontece.
Ele: Então mas e tu estás a morrer?!
Eu: Não, querido, ainda não! Ainda falta muito para isso.
Ele: Mas mãe, eu não quero ficar velhinho e morrer!
Eu: É o curso normal das coisas, querido. Mas não te preocupes nem penses nisso agora, és muito pequenino.

Provavelmente não é assim que a pedagogia diz que se deve abordar o tema mas foi a melhor maneira que arranjei para falar sobre isto, especialmente porque fui apanhada de surpresa. Não queria falar-lhe da ideia de Céu: apesar de achar a ideia de ter alguém lá em cima muito reconfortante, não queria entrar na perspectiva religiosa da coisa.

Suponho que a partir de agora estas questões vão suceder-se de mesma maneira imprevisível e inocente. É tão difícil explicar-lhe alguns conceitos mas para mim só faz sentido aproximar-me o mais possível da realidade, mesmo que isso possa significar uma história menos cor de rosa. Não quero que ele viva numa redoma mas também não faço tenções de lhe mostrar já como pode ser cruel o mundo. Para isso, ele ainda tem muito tempo. Ainda eu me queixava dos tempos de bebé - os verdadeiros desafios começam agora.