agosto 23, 2015

Bem-te-quero, mal-te-quero


Não sei exactamente quando me chegou a vontade pela primeira vez. Não sei se houve sequer alguma razão para ela aparecer mas sei que na altura não a saberia vocalizar. Eu tinha que sair de Portalegre.

Apercebi-me esta semana, enquanto parava no miradouro por breves instantes, que tenho uma relação de amor ódio com a minha cidade. Eu tinha dezassete anos e podia ter escolhido ficar mas nunca quis - precisava ir embora. Felizmente, os meus pais (à custa sei lá de que sacrifícios) deram-me a possibilidade de escolha, que muita gente não tem. Quis ir para Coimbra durante algum tempo mas, talvez assustada com toda a (para mim exagerada) tradição académica, acabei em Lisboa com apenas dezassete anos. Lá vivi quase tantos anos como em Portalegre e, apesar de não ter lá nascido, é sempre lá que sonho voltar. A Portalegre quero apenas regressar pela família que deixámos para trás.

Também percebi que me defino mais como alentejana do que como portalegrense e de maneira nenhuma me vejo como alfacinha, embora sonhe com Lisboa todos os dias. Admiro muito as pessoas que escolheram ficar aqui e outras que, não sendo portalegrenses ou sequer alentejanas, assentaram aqui arraiais. Algumas fazem pela cidade muito mais do que eu alguma vez fiz mas  a vontade de sair, de me perder fora daqui falou sempre mais alto. Mesmo assim, continuo a achar que para vencer nesta cidade são precisos demasiados empurrões e conhecer as pessoas certas é absolutamente essencial. Acontece que nunca nos movemos nesses círculos. Não tenho pena, talvez apenas alguma mágoa por ver como toda a vida as coisas funcionaram aqui.

Hoje olho para a minha cidade, vejo as mudanças radicais desde que daqui saí, perco-me em memórias daquilo que um dia aqui vivi, penso na tranquilidade que seria ver os nossos filhos crescer aqui mas sei que nunca poderia ficar. Sentir-me-ia asfixiada, sem possibilidade de ver mais mundo com os meus olhos e de o dar também a ver aos miúdos. Este ano concretizei o sonho de pisar outro continente e sei que só o pude fazer porque um dia saí.

Espero que a minha cidade me perdoe. Voltarei enquanto os nossos estiverem vivos e, num mundo ideal, escolheria ficar aqui descansada. Mas o mundo é grande demais para este meu coração e preciso de sentir que posso ir sempre mais longe. Com ela no coração, sempre.

2 comentários:

MAG disse...

Eu gosto de Portalegre e tenho família aí, mas como todo a vida vivi perto de Lisboa não posso dizer que compreenda o que sentes. Creio que em Portalegre tens verdadeiramente as estações do ano, enquanto que em Lisboa o tempo parece estar sempre ameno. Fora isso pouco mais sei.

Dalma disse...

Marisa, comigo aconteceu o inverso, melhor, parte do inverso. Nós queríamos sair de Lisboa, para uma cidade calma de preferência perto do mar onde pudéssemos tranquilamente criar os filhos que viriam... Não ficamos perto do mar porque um anúncio do Expresso nos conduziu aqui. Porém aqui criei os filhos e aqui temos sido felizes! Não, apesar dos 41 anos que aqui vivo não me sinto, tal como tu, portalegrense talvez porque nunca entrei na sociedade daqui, nos tais círculos de que falas... Mas também não tenho pena pois isso deu-nos sempre liberdade!
Eu por aqui continuarei enquanto conseguir tratar do meu jardim, quando não o conseguir, então terei que pensar!