Era perto da uma da manhã quando começou e quase quatro quando percebi o que estava a acontecer: estava em trabalho de parto no dia vinte e seis de Fevereiro, quando supostamente ainda faltavam duas semanas para a gaiata estar pronta. Tinha o mais velho doente, estava desnoitada e, enquanto cuidava dele e de mim, percebi que em breve ia ter mais alguém de quem cuidar. Da primeira vez, não tinha chegado a este nível de dor durante as contracções, graças aos milagres da medicina moderna; desta vez, nem tempo para levar uma epidural tive. Foi a experiência mais alucinante da minha vida e também a mais empowering de sempre. Nunca me vou esquecer do silêncio e penumbra da sala de parto, dos gritos que me saíam sei lá de onde, de ter vontade de fazer força e ter a miúda cá fora em dois puxões valentes. Sozinha, sem ninguém da família, sem amigos na sala: só a parteira que me dizia que tivesse calma e que seria capaz. No fim, ela chamou-me valente e, no meio da alegria de ter feito tudo sozinha, insinuava-se a tristeza de não ter ninguém ali para abraçar. A não ser a minha pequena filha, que não chorou logo de imediato e me olhou com aquela cara séria dela.
É incrível pensar que passou um ano. Amália completa hoje o seu primeiro ano de vida, cheia de mimos dos rapazes e de colo da mãe. Passou quase um ano sozinha comigo, insistindo em não dormir, muito à imagem do seu irmão e precisando de muita atenção. De toda a atenção do mundo, mesmo quando já conseguia pegar nos seus brinquedos com aquelas mãos gordinhas sempre a postos. À parte dos miseráveis hábitos de sono (que ainda persistem, mesmo que mais regulados), esta pequena boneca adora comer, gosta de fazer adeus e brincar com balões, delira a puxar o cabelo da mãe e do irmão, começa a gatinhar mais depressa quando sabe que a vamos apanhar. É divertida, esta nossa filha. Já percebe quando tem graça e tenta fazer-nos rir. Nunca mas nunca acorda mal disposta, ao contrário do irmão que, excepto algumas excepções, sempre acordou a chorar. Ainda não anda mas empoleira-se sempre que pode, tem seis dentes bons para roer bolachas e côdeas de pão, adora tomar banho - só detesta sair da banheira.
Eu, como (penso) a maioria das mães de dois filhos, pensei que havia de ser difícil arranjar espaço para ela no meu coração. Afinal, cinco anos apenas com um filho é coisa para deixar marca. Não foi difícil gostar dela, assim mesmo loucamente, ao contrário do que esperava. Ela esgotou-me as forças ou as minhas hormonas esgotaram-me as forças e sei que algumas vezes a culpei pela minha quase-depressão. Mas a minha filha pequenina, que nasceu um bebé tão pequenino a comparar com o irmão, não fazia mais do que precisar de mim, de nós para poder crescer com tranquilidade. A minha bebé pequenina só chegou a este mundo perdida entre dia e noite, a precisar da minha total dedicação, enquanto eu me via a dormir aos soluços, a enlouquecer com a estupidez de querer controlar todas as coisas. Já não tentei perceber porquê: bastou-me o Vicente para entender que eles são como são mas mesmo assim custou-me a aceitar que ela não fosse um borreguinho a dormir.
A pequena Amália faz um ano e tem a sorte de ter parte da sua grande família com ela para festejar. Eu cá olho-a embevecida de cada vez que ela se despede de alguém ou sempre que tenta quebrar os limites, tentando escalar sofás ou escapar por portas entreabertas. Eu vejo a alegria com que ela nos olha todos os dias, especialmente quando acorda e percebe que nós os três ainda estamos ali e é tudo o que peço para ela: que continue indomável e curiosa e que se sinta sempre amada pela gente à sua volta. O resto? O tempo tratará disso.